Guerra urbana

Como vivem os jovens nas cidades mais violentas do Brasil

Ítalo Rômany Em Conde (PB), Eusébio (CE), Mata de São João (BA), Murici e Satuba (AL)
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"Perdi a conta de quantos amigos já se foram." Patrick Batista, 19, tenta fazer um cálculo que não fecha.

A vítima mais recente, colega de campo de futebol, foi assassinada com seis tiros por causa do envolvimento com o tráfico de drogas. Tinha 20 anos.

"Ele poderia ter mudado de vida se tivesse mais oportunidade", lamenta. Os dois jovens de Satuba (AL), a 22 km de Maceió, são uma pequena amostra da realidade por trás da estatística: em média, 70% dos mortos por armas de fogo nas cinco cidades mais violentas do Brasil têm entre 15 e 29 anos.

Os dados são do Mapa da Violência 2016, desenvolvido pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), que elaborou um ranking baseado nos números de homicídios por armas de fogo --que equivalem a 70% das mortes violentas-- em mais de 3.000 municípios.

A metodologia da Flacso inclui todas as cidades brasileiras com no mínimo 10 mil habitantes, diferente do Atlas da Violência 2017 divulgado recentemente pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Embora os dois trabalhos tenham como ponto de partida dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, adotam critérios diferentes. O ranking do Ipea foi elaborado com base no número total de homicídios --não apenas por armas de fogo-- em municípios com população superior a 100 mil habitantes.

Os dois estudos convergem em um ponto: nos últimos anos, a região Nordeste apresenta uma escalada de violência maior em relação às outras regiões do país.

Somente em 2015, 18.217 pessoas foram assassinadas no Nordeste, segundo informações colhidas no SIM. Desse total, 61% eram jovens de 15 a 29 anos.

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Os primeiros municípios no ranking do Mapa da Violência elaborado pela Flacso ficam nas regiões metropolitanas de Salvador (BA), Maceió (AL), João Pessoa (PB) e Fortaleza (CE). Todas ostentam taxas de mortalidade que se equiparam às zonas de guerra. Sobram razões, desde a instalação de indústrias, a partir de 1990, até a chegada de facções criminosas.

Com a crise econômica que assola o país desde 2015, os homicídios tendem a aumentar, principalmente neste ano, avisa o sociólogo Julio Jacobo, responsável pelo Mapa da Violência, que prepara a atualização do ranking com base nos dados mais recentes.

"O governo federal sabe disso, a polícia sabe disso, você sabe disso, mas quais as medidas que estão sendo tomadas? É um processo de ocultação da realidade."

Realidade que só vem piorando nas últimas décadas: de 1980 até 2014, o número de homicídios de jovens aumentou quase 700%, de acordo com o Mapa da Violência.

No ano de 2015, de cada 114 pessoas que foram assassinadas em um dia, 67 estavam na faixa etária dos 15 aos 29 anos. Em geral, são homens, negros e moradores da periferia.

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"Quem manda aqui é o traficante"

Na cidade de Eusébio, a 25 km de Fortaleza, as comunidades da periferia veem a polícia como vilã e reconhecem a autoridade dos criminosos.

No Carnaval deste ano, a estudante Nayara Moreira, 20, viajou e deixou as portas de casa sem trancar.

Quando regressou, tudo estava do mesmo jeito. "Não há assaltos, não pode roubar quem é de dentro. É a lei daqui." 

No último Mapa da Violência, Eusébio ocupa a quinta posição no ranking de cidades com as maiores taxas de mortes por armas de fogo no país.

"É um município que vem crescendo muito, o que mais cresce no Estado, trazendo também toda a mazela dos grandes empreendimentos", diz o professor César Barreira, coordenador do Laboratório de Estudos da Violência da Universidade Federal do Ceará.

Segundo a prefeitura, são mais de 3.000 empresas instaladas no município, sendo 150 de grande porte.

Além disso, Eusébio deve inaugurar até outubro de 2017 o Polo Industrial e Tecnológico da Saúde, com uma área de 73 hectares.

O desenvolvimento econômico tem atraído muita gente para a cidade, principalmente de outros Estados. A construção de mais de 200 condomínios fechados em Eusébio é um reflexo desse crescimento.

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Quando a reportagem esteve na cidade, na segunda semana de abril, recebeu a recomendação de não tirar fotos ou gravar nas comunidades periféricas, mesmo estando acompanhada de moradores. Qualquer pessoa de fora, com câmera, não é bem-vinda.

O prefeito Acilon Gonçalves (PEN) reconhece que Eusébio vive um "momento de insegurança".

Para combatê-lo, criou a Secretaria de Segurança Municipal e a Assessoria de Políticas sobre Drogas, para ressocializar jovens que estão no tráfico.

Recentemente, Gonçalves procurou o secretário estadual de Segurança Pública do Ceará, André Costa, e conseguiu um reforço de carros e policiais. "Nos últimos dias, 16 pessoas foram presas. Esse é o caminho", comemora.

Para os jovens ouvidos pela reportagem, essa não é a solução. "Quando os guardas pegam um menor de idade, logo já pensam que é criminoso porque a gente é pobre, usa roupa simples. Às vezes, acabam se enganando", reclama Nayara. Ela tem um irmão de 17 anos que já recebeu esse tratamento diversas vezes ao ser abordado pela PM.

Nas ruas, moradores relatam que as promessas de reforço da segurança pública surgem sempre que saem dados sobre a violência. É quando a cidade recebe mais policiais, mandados de busca são feitos, criminosos são presos.

Uma semana depois, tudo some, denunciam. "Por que não se faz isso antes de a violência virar notícia? Quando a mídia deixa de falar, a violência volta. É uma máscara", relata o professor de informática Kayo Abreu.

Em nota, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSP-CE) informou que o número de homicídios no Estado teve queda de 15,2% em 2016 em comparação com o ano anterior. E diz que isso é resultado dos programas de integração com prefeituras.

Além disso, segundo a SSP-CE, os policiais estão recebendo uma "formação mais humanizada, com foco nas questões sociais e alcance da paz".

Para Eliana Barbosa, coordenadora pedagógica da ONG Estação da Luz, mais do que investir em educação e esportes, é preciso ouvir os jovens.

Fundada em 2004, a instituição oferece gratuitamente cursos profissionalizantes, como computação, além de aulas de futebol e ginástica artística para a juventude de Eusébio, com o apoio de empresas locais.

Mesmo assim, já teve alunos assassinados. "Os jovens não estão aí [no tráfico] porque querem, às vezes é um pedido de socorro. Precisamos escutar mais, em vez de apontar quem é o bandido, o vagabundo." 

É o que esperam Tayná, Maria, Patrick, Euclides, Fabrício e tantos outros jovens que enfrentam diariamente a guerra urbana das cidades mais violentas do Brasil.

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"Ela não é daquelas"

A frase do flanelinha que tomava conta dos carros na praia de Tambaba marcou o fim das idas frequentes da atriz Mariana Petite, 25. Destino dos adeptos do nudismo, era lá que ela se refugiava com o namorado para descansar.

Até fevereiro deste ano, quando foi abordada por dois homens em uma moto, que a chamaram para fazer um programa. Vendo a movimentação, o flanelinha avisou que ela não era prostituta, e os motoqueiros fugiram. "Me senti enojada", diz Mariana. 

Tambaba fica na cidade do Conde, a 30 km de João Pessoa, e o turismo é uma das principais fontes de renda para a população local.

Como em muitos destinos turísticos do Nordeste, a circulação de renda atrai o tráfico de drogas e o turismo sexual.

Em consequência, o aumento no número de homicídios por armas de fogo colocou o Conde na quarta posição do Mapa da Violência 2016. A taxa média 2012-2014 foi de 94,4 mortes para cada 100 mil habitantes.

Doutora em sociologia e integrante do Núcleo de Direitos Humanos da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Luziana Ribeiro reconhece o impacto positivo do turismo na economia, mas alerta para os danos sociais que carrega para o seu entorno.

"Infelizmente, aqui no Nordeste, nós estamos acenando com esse Éden do turismo de corpos. A violência contra os jovens, nesse caldo todo, aparece como resquício de um processo que é muito maior."

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Por estar em uma área estratégica, a 90 km do Recife (PE), o município do Conde e seu entorno recebem indústrias dos mais variados tipos, com destaque para o setor cimenteiro devido às grandes jazidas de calcário encontradas na faixa litorânea.

"Que indústria se forma ao lado da indústria do cimento? Que indústria se forma ao lado da indústria do turismo? Se há um universo paralelo, que recebo em forma de denúncias ou de falas soltas como essas, precisamos canalizar forças para [resolver] isso", diz a prefeita do Conde, Márcia Lucena (PSB).

Em seu primeiro mandato, ela procurou associações e entidades naturistas para criar um conselho gestor que fortaleça a filosofia do nudismo para combater o turismo sexual.

Em janeiro deste ano, após assumir, a prefeita criou a Coordenadoria da Juventude para criar políticas públicas destinadas aos jovens e evitar que o crime seja a única oportunidade na cidade.

Para liderar a iniciativa, a prefeita escolheu Alex Santos, ele próprio um jovem de apenas 21 anos. "Se você pensar que nesses tantos anos a violência só aumentou, que o número de jovens que entram na universidade cada vez mais diminui, que o desemprego só aumenta, você questiona: se o jovem pensar em ter uma perspectiva de vida, para onde ele vai?", pergunta.

Quem mora na área rural do Conde convive de perto com assaltos constantes, brigas e confusões causadas por pessoas de fora em bares da comunidade e a venda de crack.

"Perto de onde eu moro tem uma casa abandonada que o pessoal usa para consumir drogas", relata Maria Islaine, 20, assustada com os crimes no município.

Com vegetação farta e preservada, o mesmo cenário que atrai turistas acaba facilitando a fuga dos criminosos.

Traficantes de drogas conhecem bem a região e usam rotas clandestinas que chegam até Pernambuco. Em geral, são estradas estreitas, de terra, que ficam entre canaviais e bambuzais espalhados no município. Além disso, as áreas de mata são usadas para desova de corpos de pessoas assassinadas.

Em nota, a Secretaria de Segurança e da Defesa Social da Paraíba informou que houve diminuição de 39% nos assassinatos no Conde, sendo 31 em 2015 e 19, em 2016.

Para inibir a ação de criminosos na área, foi criada uma Patrulha Rural para fiscalizar as áreas adjacentes do município. Durante os dias em que a reportagem esteve no Conde, nenhum carro da polícia foi visto na zona rural, nem de dia, nem de noite.

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O professor de capoeira Mayandson Cristiano, mais conhecido como Lelê, 22, diz que poderia ter entrado no mundo das drogas, mas escolheu outro rumo.

Duas noites por semana, ele dá aulas voluntárias de capoeira para um grupo de jovens do quilombo Gurugi, onde mora, na zona rural do Conde. Mas admite que atraí-los para o esporte é um grande desafio. "Essa geração prefere o lado mais fácil, o lado das drogas."

Enquanto o capoeirista conversava com a reportagem e ressaltava a importância do esporte para dar novas oportunidades aos moradores da cidade, quatro adolescentes sentaram-se em um banco da praça e começaram a usar drogas. A mesma praça onde Lelê ensina capoeira para jovens de diversas idades.

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"Houve momentos em que 4 pessoas eram mortas por dia"

Quando a reportagem chegou a Satuba (AL), a 22 km da capital Maceió, o clima era de medo. Muitos jovens da pequena cidade de 14 mil habitantes optaram por não dar entrevista.

Cinco dias antes, em 31 de março, um jovem de 20 anos havia sido assassinado com seis tiros --cinco na cabeça e um na axila. A vítima ainda foi atropelada após os disparos, segundo testemunhas.

O crime ainda não foi esclarecido, mas muitos desconfiam que foi por causa do tráfico de drogas.

No Mapa da Violência, Satuba é a terceira cidade com a maior taxa de homicídios por armas de fogo no Brasil.

O próprio prefeito, Paulo Acioly (PMDB), diz que vive sendo ameaçado por traficantes. Ele conta que já recebeu telefonemas avisando que seus filhos e integrantes da família seriam mortos se continuasse cobrando das autoridades uma política para combater a violência.

"Escolas fechavam as portas após receberem ligações dizendo que os alunos seriam mortos se funcionassem. Alguém precisava fazer algo", afirma Acioly.

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O tráfico de drogas é apontado como o principal fator da violência em Satuba.

"Tivemos momentos em que eram assassinadas quatro pessoas por dia", diz o prefeito.

Não é pra menos: atualmente, a delegacia está funcionando somente com dois policiais civis, relatou um funcionário que prefere não ser identificado.

"Se ocorrer um assalto agora, a gente não pode sair porque não podemos deixar o prédio sozinho, por causa dos objetos que temos aqui, como armas", diz, preocupado.

Quando a reportagem esteve na sede policial da cidade, o delegado não estava presente. 

Procurada, a Secretaria de Segurança Pública de Alagoas não retornou o contato até o fechamento da reportagem.

Para Ruth Vasconcelos, coordenadora do Núcleo de Estudos sobre a Violência em Alagoas, da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), o descaso dos governos com a população, principalmente a juventude,  reflete no aumento da violência.

E é preciso, diz ela, que a sociedade se mobilize. "É incômodo parar o carro no trânsito e vir um adolescente limpar o vidro do seu automóvel sem você pedir. Na verdade, ele tá mostrando: 'Olha, eu existo'. A nossa reação é ficar incomodado, mas, se a gente pensar bem, vai perceber que esse sujeito está pedindo socorro e está limpando a nossa vista para os problemas reais que enfrenta."

José Pereira, 19, é natural de Igaci, agreste de Alagoas, e vive em Satuba há quatro anos.

Estudante técnico de agropecuária, escolheu viver na cidade porque fica a dez minutos de carro da capital e da Ufal. No final de 2017, Pereira pretende fazer o Enem e cursar a Faculdade de Matemática.

Outra razão para a mudança do estudante é o preço dos aluguéis, mais baratos do que em Maceió.

A violência em Satuba, no entanto, também cobra um preço elevado. "No mês passado, na frente da minha casa, a vítima não quis dar o celular e o bandido atirou. Por sorte, não morreu."

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A prevenção da violência, segundo o prefeito, deve ser feita no município, com investimentos em educação e saúde.

Mas os jovens que vivem em Satuba pedem oportunidades de emprego. Alexsandro dos Santos, 19, reclama principalmente da ausência de cursos profissionalizantes --unânime entre os entrevistados.

A falta de indústrias na cidade, somada à crise econômica que vem fechando comércios, aumentou o número de desempregados. "Quando saio de casa a caminho da prefeitura, de 100 pessoas que encontro nas ruas, 101 pedem emprego", reconhece Acioly. "A indústria da cidade é a prefeitura", diz ele.

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"Qualquer festa na cidade tem tiroteio"

Reza a lenda que em Murici (AL), a 55 km de Maceió, havia uma cobra presa entre duas igrejas católicas. E que ela só ia ser solta se uma enchente passasse para "limpar" os pecados que a cidade tinha.

Em 2010, fortes chuvas devastaram mais de 30 municípios do Nordeste, principalmente nos Estados de Pernambuco e Alagoas. Murici foi um deles.

Com 28 mil habitantes, Murici é o segundo município com a maior taxa de homicídios por armas de fogo do país. Também é a terra natal da família Calheiros, atualmente administrada por Olavo Neto (PMDB), sobrinho do senador Renan Calheiros (PMDB) --pai do atual governador de Alagoas, Renan Filho (PMDB). O governador, aliás, foi prefeito de Murici entre 2005 e 2010.

"Ruim com eles, pior sem eles", disse um morador, que preferiu não ser identificado, resumindo a opinião de quem acredita que a situação só não está péssima graças aos Calheiros.

Após a enchente, a reconstrução foi rápida. Em apenas dois anos, foram entregues conjuntos habitacionais com escolas e postos de saúde. Porém, sete anos depois, as cicatrizes ainda estão abertas.

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Se a lenda se cumpriu e a enchente "limpou" a cidade, não parece: a inundação trouxe deslocamentos e desestruturou famílias, e a violência explodiu.

Após a enxurrada, o número de mortes por armas de fogo em Murici disparou 235%. Os assassinatos por tiros, que somaram 31 na cidade entre 2007 e 2010, segundo levantamento do Ministério da Saúde, mais que triplicaram nos quatro anos seguintes. Entre 2011 e 2014, foram 104 mortes violentas.

A conexão entre a tragédia da enchente e o aumento da violência é a expectativa de mudar de vida que muitos enxergaram no tráfico de drogas.

Diretora da escola municipal Juvenal Lopes, localizada em um dos conjuntos habitacionais construídos após as enchentes, Josilene Santos diz que a falta de oportunidades tornou a droga atraente para os adolescentes da comunidade.

"Pode ser bom de imediato, mas esquecem que podem perder a vida. Tivemos alunos que se envolveram e foram mortos."

Morais Filho, 19, já perdeu dois primos. Um, atingido por bala perdida numa troca de tiros entre traficantes numa festa em praça pública. O outro, por razões que ainda não foram apuradas.

"Foi um choque. Eles cresceram junto comigo e, de uma hora para a outra, saber que eles não estão mais aqui, é muito triste", diz o estudante.

Muitos veem o aumento da violência como reflexo da falta de empregos. Nos últimos anos, ao menos cinco usinas de cana de açúcar fecharam as portas na região.

Entre os motivos, estão a perda de competitividade do etanol ante a gasolina e a queda no preço do açúcar, causando prejuízos financeiros e queda na produção, segundo o Sindicato da Indústria do Açúcar de Alagoas (Sindaçúcar-AL). A prefeitura de Murici estima que mais de 6.000 pessoas ficaram desempregadas.

O professor de matemática Fernando Menezes trabalha na cidade há 27 anos, e nunca tinha visto tantos desempregados nas ruas.

"A população da zona rural migrou quase toda para a área urbana em busca de empregos [por causa do fechamento das usinas de cana de açúcar], mas Murici não conseguiu oferecer as mínimas condições de vida, de trabalho."

Foram feitas tentativas para entrevistar o prefeito Olavo Neto, mas a assessoria de imprensa disse que ele não poderia receber a reportagem.

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Em dezembro de 2016, o governo de Alagoas inaugurou o Centro Integrado de Segurança Pública no município. A ideia é aproximar a polícia dos bairros periféricos para reduzir a violência no interior do Estado.

Responsável pela unidade, o delegado Caio Rodrigues diz que a diminuição dos assassinatos passa pelo combate à disputa de territórios entre os traficantes de drogas, mas admite que tem enfrentado muitas dificuldades para conter esses pontos de venda.

A população espera uma resposta rápida.

"Qualquer festa na cidade tem tiroteio. Tenho medo", diz a dona de casa Ariadna Gomes.

No Carnaval de 2017, a folia foi cancelada numa das quatro noites após um homicídio na praça principal, conta.

Mãe de dois jovens, ela sabe das dificuldades em criar os filhos em meio à violência e às drogas disponíveis nas esquinas. "Recentemente a polícia prendeu dois irmãos, que vi crescerem. Minha filha brincava com eles quando criança."

O delegado Rodrigues reconhece que há um "certo clima de guerra" na cidade. "Percebemos que o indivíduo preso, quando consegue a liberdade, retorna ao crime."

A polícia, diz ele, depende da colaboração da comunidade em denunciar esses casos para ajudar as investigações e reprimir a criminalidade.

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"Meu futuro é fora daqui"

A primeira segunda-feira de abril de 2017 foi especial para Javã Araújo, 18. Morador de Mata de São João, a 60 km de Salvador (BA), foi a data em que ele iniciou o curso de eletromecânica no polo industrial na cidade vizinha de Camaçari.

"Meu futuro é fora daqui", diz o jovem após perder um amigo assassinado por causa do tráfico de drogas.

O mesmo caminho foi escolhido por Fabricio de Souza, 24, personagem da história em quadrinhos acima, quando conseguiu um emprego no Complexo da Ford Nordeste.

Para os matenses que vivem na cidade com a maior taxa de homicídios por armas de fogo do país, Camaçari representa a oportunidade de  melhorar de vida e escapar do desemprego e da violência. Curiosamente, o mesmo polo industrial do município vizinho que trouxe desenvolvimento e empregos também contribuiu para a realidade que colocou Mata de São João no topo do ranking do Mapa da Violência. 

Nos arredores, outras cidades baianas ostentam índices elevados de assassinatos: Simões Filho, Pojuca e Lauro de Freitas, por exemplo, aparecem em oitavo, nono e décimo lugares, respectivamente, de acordo com o estudo. A própria Camaçari surge em 37º.

"[O poder público] não acompanhou as demandas do crescimento econômico dessas regiões. Não havia educação, não havia segurança. Isso foi a festa da bandidagem", diz Jacobo.

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O prefeito de Mata de São João, Marcelo Oliveira (PSDB), diz que a violência é reflexo do tráfico de drogas, uma vez que a cidade é ponto de passagem de entorpecentes ilícitos entre a capital e o litoral norte do Estado.

Mas contesta o incômodo título de cidade mais violenta do Brasil. "Essa estatística, divulgada de forma fria como vem sendo feita, compromete a qualidade do nosso destino. Parece que a cidade está deflagrada, e não está", afirma.

A Secretaria de Segurança Pública da Bahia endossa a crítica e diz que os números estão distorcidos, já que há Estados que contabilizam uma chacina como um só caso, interferindo diretamente nos resultados finais.

Essa é, por exemplo, a metodologia usada pelo Estado de São Paulo para contabilizar homicídios, que difere do critério por parte dos especialistas e organismos internacionais.

Considerada pacata por muitos moradores, Mata de São João tem um lado esquecido nas vielas e becos da periferia. "A realidade está aí. A cidade vive uma reviravolta, a criminalidade toma conta", relata o skatista Vanilson Silva, conhecido como Proex MC.

Vanilson Silva está por trás de uma iniciativa para atrair os jovens para o esporte e desviá-los do tráfico de drogas, crescente nas comunidades que ele frequenta.

"A gente tenta colocar na cabeça da juventude um outro caminho, para que ela não parta para o lado errado", diz o criador da associação Skate em Ação. Desde 2015, o projeto já formou mais de 20 skatistas profissionais, com aulas nos fins de semana e competições durante o ano. Tudo de graça, sem nenhum patrocínio da prefeitura. 

Entre os participantes, o relato mais comum é que o tráfico é forte nas comunidades em que vivem e exerce forte influência entre os adolescentes.

"Para um rapaz da periferia, que não tem acesso ao esporte, ao trabalho, à educação, e vê o traficante pagar a conta de luz que os pais desse jovem, desempregados, não puderam pagar, me questiono: qual a referência de vida que ele vai ter?", pergunta Maurício Shaman, vice-presidente do Skate em Ação.

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O único elemento (do Estado) que a juventude conhece é a presença ostensiva do carro da polícia, diz o sociólogo Thiago Neri, integrante do Programa de Estudos em Políticas e Gestão de Segurança Pública da UFBA.

"Nos bairros periféricos, [o Estado] vai quando quer, onde quer, como quer."

Ao abrir mão de políticas que trazem bem-estar social a essas comunidades, o governo perdeu a guerra para facções que dominam esses lugares --como Bonde do Maluco, Comando da Paz, Caveira e Katiara, entre os que comandam a criminalidade na Bahia.

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