A lei é para todos?

Após prisão de Lula, quais devem ser os rumos do combate à corrupção e como mostrar que nenhum lado é poupado?

Leandro Prazeres Do UOL, em Brasília
Arte/UOL

Lula está preso. A julgar pelas manifestações de alguns setores da sociedade, a prisão do ex-presidente petista se transformou num marco do combate à corrupção. 

Mas e agora?

Curitiba virou o palco principal de uma batalha sobre quem tem razão, os manifestantes a favor da condenação de Lula ou quem está contra sua reclusão. Mas e qual o significado dessa prisão para o movimento anticorrupção no Brasil?

O UOL procurou três especialistas no tema para discutir os rumos de uma luta que transcende o caso do tríplex em Guarujá (SP) e seus implicados.

Foram ouvidos Bruno Brandão, representante no Brasil da ONG Transparência Internacional, Márlon Reis, juiz aposentado e um dos principais articuladores da campanha que resultou na Lei da Ficha Limpa, e Leonardo Avritzer, doutor em sociologia, professor do departamento de ciência política da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e um dos maiores especialistas nos estudos relativos à corrupção no Brasil. Eles apontam desafios e entraves para o futuro do combate à corrupção.

Theo Marques/UOL Theo Marques/UOL

Lula está preso. Qual o próximo passo no combate à corrupção?

Bruno Brandão, da Transparência Internacional:

"Um passo importante que precisa ser dado é a redução drástica do foro privilegiado [...]. Esta medida atacaria uma das maiores causas de impunidade de poderosos no Brasil e, também, a percepção de seletividade no sistema judiciário. Em um momento de tensionamento da vida nacional como o atual, seria uma medida fundamental para reforçar a credibilidade nas instituições e sua isenção no enfrentamento da corrupção".

Márlon Reis, juiz aposentado e articulador do movimento da Lei da Ficha Limpa:

"Sinceramente, tenho dificuldade de partir da premissa de que a prisão do ex-presidente Lula foi um grande passo no combate à corrupção. Neste momento, eu acho que é muito importante que a Justiça demonstre de forma veemente que não tem lado. Isso significa que situações que pesam contra pessoas de outros partidos (além do PT) devem ser tratadas com grande rigor.

Ficou muito desgastante para a imagem do Judiciário o episódio do senador Aécio Neves (PSDB-MG), por exemplo. Essa noção de igualdade de tratamento no Judiciário é básica.

Além disso, acho que nós devemos evoluir para um sistema político que gere dificuldades para a corrupção e facilidades para práticas mais republicanas. O nosso sistema convida à corrupção. A reforma política é urgente".

Leonardo Avritzer, professor de ciência política da UFMG:

"Para que a prisão do ex-presidente Lula seja, de fato, um marco no combate à corrupção, seria preciso, no mínimo, que houvesse uma resposta do Judiciário igual em relação a outras pessoas de outros partidos e que ocupam posição semelhante [à de Lula] no passado ou sobre as quais existem evidências maiores. O caso do senador Aécio Neves é um exemplo.

Se casos aparentemente semelhantes permanecerem impunes, teremos um problema de proporcionalidade na ação do Judiciário".

Um passo importante a ser dado é a redução drástica do foro privilegiado

Bruno Brandão

Bruno Brandão, da Transparência Internacional

O nosso sistema convida à corrupção. A reforma política é urgente

Márlon Reis

Márlon Reis, criador da Lei da Ficha Limpa

Na próxima terça-feira (17), o senador Aécio Neves (PSDB-MG) pode virar réu se a 1ª Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) aceitar a denúncia contra ele. Entre as acusações, está a gravação em que o tucano pede R$ 2 milhões ao empresário Joesley Batista, um dos donos da J&F.

Já o TJMG (Tribunal de Justiça de Minas Gerais) deverá julgar, no dia 24 de abril, os recursos movidos pelo ex-governador mineiro Eduardo Azeredo (PSDB) dentro do processo no qual ele foi condenado a 20 anos e um mês de prisão, conhecido como "mensalão tucano".

O julgamento pode levar o político à cadeia ou resultar na prescrição da sua punição e acontece 11 anos depois da primeira denúncia contra Azeredo, em 2007. A acusação é de peculato e lavagem de dinheiro.

O ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB-SP), que deixou o comando estadual para ser pré-candidato à Presidência --e com isso perdeu o foro privilegiado--, teve seu inquérito transferido para a Justiça Eleitoral, em vez de para a primeira instância da Operação Lava Jato.

A investigação é baseada em delações da Odebrecht e apura crime de caixa dois eleitoral. A transferência do processo para fora da Justiça criminal comum se deu a pedido da Procuradoria-Geral da República e gerou críticas da oposição e de Rodrigo Janot, ex-procurador-geral da República, que escreveu em seu Twitter: "Tecnicamente difícil de engolir essa".

Muitas pessoas veem a prisão de Lula como um símbolo de vitória no combate à corrupção. O Brasil está menos corrupto agora?

Bruno Brandão, da Transparência Internacional:

"Como diversos países no mundo, o Brasil enfrenta um problema de corrupção sistêmica, que não poderá ser significativamente alterado por ações isoladas, mas sim por um conjunto de reformas que ataque suas causas estruturais.

Infelizmente, e apesar de toda a comoção social sobre o tema, a atual classe política se mostra absolutamente inerte ou mesmo refratária à proposição de novas leis ou reformas institucionais que ofereçam uma resposta à altura da complexidade do problema.

Basta lembrar que a última tentativa de se discutir uma agenda de reformas sobre o tema foi a iniciativa das Dez Medidas, sepultada pelo Congresso e nunca mais revisitada".

Márlon Reis, juiz aposentado e articulador do movimento da Lei da Ficha Limpa:

"Não. O Brasil construiu práticas de corrupção sistêmica no universo político que precisam ser enfrentadas. Não basta uma medida como essa para esse fim. O problema é muito mais grave e precisa ser enfrentado, também, com a busca por soluções sistêmicas".

Leonardo Avritzer, professor de ciência política da UFMG:

"Essa é uma pergunta de muito difícil resposta. O que a gente sabe é que, do ponto de vista do governo federal, não existe evidência de que os níveis de corrupção baixaram.

Pelo contrário, a chegada do grupo do Michel Temer (MDB) ao centro do poder ampliou práticas que já existiam.

Ainda que seja difícil medir isso, a medida indireta feita pela Transparência Internacional, mostrou que a percepção da corrupção no Brasil aumentou nos últimos anos".

Marcello Casal Jr/Agência Brasil Marcello Casal Jr/Agência Brasil

A chegada do grupo do Michel Temer ao centro do poder ampliou práticas [corruptas] que já existiam

Leonardo Avritzer

Leonardo Avritzer, professor de ciência política

O Brasil construiu práticas de corrupção sistêmica no universo político que precisam ser enfrentadas

Márlon Reis

Márlon Reis, criador da Lei da Ficha Limpa

Esforços de combate à corrupção podem diminuir agora que Lula está preso?

Bruno Brandão, da Transparência Internacional:

"Não acredito que isso vá acontecer. Embora seja verdade que uma parcela da população tenha de fato uma indignação seletiva com respeito a diferentes personagens acusados --quer seja por identificações ideológicas, quer seja por pragmatismo ou por puro preconceito--, existe uma inegável mudança de expectativa da população com respeito à impunidade da corrupção. Esta nova expectativa exercerá pressão continuada para que a Justiça alcance outros políticos com acusações gravíssimas, mas que ainda se mantêm impunes pela excrescência do foro privilegiado".

Márlon Reis, juiz aposentado e articulador do movimento da Lei da Ficha Limpa:

"Espero que a opinião pública não relaxe em relação a cobrar as autoridades para que essas ações continuem. Só grupos que não tratam com seriedade o combate à corrupção podem pensar em arrefecer os ânimos no combate à corrupção. Os segmentos sérios, instituições, militantes e ativistas honestos que tratam dessa matéria, continuarão com a mesma veemência".

Leonardo Avritzer, professor de ciência política da UFMG:

"Acho que o problema não é se vai continuar ou não vai continuar. É se esse esforço no combate à corrupção vai se dar pautado pela lei ou não.

O combate só irá avançar se ele for baseado no respeito a uma certa institucionalidade legal e no Estado de Direito.

O problema é que a população se acostumou e normalizou a Operação Lava Jato, que tem alguns elementos excepcionais, mas atua em zonas cinzentas do direito penal.

Mas o país só vai avançar na redução da corrupção se houver um combate mais sistemático que não esteja atrelado às disputas políticas que ocorrem no Brasil".

O combate à corrupção só irá avançar se ele for baseado no respeito a uma certa institucionalidade legal e no Estado de Direito

Leonardo Avritzer

Leonardo Avritzer, professor de ciência política

Espero que a opinião pública não relaxe em relação a cobrar as autoridades para que essas ações continuem

Márlon Reis

Márlon Reis, criador da Lei da Ficha Limpa

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