Amazônia "intacta"

Novo parque peruano protege a fauna e a flora de uma das florestas mais preservadas do mundo

JoAnna Klein Do New York Times
Álvaro del Campo/The Field Museum
Álvaro del Campo/The Field Museum Álvaro del Campo/The Field Museum

As florestas tropicais no noroeste remoto do Peru são grandes - tão grandes que as nuvens que se formam acima delas podem influenciar a precipitação pluviométrica na porção ocidental dos Estados Unidos. A região contém espécies, em especial peixes, provavelmente não encontradas em outros pontos do planeta. Cientistas que estudam a fauna e a flora podem vislumbrar o processo evolucionário, a saúde ecológica e a história geológica do Amazonas.

Agora a região se tornou o lar de um dos mais novos parques nacionais do Hemisfério Ocidental. O Parque Nacional Yaguas protegerá do desenvolvimento e do desflorestamento milhões de hectares de natureza sem estradas - e os povos indígenas que dependem dela.

"Este é um lugar onde a floresta se perde no horizonte", diz Corine Vriesendorp, conservacionista do Museu The Field, Chicago, uma das muitas organizações que trabalharam para a conquista da indicação de "parque nacional", o nível mais elevado de proteção do Peru. "Esta é uma das maiores florestas intactas do mundo."

A nomeação contrasta com ações nos EUA que podem enfraquecer a proteção à natureza. O presidente Donald Trump tornou prioridade a redução da proteção de monumentos nacionais como Bears Ears, em Utah, e muitos consultores do Sistema de Parques Nacionais se demitiu recentemente, citando temores com o compromisso do governo quanto a proteções ambientais.

"Agora, estamos tentando pensar grande. Essas grandes áreas precisam estar ligadas"

Avecita Chicchón, Fundação Gordon e Betty Moore

Já o novo parque peruano se junta a uma rede de parques e reservas criadas há pouco tempo para a preservação do território em países da América do Sul, como Equador, Chile e Colômbia.

"Agora, estamos tentando pensar grande. Essas grandes áreas precisam estar ligadas", diz Avecita Chicchón, que chefia a Iniciativa Andes-Amazônia, da Fundação Gordon e Betty Moore.

No Peru e em outros países, líderes políticos, estimulados por fortes iniciativas da sociedade civil, estão reconhecendo os efeitos da mudança climática e seu papel em sua mitigação. Estão reservando grandes pedaços de terra visando a cumprir acordos feitos no tratado do clima de Paris. E grupos indígenas e locais, finalmente com uma participação jurídica no processo, também deram suporte fundamental.

Álvaro del Campo/The Field Museum Álvaro del Campo/The Field Museum

Mais de mil pessoas, pertencentes a pelo menos seis grupos indígenas, moram ao longo de 200 quilômetros dos rios Yaguas e Putumayo. Para eles, este lugar é "sachamama", palavra que no idioma quíchua significa algo como "mãe selva", o coração sagrado da área que produz a flora e a fauna das quais os grupos dependem.

Esses povos indígenas fazem parte de uma comunidade maior espalhada pela tragédia durante o ciclo da borracha na virada do século 20. Eles são descendentes dos poucos que sobreviveram à escravidão, tortura e genocídio, que ceifou dezenas de milhares de vidas. 

Nas duas últimas décadas, federações indígenas instaladas ao redor do Yaguas têm trabalhando para proteger a terra. Eles ensinaram aos cientistas e conservacionistas sobre sua geografia e biologia, convencendo o governo de que valia a pena salvar a terra.

Nas planícies amazônicas do Parque Nacional Yaguas, tipos diferentes de rios que contêm formas diversas de vida aquática se misturam durante a estação de chuvas quando as florestas são inundadas. Esse coquetel incomum de águas fluviais produz uma diversidade singular; mais de 300 espécies de peixe se adaptaram à vida na floresta.

Álvaro del Campo/The Field Museum Álvaro del Campo/The Field Museum

"Imagine que você fosse um peixe e estivesse em um rio e pudesse passar para outro rio, não nadando rio abaixo, mas atravessando a floresta", diz Max Hidalgo, ictiologista do Museu de História Natural de Lima, capital peruana.

O peixe se alimenta de fruta, espalha sementes e encontra abrigo em galhos submersos. Para encontrar essas espécies raras, é mais fácil quebrar uma tora do que usar linha de pesa, explica Hidalgo, que há anos estuda peixes na área.

Uma espécie, ainda não batizada, do tamanho de um polegar só foi encontrada morando em túneis subterrâneos. Hidalgo espera voltar ao parque em breve para confirmar se a ciência ainda não a conhece.

Contudo, com mais de três mil plantas, 600 aves e cerca de 150 espécies de mamíferos, existe muito mais do que peixe em Yaguas

Álvaro del Campo/The Field Museum Álvaro del Campo/The Field Museum

Geralmente evasiva em áreas de caça, a anta em Yaguas é mais visível. "Nunca vi tantas em um só lugar", afirma Vriesendorp. Às vezes, elas são encontradas na floresta, comendo barro salgado para extrair seus minerais.

A lontra gigante, espécie ameaçada que pode medir 1,80 m, também foi avistada no parque. À medida que seus habitat se tornam fragmentados pelo desflorestamento e desenvolvimento, esses grandes animais encaram extinções locais.

Sua presença em Yaguas, entretanto, sugere que o ecossistema aquático ainda é saudável, e por isso é importante dado que o parque contém as cabeceiras de um afluente do rio Amazonas.

Álvaro del Campo/The Field Museum Álvaro del Campo/The Field Museum
Álvaro del Campo/The Field Museum Álvaro del Campo/The Field Museum

Uma equipe chefiada pela Sociedade Zoológica de Frankfurt espera obter uma estimativa da população de lontras, determinar se existem conflitos com humanos e, por fim, avaliar se o mercúrio de pequenas operações de extração de ouro entrou na cadeia alimentar.

Se futuras propostas forem bem-sucedidas, três quartos do rio Putumayo irão se tornar um amplo e contínuo corredor para a fauna selvagem do norte peruano. E também poderia ser importante à medida que o mundo busca reduzir as emissões de carbono.

Examinando a floresta tropical de cima, padrões lineares previsíveis de outra joia do Yaguas emerge: turfeiras; somente descobertas há pouco. Elas fazem parte de uma rede de turfeiras do norte do país que, em conjunto, armazenam quantidades gigantescas de carbono.

Manter o carbono no solo é fundamental, embora isso seja um desafio no remoto Yaguas e áreas vizinhas com poucas restrições.

"Por enquanto, o Yaguas está seguro, mas nesses 20 anos que tenho trabalhado na Amazônia, aprendi a duras penas que a distância de hoje é o acesso de amanhã", afirma Gregory Asner, ecologista do Instituto Carnegie para Ciência.

Mas, agora, muitas pessoas estão comemorando.

"Não é todo dia que parques nacionais são criados. Isso é muito importante"

Corine Vriesendorp, conservacionista do Museu The Field, Chicago

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