Trabalhei em 60 países, cobri guerras no Iraque e no Afeganistão e passei a maior parte de 2014 vivendo na zona do ebola na África Ocidental, um lugar dominado pelo medo e a morte.
O que eu experimentei nas Filipinas parecia um novo nível de crueldade: policiais disparando sumariamente contra qualquer pessoa suspeita de vender ou usar drogas, "vigilantes" que levam a sério o apelo de Duterte para "matar todos eles".
"Vocês podem esperar 20 mil, 30 mil ou mais", disse ele em outubro.
No sábado (3), Duterte disse que em um telefonema na véspera, o presidente eleito dos EUA, Donald Trump, havia endossado a brutal campanha antidrogas e o convidara a visitar Nova York e Washington. "Ele disse que, bem, estamos fazendo isso como um país soberano, do jeito certo", afirmou Duterte em um resumo do telefonema divulgado por seu gabinete.
Por trás dos mortos em operações oficiais contra as drogas, a Polícia Nacional das Filipinas contou mais de 3.500 homicídios não solucionados desde 1º de julho, transformando grande parte do país em um velório macabro.
Alguns corpos foram encontrados nas ruas com as cabeças enroladas com fita adesiva. Outros foram deixados com cartazes de papelão improvisados, rotulando as vítimas como traficantes ou viciados.
Mais de 35.600 pessoas foram presas em operações antidrogas que o governo chama de Projeto Tokhang. O nome é derivado de uma frase que significa "bater e suplicar" em cebuano, a língua nativa de Duterte.
Nos bairros ricos de condomínios murados e grandes propriedades, há de fato às vezes uma batida educada na porta, um policial que entrega um folheto explicando as repercussões do uso de drogas à empregada que atender. Nos bairros mais pobres, a polícia agarra adolescentes e homens na rua, faz verificações da ficha policial, prende e às vezes atira para matar.
Forças do governo foram de porta em porta a mais de 3,57 milhões de residências, segundo a polícia. Mais de 727.600 usuários de drogas e 56.500 traficantes se renderam até agora, afirma a polícia, lotando as prisões. Na cadeia de Quezon City, os detentos se revezam para dormir em qualquer espaço disponível, incluindo uma quadra de basquete.
Minhas noites em Manila começavam às 21h na sala de imprensa da delegacia, onde eu me juntava a um grupo de repórteres locais à espera de notícias das últimas matanças. Saíamos em comboios, como um trem sobre trilhos, com luzes de advertência piscando enquanto passávamos em velocidade pelos faróis vermelhos.
Eu mantive diários e gravações em áudio dessas operações noturnas, trabalhando com Rica Concepcion, um repórter filipino com 30 anos de experiência.
Acompanhamos a polícia em diversas batidas. Também fomos por conta própria aos lugares onde as pessoas eram mortas e seus corpos, encontrados. Os parentes e vizinhos que conhecemos muitas vezes contavam uma história muito diferente da registrada nos relatos oficiais da polícia.