Muitas daquelas crianças tiveram a oportunidade de retomar o convívio familiar somente dez anos depois da separação. E numa época em que quem precisava de cuidados não eram mais os filhos, mas sim os pais, com idade avançada e necessidades de cuidados devido aos resquícios da doença.
"Eu estava morando em Minas Gerais quando recebi uma ligação de meu pai dizendo que o estado de saúde de minha mãe tinha piorado. Em 1989, me vi obrigada a largar a minha vida, me mudar para o hospital-colônia de Itu e cuidar deles", conta Clara Regina.
Em 1995, no mesmo dia em que enterrou o pai, recebeu uma ordem de despejo da casa em que vivia dentro do hospital-colônia. "Eles simplesmente colocaram todos os meus móveis em um caminhão de mudança e trancaram as portas com cadeado", diz ela, que ficou dez dias dormindo no chão da garagem com seus três filhos. "Dependíamos dos vizinhos para comer, para ir ao banheiro e para tomar banho."
Mas a decisão do despejo foi revertida após um exame comprovar que Clara Regina, assim como os pais, tinha hanseníase. "Os resultados já tinham sido entregues à diretoria do hospital, mas eles me acusaram de fraude. Recorri à Secretaria de Saúde, que me deu a carta de internação."
Esse foi o passaporte para a sua permanência em uma das casas que integra o terreno do hospital-colônia. "Meu maior medo é quando eu morrer. O que será dos meus filhos?"
Essa ameaça também assombra o pedreiro Marcos Roberto Meli, que perdeu o pai há um ano. "Larguei tudo para cuidar dos meus pais e, agora, não tenho nada. Morro de medo toda vez que alguém bate em minha porta, achando que pode ser um oficial de Justiça com a ordem de despejo. Não tenho ninguém nem sei para onde poderia ir", conta ele.
Há ao menos outros 20 filhos de pacientes que foram internados compulsoriamente no hospital-colônia de Itu na mesma situação de Meli, segundo uma advogada que busca na Justiça o direito de eles herdarem a moradia que foi dada aos pais no passado. Ela preferiu não ter seu nome divulgado para evitar o agravamento dos problemas com a diretoria do hospital.
Segundo Celso Aparecido Fattori, diretor do Hospital Dr. Francisco Ribeiro Arantes, na época da internação compulsória, o local chegou a abrigar 4.200 pacientes numa estrutura que continha cinema, igreja, cemitério, padaria e até casino. A partir da década de 1980, com o fim dessa política, eles puderam retornar ao convívio social. Mas alguns preferiram permanecer no local.
"Em 1986, o hospital foi aberto aos familiares para que eles pudessem acompanhar e até cuidar dos pacientes. Mas vale lembrar que esses 'cuidadores' tinham a liberdade para entrar e sair do hospital sempre que quisessem", ressalta Fattori.
"Como se trata de um hospital asilar para pacientes hanseníases da época da internação compulsória, os filhos deixam de exercer a função de cuidador com a morte dos pais", justifica ele, que compara a situação de alguém internado em uma Santa Casa. "Se esse paciente morre, o acompanhante precisa desocupar o quarto para que outra pessoa seja atendida."
Mas, segundo os moradores, as casas do hospital-colônia estão sendo desocupadas sem um uso. Muitas residências foram degradadas pelo abandono, mesmo tendo o selo de patrimônio histórico, que impede que sejam demolidas. "Entendo o problema social, mas temos que levar em conta a finalidade do ambiente", acrescenta Fattori.
Questionado desde o dia 11 de julho, o governo do estado de São Paulo não se posicionou sobre como pretende auxiliar essas pessoas nem sobre quais os planos para reaproveitar as áreas abandonadas do hospital.