Arma na urna

Com violência em alta, Estatuto do Desarmamento entra no centro do debate eleitoral e divide pré-candidatos

Mirthyani Bezerra Do UOL, em São Paulo
Arte UOL

O Brasil alcançou em 2016 a maior taxa de homicídios das últimas quatro décadas. A sensação de medo e insegurança gerada nos brasileiros pelo aumento da violência levou a segurança pública para o centro do debate das eleições deste ano e levantou discussões se a população deve ou não ter acesso facilitado à compra e ao porte de armas.

Diante dos 30 homicídios por 100 mil habitantes registrados em 2016 -- seguindo uma tendência de crescimento que vem desde 2012 --, há uma parcela da população que acredita que o Estatuto do Desarmamento, sancionado em 2003 pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), falhou na tentativa de derrubar os índices de violência e tirou dos brasileiros o direito legítimo da autodefesa.

Já outros acreditam que a lei foi eficaz na derrubada imediata dos homicídios no país e que serviu como uma espécie de freio no número galopante de assassinatos que viam sendo registrados no país desde a década de 1980.

Dos 20 pré-candidatos à Presidência, nove dizem ser completa ou parcialmente contra o estatuto e outros 10 o defendem como política pública. Apenas o deputado federal Cabo Daciolo, pré-candidato do Patriotas, não se pronunciou sobre o tema. A reportagem ouviu ainda especialistas e presidentes de entidades favoráveis e contrários à lei.

O que os 6 mais bem colocados das pesquisas dizem sobre o porte de armas?

Marlene Bergamo/Folha Imagem

Eles defendem o Estatuto do Desarmamento

Jose Augusto/AP - 6.mai.2000 Jose Augusto/AP - 6.mai.2000

O estatuto e a redução da escalada de homicídios

O Estatuto do Desarmamento entrou em vigor em dezembro de 2003 e regulamentou a compra e posse de armas no Brasil. Um referendo realizado em 2005, porém, derrubou uma das propostas do decreto, que era proibir o comércio de armas de fogo e munições no país. Ao todo, 63,94% dos votos válidos foram pelo "não", isto é, foram contrários à proibição. Desta maneira, a venda permaneceu legal, mas sob rigorosos critérios.

Logo após as novas regras entrarem em vigor, o número de homicídios no Brasil começou a cair -- já a partir de 2004 -- e se manteve estável por quase uma década, segundo dados do Atlas da Violência 2018, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).

Especialistas favoráveis ao desarmamento ouvidos pelo UOL afirmam que os desdobramentos do estatuto foram cruciais para interromper a escalada de assassinatos no país que vinha sendo verificada desde a década de 1980. Eles citam como fatos determinantes as campanhas de entrega voluntárias de armas feitas principalmente durante os dois governos Lula (em 2004, 2005 e 2008), quando cerca de meio milhão de armas foram retiradas de circulação, o forte engajamento da sociedade durante o referendo e a maior dificuldade de se adquirir uma arma a partir das novas regras.

"O começo do Estatuto do Desarmamento foi marcado por um forte engajamento da sociedade para retirada de armas de circulação e do olhar das polícias estaduais para apreender a arma na mão dos criminosos, o que resultou na redução dos homicídios em vários estados", diz Bruno Langeani, gerente de Sistemas de Justiça e Segurança Pública do Instituto Sou da Paz.

Fonte: Mapa da Violência 2016 / Atlas da Violência 2018 (Ipea)

O número de homicídios por arma de fogo voltou a subir a partir de 2012, iniciando uma tendência de crescimento ininterrupto até 2016, o que fez com que parcela da sociedade passasse a questionar a eficácia do estatuto. Mas apesar da piora nos índices, o Atlas da Violência, divulgado pelo Ipea, estima que os homicídios teriam crescido 12% além do que foi observado em 2016 caso a lei não tivesse sido sancionada.

Para Isabel Figueiredo, pesquisadora e consultora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o maior mérito do estatuto não foi ter diminuído os assassinatos, mas freado o seu ritmo de crescimento. "Vamos supor que eu tenho uma sequência que me diz assim: eu tinha 10; no mês seguinte tinha 20; depois eu tinha 30; depois 40; no próximo eu tenho 43, em vez de ter 50. Não consegui reduzir, mas estancar o crescimento, ainda que proporcionalmente", exemplifica.

Segundo dados do Mapa da Violência 2016 -- edição mais recente do estudo realizado com o apoio da Unesco com foco apenas nas mortes por armas de fogo registradas no Brasil --, o número de assassinatos realizados por meio desse instrumento crescia 8,1% ao ano de 1980 a 2003. Após a aprovação do estatuto, o ritmo de crescimento passou a ser de 2,2% ao ano, até 2014.

A crise e a volta do aumento de homicídios

Para a pesquisadora, o aumento dos assassinatos verificado a partir de 2012 tem com uma das causas o impacto da crise econômica vivenciada no Brasil sobre a área da segurança pública, o que enfraqueceu as políticas que vinham sendo realizadas nesse segmento. "Tem-se [também] a expansão do crime organizado que sai do eixo Sul-Sudeste e passa a ocupar outros territórios do Brasil, se tem um descontrole de vários fatores. Não foi uma questão de que pararam de cuidar do desarmamento e os homicídios cresceram", acrescenta.

Além disso, tanto Isabel Figueiredo quanto Bruno Langeani afirmam que faltou colocar em prática uma série de estratégias que teriam sido capazes de frear ainda mais a escalada de homicídios no país. Eles citam como algumas dessas medidas o fortalecimento das polícias estaduais para apreender e identificar as armas de fogo encontradas em posse de criminosos, aprimorar a investigação de homicídios, dar celeridade à destinação e destruição das armas aprendidas e estocadas em delegacias e fóruns.

Pablo Jacob/Agência O Globo Pablo Jacob/Agência O Globo

Cidadão armado tem mais chance de morrer em um assalto?

Os pré-candidatos favoráveis ao estatuto têm dito que mais armas na rua significarão "loucura", "estímulo à violência". Em maio, Ciro Gomes (PDT) disse que quem defende mais armas nas mãos dos cidadãos "está prometendo é um banho de sangue", fazendo menção ao também pré-candidato Jair Bolsonaro (PSL), que tem como principal bandeira facilitar o acesso dos cidadãos às armas de fogo.

Não existem estudos recentes capazes de quantificar o risco de um cidadão comum com porte de arma morrer caso se encontrasse em uma situação de tensão com um bandido armado. Um estudo publicado em março de 2000 intitulado Também morre quem atira, feito com dados de 1998 da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo – quando ainda era fácil ter uma arma de fogo no Brasil—, mostrou que um cidadão portando uma arma tem um risco 56% superior de ser uma vítima fatal durante um roubo em relação a uma vítima desarmada.

Outro ponto é a possibilidade de o cidadão ter a sua arma roubada durante o assalto e, assim, ela passar para o mercado informal de armas -- a exemplo das conhecidas "feiras do rolo" existentes ainda hoje nas grandes cidades do país --, podendo ir parar nas mãos de criminosos. No ano passado, a Polícia Federal registrou o roubo ou furto de 9.275 armas legais no país.

Não há dados atualizados e oficiais sobre a posse ilícita de armas de fogo no Brasil. Um estudo publicado em 2005 no livro Brasil: as armas e as vítimas mostrou que havia mais de 4,6 milhões de armas de fogo na posse informal -- ou seja, com cidadãos sem autorização para tê-las--, e 3,8 milhões na posse de criminosos.

Leo Correa/AP - 27.dez.2017 Leo Correa/AP - 27.dez.2017

Policiais armados fora de serviço também morrem

Um levantamento feito pelo UOL em abril deste ano, com dados da SSP (Secretaria da Segurança Pública) de São Paulo e do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública), mostrou que 680 policiais militares paulistas foram assassinados entre 2008 e 2017. Desse total, 523 foram mortos fora de serviço (77% do total).

Para Isabel Figueiredo, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, as mortes de agentes da segurança pública, que são treinados especificamente para manusear armas de fogo durante a formação, comprovariam a premissa levantada por Ciro Gomes, durante sabatina ao UOL, Folha e SBT, de que cidadão armado e destreinado é alvo fácil de criminosos.

"Não é incompetência deles [dos policiais], mas o inesperado da situação e a tensão não permite uso dessa arma de fogo de forma eficiente", diz Figueiredo.

Langeani, do Sou da Paz, afirma que geralmente a abordagem criminosa acontece em superioridade numérica, reduzindo as chances de a vítima se defender. "Na atitude de reagir a um assalto, como no caso do policial que estava no ônibus [na Jabaquara] em São Paulo, a pessoa não está só arriscando a vida dele, não é uma decisão que afeta somente ele, é uma decisão que afeta terceiros", diz.

O que dizem os pré-candidatos favoráveis ao estatuto

  • Aldo Rebelo (SD)

    A segurança pública é um dever do Estado, e não pode o Estado achar que se resolve a segurança pública colocando uma arma na mão de cada cidadão. O cidadão precisa ser protegido e não ser protagonista de sua segurança

    Imagem: Ricardo Borges/UOL
  • Ciro Gomes (PDT)

    Se eu amanhã pego um cidadão desprevenido, destreinado, portando arma, imaginando que vai se defender ante a impotência do estado, é um morticínio. A gente tem que perguntar: a quem interessa essa propaganda sistemática de vender arma?

    Imagem: Carine Wallauer/UOL
  • Guilherme Afif Domingos (PSD)

    A lei atual é adequada, apesar de toda sua restrição para o uso da arma de fogo. O que pergunto é: a criminalidade caiu com a restrição do uso de armas de fogo? Não! Então o problema está em outro lugar. Enquanto se preocupam com a arma do cidadão, a criminalidade aumenta visivelmente

    Imagem: Ricardo Borges/UOL
  • Guilherme Boulos (PSOL)

    O problema da violência não será resolvido com mais armas e munição para as pessoas. É preciso colocar em ação um projeto de segurança pública que tenha como princípio a preservação da vida, com mais gastos em prevenção e o compromisso de desmilitarização das polícias

    Imagem: Suamy Beydoun/Agif/Estadão Conteúdo
  • Henrique Meirelles (MDB)

    O estatuto não deve ser flexibilizado. A questão da segurança pública deve ser enfrentada com investimentos nas forças de segurança. Não é armar as pessoas que vai resolver nosso problema de violência

    Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress
  • João Goulart Filho (PPL)

    Não apoio a revisão do Estatuto do Desarmamento porque considero uma irresponsabilidade que o Estado entregue armas para a população e diga para ela se virar em sua defesa. Quem propõe isso é, no mínimo, irresponsável. É obrigação do Estado garantir a segurança da população e disso nós não abrimos mão

    Imagem: Juliana Santos/Divulgação/Câmara de João Pessoa
  • José Maria Eymael (PSDC)

    O porte de armas deve ser relegado apenas àqueles que dele necessitem no seu afazer diário. Fora disso, armar a população é armar também o bandido, pois se este, com toda a proibição vigente, já tem acesso a elas, um cenário aonde seria fácil se ter ou portar uma arma facilitaria ainda mais sua vida

    Imagem: Carlos Cecconello/Folhapress
  • Luiz Inácio Lula da Silva (PT)

    Eu vi um cidadão dizer, e eu não vou citar o nome, porque eu não vi a cara dele dizendo. Fez uma reunião com fazendeiro porque 'eu vou dar fuzil para cada um'. Meu Deus do céu, como é que você vai encontrar paz se você está estimulando a violência, está estimulando o ódio?

    Imagem: Folhapress
  • Manuela D'Ávila (PCdoB)

    Com mais armas teremos mais mortes, e o Brasil já é um dos países com mais homicídios do mundo. A legislação brasileira é adequada, com regras e exigências claras para que alguém obtenha o porte de armas. Precisamos fazer com que a lei seja cumprida

    Imagem: Filipe Jordão/JC Imagem/Estadão Conteúdo
  • Marina Silva (Rede)

    As democracias evoluíram, o Estado se constituiu como um mecanismo de mediar a força entre pessoas e grupos. Reprimir o crime é uma responsabilidade do Estado. Não vai ser o cidadão que vai fazer justiça com as próprias mãos

    Imagem: Alan Marques - 19.abr.2016/Folhapress
Rodrigo Capote/Folhapress

Eles são contrários ao Estatuto do Desarmamento

Bruno Kelly/Reuters Bruno Kelly/Reuters

Estado com mais armas tem menos mortes por esse instrumento

Especialistas que defendem mudanças na legislação que regula a posse e o porte de armas de fogo no Brasil afirmam não haver relação entre o estatuto e a redução dos homicídios observada nos dados do Ipea e no Mapa da Violência 2016. Bene Barbosa, jurista especialista em segurança pública e presidente da ONG Movimento Viva Brasil, diz que a redução dos homicídios foi verificada apenas em alguns estados da federação, o que teria influenciado nos dados gerais.

"Essa redução aconteceu em poucos estados, mais especificamente em São Paulo, algo no Rio de Janeiro e em Minas Gerais. Em todos os outros estados, o já crescente do número de homicídios continuou subindo", afirma. "Não foi nem uma redução, foi mais uma diminuição do crescimento".

Segundo ele, apesar do estatuto, os assassinados cometidos com arma de fogo continuaram acontecendo, chegando a um patamar de 70% do total de homicídios do país. "As armas de fogo continuam circulando e indo para a mão dos criminosos, que não tiveram nenhum problema com o abastecimento no mercado ilegal", diz.

Dados do Ipea mostram que no começo da década de 1980, a proporção de homicídios com o uso da arma de fogo ficava em torno de 40%. Esse índice cresceu sem parar até 2003, quando atingiu o patamar de 71,1% e ficou estável -- até 2016, último dado disponível.

"São Paulo é o estado que mais tem circulação de armas nas mãos de civis após o Estatuto do Desarmamento e é exatamente o estado com o menor número de homicídios. Se você pegar o Nordeste, que é que a região onde menos tem armas legalizadas, onde o comércio legal praticamente desapareceu, você vai ver o contrário, vai ter a explosão da criminalidade", afirma.

Segundo dados da Polícia Federal, até janeiro deste ano, São Paulo tinha 137.883 armas de fogo registradas no total, sendo 48.487 delas em poder de pessoas físicas, a maior quantidade entre os estados da federação. Dados do Mapa da Violência 2016 mostram que o estado é o segundo com o menor números de assassinatos por armas de fogo. Em 2014, foi verificada uma taxa de 8,2 homicídios por armas de fogo por 100 mil habitantes – ficando atrás apenas de Santa Catarina (7,5 por 100 mil). 

Só casos com desfecho ruim chegam às delegacias

Sérgio Bittencourt, presidente da IDSC Brasil (Confederação Internacional de Tiro Defensivo no Brasil), diz não acreditar em pesquisas que afirmam que cidadãos armados correm maior risco de morte em uma situação tensa com criminosos. Ele preside uma entidade esportiva de tiro defensivo, modalidade que simula situações cotidianas em que uma arma de fogo poderia ser usada em legítima defesa.

Na opinião dele, a arma de fogo pode ajudar a resolver a situação sem que "nem um nem outro acabe atingido". “O cara vem me assaltar com uma faca e vê que eu estou armado. Como ele vê que eu sou um cidadão de bem e não quero matá-lo, desiste e vai embora. Já está resolvida a minha situação", exemplifica.

Especificamente sobre o estudo que concluiu que pessoas armadas têm 56% de chances de morrer em um assalto, Bene Barbosa, do Movimento Viva Brasil, afirma que o dado não pode ser entendido de forma mais abrangente porque ficou resumido a "um universo muito pequeno", ou seja, à cidade de São Paulo.

Além disso, ele acredita que qualquer pesquisa que tente quantificar esse risco teria resultado duvidoso, porque apenas casos com desfecho ruim chegam às delegacias.

"Não é possível você inserir nesse universo de quem reagiu aqueles que reagiram e não viraram estatística porque ninguém saiu ferido. Nesses casos, a polícia não fica sabendo e mesmo quando fica, isso não é registrado como reação [ao crime]. Normalmente, é registrado só como tentativa de roubo, tentativa de algum outro crime", diz.

Bene Barbosa critica ainda quem usa como argumento de defesa do estatuto o risco de uma arma legal ir parar no mercado ilegal após ser roubada durante um eventual assalto. Para ele, o Estado tem o dever de proteger o cidadão e isso inclui a sua arma.

"Eu fico muito preocupado quando ouço policiais, delegados, secretários de segurança dizendo 'cidadão não pode ter uma arma porque essa arma vai ser roubada e vai parar no crime'. Ou seja, ele está afirmando exatamente o que a gente diz, que o Estado não é capaz de proteger o cidadão. Se o cidadão tem uma arma roubada, a culpa não é dele", diz.

 Fernando Donasci/Folhapress - 4.jun.2008 Fernando Donasci/Folhapress - 4.jun.2008

Falta de segurança no campo e a defesa do armamento

Outro ponto do Estatuto do Desarmamento que é alvo de polêmica é o fato de apenas produtores rurais que comprovem depender da arma de fogo para prover subsistência alimentar da própria família terem direito à concessão do porte por parte da Polícia Federal. Quem é a favor da flexibilização do estatuto afirma que esse grupo está mais suscetível a ser vítima de roubos por estar em zonas afastadas e, por isso, de difícil acesso das polícias.

Marcelo Vieira, presidente da SRB (Sociedade Rural Brasileira), afirma que a falta de segurança no campo é um dos "piores problemas da agricultura no Brasil". "Se tem cada vez menos segurança, cada vez menos produtores morando no campo por falta de segurança e que hoje não pode deixar nada na fazenda, insumos, produtos, equipamentos, que são roubados. Esse é um dos piores problemas da agricultura com certeza", afirma.

Ele admite que o tema divide a categoria. Segundo Vienra, a SRB defende que sejam colocadas em prática ações do poder público para dar segurança a quem alimenta o país, citando uma iniciativa do governo de São Paulo de transformar a polícia ambiental em patrulha rural.

"Ela visita produtor, vendo o que não está correto, instruindo-o como deve corrigir em vez de sair multando e também faz a patrulha rural que leva mais segurança. Precisamos cada vez mais é ter patrulhas polícia no campo nos garantindo a segurança", afirmou.

Bene Barbosa, do Movimento Viva Brasil, diz que o Estatuto do Desarmamento não levou em consideração as diferenças entre a população urbana e rural.

"A lei trata da mesma forma eu que moro na capital de São Paulo e quero comprar uma pistola e um cidadão que mora a 400 km de Manaus e precisa ter uma espingarda. [...] Óbvio que essa pessoa não vai conseguir comprar uma arma legalmente e vai acabar apelando, infelizmente, para armas ilegais", diz. "Você acaba não impedindo que quem quer fazer o mal adquira ilegalmente uma arma de fogo. Ao mesmo tempo, você impede o mais pobre, quem está mais distante, de comprar uma espingarda para defesa".

Antonio Gaudério/Folhapress Antonio Gaudério/Folhapress

Decisão sobre porte de arma do cidadão é da PF

O Estatuto do Desarmamento estabeleceu uma série de regras para que o cidadão comum possa comprar uma arma de fogo. Ele deve ser maior de 25 anos, não pode ter antecedentes criminais e precisa provar ter aptidão mental e capacidade de manusear tecnicamente uma arma. Além disso, deve apresentar à Polícia Federal, que é o órgão responsável por autorizar a posse e o porte de pessoas físicas comuns, uma declaração escrita justificando por que ele precisa de uma arma.

Esse é justamente um dos principais pontos criticados pelos contrários ao estatuto: a chamada discricionariedade da lei, ou seja, a responsabilidade de um delegado da Policia Federal analisar essa justificativa e decidir se libera ou não a autorização.

Quem advoga pela flexibilização da lei defende que esse poder de decisão seja retirado das mãos do delegado. "O que nós defendemos é o direito daquelas pessoas que atendem a todas aquelas exigências [legais] terem sua arma de fogo. É uma liberdade, se assim a pessoa quiser", diz Bittencourt.

Barbosa afirma que grande parte dos delegados nega o pedido "com base praticamente ideológica". "O delegado não acredita que o cidadão deva ter uma arma e não concede. Esse é um dos pontos em que a lei precisa mudar", diz.

O que dizem os pré-candidatos contrários ao estatuto

  • Alvaro Dias (Podemos)

    O cidadão entende que tem que portar arma, ter posse da arma para se defender legitimamente. Eu não posso negar esse direito ao cidadão brasileiro, até que o estado se organize, seja aparelhado o suficiente. O estatuto não melhorou, ao contrário, a violência cresceu avassaladoramente

    Imagem: Suamy Beydoun/Agif/Estadão Conteúdo
  • Flávio Rocha (PRB)

    O estatuto viola o direito de autodefesa do cidadão de bem e não afeta o criminoso que, por sua própria atividade, ignora a lei. O direito à autodefesa armada não substitui uma polícia preparada e eficiente, mas negar esse direito ao cidadão viola o princípio democrático fundamental de proteção à vida

    Imagem: Marlene Bergamo/Folhapress
  • Geraldo Alckmin (PSDB)

    Claro que porte de arma pode ter na área rural, até deve ser facilitado, porque as pessoas estão mais distantes. No agro hoje, as coisas são caras, equipamentos têm valores impressionantes. Então você atrai quadrilha. Agora isso não é o caminho para você trazer segurança no campo

    Imagem: Fábio Vieira/Fotorua/Estadão Conteúdo
  • Jair Bolsonaro (PSL)

    Eu quero equilibrar esse jogo, dar o direito à legítima defesa à população. Não é você comprar na birosca da esquina uma .40 para você. Vai ter algum critério para essa questão no tocante à posse de arma de fogo e mais alguns no tocante ao porte de arma de fogo

    Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress
  • João Amoêdo (Novo)

    Sou contra o Estatuto do Desarmamento. O cidadão deve ter liberdade e responsabilidade ao portar uma arma. No referendo de 2005, 64% disse não [à proibição do comércio de armas]. Essa decisão deve ser respeitada

    Imagem: Jorge Araujo/Folhapress
  • Levy Fidélix (PRTB)

    O Estado, mesmo com as polícias civil e militar, não tem dado conta de conter a violência. Então é preciso que o cidadão de bem, devidamente preparado para o manuseio de armas e com aval psicológico, entre outros critérios de segurança, tenha legitimidade para se proteger

    Imagem: Danilo Verpa/Folhapress
  • Paulo Rabello de Castro (PSC)

    Todo cidadão brasileiro deve ter o direito de, se assim desejar, possuir uma arma para sua defesa, desde que comprove bons antecedentes, possua treinamento adequado e tenha o equilíbrio psicológico necessário. O direito à autodefesa armada não substitui uma polícia preparada e eficiente.

    Imagem: Ricardo Borges/UOL
  • Rodrigo Maia (DEM)

    O principal ponto é tirar do delegado a opção para dar a posse de arma, ou seja, todo cidadão que cumprir os requisitos deverá ter o direito garantido. É preciso aumentar carga horária do curso de tiro para tirar o porte; criar modalidade de porte rural para legítima defesa e defesa da propriedade; anistiar cidadãos que não têm armas registradas e dar um ano para que o façam

    Imagem: Adriano Machado/Reuters
  • Vera Lúcia (PSTU)

    A população precisa se defender, por isso deve ter acesso à compra de armas. Isso não vai promover uma onda generalizada e sem controle de violência. Defendemos que a população, especialmente os mais pobres e oprimidos, possam se defender

    Imagem: Marlene Bergamo/FolhaPress
Yuri Cortez/AFP - 25.jun.2013 Yuri Cortez/AFP - 25.jun.2013
Marlene Bergamo/Folhapress - 30.set.2005 Marlene Bergamo/Folhapress - 30.set.2005

Projetos de lei tramitam para modificar estatuto

Há algumas iniciativas no Congresso Nacional que tentam modificar o Estatuto do Desarmamento. A principal delas é o PL 3722/12, também chamado de Estatuto de Controle de Armas de Fogo, que além de querer acabar com a discricionariedade da lei, quer reduzir de 25 para 21 anos a idade mínima para a compra de armas no país. A proposta foi aprovada em comissão especial em 2015 e até 25 de junho estava na mesa diretora da Câmara para ser votada no plenário. A votação, no entanto, não deve acontecer este ano.

Apesar das dificuldades elencadas pelos que defendem maior acesso dos cidadãos às armas de fogo – com as quais o PL 3722/12 tenta acabar --, dados da Polícia Federal conseguidos pelo Instituto Sou da Paz via LAI (Lei de Acesso à Informação) demonstram que houve um aumento no registro de novas armas de pessoas físicas pela PF. Entre 2004 e 2017, elas passaram de 3.029 para 33.031.

Os números enviados pelo Exército ao UOL também mostram que os certificados de registros de armas concedidos a pessoas físicas cresceu. Eles passaram de 5.097 em 2004 para 36.449 em 2017.

O Exército Brasileiro autoriza o registro de armas de fogo nas mãos de civis para aqueles que se enquadraram na categoria CAC (caçador, atirador e colecionador). Cada uma dessas modalidades tem tópicos específicos, mas em nenhum deles é permitido registro de arma para defesa pessoal. Isso é feito apenas pela PF.

Quem pode ter hoje uma arma no Brasil?

Um cidadão brasileiro pode comprar uma arma?
A princípio, sim. Mas para isso, é preciso preencher uma série de requisitos expostos na lei. Se for um civil comum, tem que entrar com um processo na Polícia Federal. Se além de ser civil, colecionar armas, for atirador esportivo ou caçador, a permissão será pedida ao Exército.

Como fazer para ter uma arma?
É preciso ter mais de 25 anos, preencher os requisitos legais - entre eles aptidão mental e capacidade de manuseio - e solicitar uma autorização à PF. O cidadão deve escrever uma declaração explicando por que precisa de uma arma. A compra só poderá ser feita se o delegado concordar com os argumentos e conceder a licença.

Comprada a arma, é preciso registrá-la?
Sim. A PF emite o documento, com validade de cinco anos, que comprova que o cidadão foi autorizado a ter uma arma para deixá-la exclusivamente dentro de casa (ou no seu local de trabalho, caso seja o dono ou responsável legal pelo estabelecimento).

O cidadão pode andar armado?
O porte de armas de fogo foi proibido pelo Estatuto do Desarmamento, mas prevê algumas exceções. O cidadão deve ter mais de 25 anos e fazer uma solicitação escrita à PF mostrando a necessidade da arma para o exercício de atividade profissional de risco ou ante ameaça à sua integridade física. Quem decidirá pela concessão ou não do porte é a autoridade policial.

Como fazer para revender uma arma?
O interessado em comprar a arma precisa preencher todos os requisitos legais e ter autorização da PF. Revender uma arma sem que o comprador atenda a essas exigências é crime.

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