No segundo flagrante de trabalho escravo feito pela equipe, a resposta do empresário responsabilizado pelo crime revela o modo como os madeireiros enxergam os trabalhadores.
"A gente pede os documentos para o suposto funcionário, eles falam que perderam. Você pede o nome, eles dão apelido. Muitos são drogados, pé inchado [alcoólatras]. São pessoas que surgem do Mato Grosso, do Maranhão, da Bahia, do Pernambuco. Ninguém sabe sua história, ninguém sabe o seu passado. Então isso não se vê, que muitas vezes a gente está levando um cara desses para trabalhar e estamos salvando a vida dele", diz Eudemberto Sampaio, dono da serraria Betel.
O depoimento é um termômetro da baixa disposição do setor para se legalizar. Ao mirar na erradicação do trabalho escravo, o Ministério do Trabalho mexe em um dos pilares da ilegalidade, mas há muitos outros.
O tamanho do problema foi exposto pela Operação Madeira Limpa, deflagrada pelo Ministério Público Federal e pela Polícia Federal. A operação prendeu 21 pessoas na região oeste do Pará em 2015, entre eles três funcionários públicos de diferentes esferas do governo. A quadrilha fazia desmatamento e extração seletiva ilegal de madeira, grilagem e coagia os assentados a autorizar a retirada de árvores de suas terras.
Alguns dos casos denunciados na operação já estavam na "Lista Suja do Trabalho Escravo", que reúne os flagrantes do Ministério do Trabalho. Entre eles estava a madeireira Iller, responsabilizada por trabalho escravo e crime ambiental. A madeireira faz parte da segunda parte da investigação da Repórter Brasil. Aos rastrear degraus acima da cadeia de fornecedores dessa e de outras serrarias, a reportagem descobriu relações comerciais com fornecedores de grandes marcas nacionais e internacionais.
O auditor do trabalho José Marcelino lembra que essa operação foi apenas o começo de uma investigação de fôlego que busca descobrir o funcionamento da indústria ilegal de extração seletiva de madeira em parceria com MPF e MPT e em uma tentativa de diálogo com órgãos ambientais e fundiários.
"Temos que aprender como entrar nesse setor, estudar as estratégias", afirma. Marcelino já aprendeu que, na ponta, se trata de um setor desorganizado e que convive com altos riscos econômicos. "A derrubada das árvores não quer dizer que está garantida a venda da madeira. E, como o empresário não tem um capital de giro adequado, ele não arca com os custos para tratar os trabalhadores de forma adequada", avalia.
Apesar do aparente improviso, Marcelino sabe que a escolha em fazer a extração ilegal é uma decisão bastante racional, baseada em um ambiente de baixo investimento empresarial legalizado, grande potencial de exploração de trabalhadores vulneráveis e baixo risco de serem pegos pela fiscalização.
Após receber o dinheiro da rescisão, João saiu dizendo que voltaria para o mato, mesmo que fosse nas mesmas condições, se não conseguisse outro emprego nos próximos meses.
"Eu não queria serviço de destruir a natureza. Mas tô longe da minha terra, precisando trabalhar. Eu não vou roubar, nem virar mendigo. Se é isso que tem, eu vou encarar."
(O nome dos trabalhadores foi alterado. Ainda assim, todos correm risco de vida. A Repórter Brasil permanece acompanhando o caso de perto.)