Venezuela em questão

Com eleição que pode reeleger Maduro, venezuelanos no Brasil dizem se consideram votação legítima ou não

Talita Marchao e Camila Rodrigues Do UOL, em São Paulo
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A Venezuela vai às urnas neste domingo (20) em uma eleição amplamente contestada. Um novo mandato para o presidente Nicolás Maduro é dado como certo por parte dos analistas, o que manteria o governo chavista, que está desde 1998 no poder. No entanto, o dissidente e ex-governador Henri Falcón lidera algumas das pesquisas de opinião a dias da eleição.

Em meio à crise socioeconômica que atinge o país e provoca uma grande onda de migração, pesquisas de opinião recentes apontam que 69,3% da população não pretende votar. O voto não é obrigatório, e parte da oposição, que teve candidatos cassados ou presos, faz campanha pelo boicote eleitoral.

O UOL conversou com venezuelanos no Brasil sobre o que esperam dessa eleição e para o futuro do país. Há quem vote Maduro, há quem apoie Falcón e muitos que se mostram descrentes no pleito. Entre refugiados, estudantes, profissionais liberais e pessoas ligadas ao governo, os relatos criam um mosaico de opiniões sobre um país em xeque.

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"Votar ou não votar dá na mesma"

Jose Manuel Farias Alcala, 27, chegou a São Paulo com a segunda leva de venezuelanos trazidos de Roraima pelo programa de interiorização do governo federal. Ele e a esposa deixaram a vida em Barcelona, no Estado de Anzoátegui, em 2017. Há cerca de um mês na capital paulista, ele e a esposa estão desempregados e vivem atualmente em dois centros de acolhimento da prefeitura.

"É uma votação nula, não importa para o presidente. Acredito que a maioria das pessoas não vai votar e, mesmo que estivesse na Venezuela, não votaria. Porque não mudaria absolutamente nada."

Jose Manuel diz que nunca votou em Chávez ou em Maduro. "A Venezuela idolatra o Chávez até hoje, e não deveria, já que isso transforma uma pessoa normal em um Deus. Estamos pagando por amar uma pessoa que nos deixou Maduro", diz.

Ele diz que só volta ao país de origem se a economia melhorar. "Hoje não temos segurança lá, não temos comida, não temos nada. Meu país é rico, minha cultura é rica. Hoje, não dá para voltar para a Venezuela nem para ver os familiares", diz.

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"Chavista sim, mas não com Maduro"

Ileana Osorio, 27, está no Brasil desde fevereiro para seu mestrado na Universidade Federal de São Carlos. Funcionária de uma fundação de pesquisa estatal na Venezuela, veio com uma licença não remunerada para estudar –e, por isso, planeja voltar assim que terminar o curso.

A engenheira não votará porque não teve tempo suficiente para registrar sua inscrição eleitoral no consulado.

Eleitora de Maduro em 2013, após a morte de Hugo Chávez, a chavista afirma que não votaria mais nele. "Sou chavista. Votei em Maduro acreditando que ele seguiria com o programa de governo, com o projeto de Chávez, e isso não aconteceu", afirma. Se pudesse, ela votaria no dissidente chavista Falcón.

Para ela, a campanha da oposição pelo boicote é um erro.

Acredito que muita gente não vai votar, e isso vai favorecer Maduro. Se eu tivesse a oportunidade de votar, votaria com a convicção de que Maduro sairia do governo."

Para Ileana, o governo de Maduro é "antissocialista". "Ele não defende os interesses do povo, é o contrário. O país está passando por uma situação econômica muito ruim, as pessoas passam fome."

Daisy Amario, 44, é outra chavista que não votaria em Maduro. Ela veio para o Brasil há pouco mais de 2 anos com a bolsa da OEA para estudar no Rio Grande do Sul. Nesta eleição, ela não irá votar por estar muito longe do consulado venezuelano –o mais próximo fica em São Paulo.

"Chávez me parecia uma possibilidade de inclusão social na Venezuela", afirma a mestranda em comunicação –em Caracas, ela era professora universitária.

Daisy acredita ainda que o atual processo eleitoral tem pouca legitimidade. "A própria convocação da eleição foi decidida por um órgão que é ilegítimo, que é a Assembleia Constituinte instituída por Maduro, excluindo o povo venezuelano da decisão da própria existência da Assembleia."

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"Não estou votando na pessoa, mas no projeto. Fiz o mesmo em 2013"

Isamar Escalante, 50, e o marido, Ivan Gonzáles, 55, vieram para o Brasil em 2006 quando ele recebeu uma proposta de emprego. Ambos vivem em São Paulo e votarão em Maduro neste domingo.

"Tem muita coisa que não compartilho no processo bolivariano, mas quando você vota em uma eleição presidencial, ou de governadores ou prefeito, você não está votando na pessoa, mas em uma proposta política. Eu não concordo 100% com Maduro, mesmo assim, o governo dele é mais é mais parecido na lógica de governo, de país, que concordo", diz Isamar.

"O venezuelano não é obrigado a votar. Algumas pessoas vão falar: Ah, é por uma sacola de comida. Não! O povo não é bobo. O povo tem consciência. E agora vai ser uma eleição difícil, porque é um momento difícil", aposta a chavista.

Já Ivan confia na credibilidade do processo eleitoral, e acredita que a votação deste domingo é uma forma de resolver as diferenças políticas de um modo democrático.

"O sistema eleitoral da Venezuela e altamente confiável. O mesmo sistema é utilizado em outros pleitos eleitorais, com resultados favoráveis, tanto para o governo como para a oposição. O sistema tem auditorias antes e depois, todos os envolvidos participam diretamente nessas auditorias, junto com os acompanhantes internacionais."

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Para Isamar, a atual situação Venezuela tem relação com o bloqueio dos EUA contra a Venezuela. "No governo de Maduro há situações de ineficiência, de corrupção, mas a situação da Venezuela não tem só esse problema: é isso e o bloqueio, a intervenção dos EUA e de outros governos em um país soberano", diz.

"Se o povo decide que Maduro continuará sendo presidente da República, que isso seja reconhecido internacionalmente, porque ele foi eleito. Quero o respeito à decisão democrática do povo, e quero que a Venezuela volte a viver o projeto de país onde a saúde é garantida, a educação é garantida", conclui.

Ambos afirmam que pretendem voltar para a Venezuela. "Mas tenho um trabalho aqui, que eu não sei se vou ter lá, tenho minha família direta aqui, mas sim, eu gostaria de voltar", afirma Isamar.

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"Tem que votar, em condições normais, e não dessa forma"

Blanca Montilla mudou-se para o Brasil em 1996 quando se casou com um brasileiro. Trabalhou por quatro anos no Consulado da Venezuela em São Paulo, e chegou a trabalhar como intérprete de Hugo Chávez em sua primeira viagem ao país, ainda como presidente eleito em 1999.

Em eleições anteriores, a advogada foi voluntária como representante da oposição na mesa receptora de votos do consulado –mas não será neste ano. Blanca também não pretende votar, apesar de ter sua inscrição eleitoral válida.

"Não vou votar porque é um absurdo. Nas outras eleições, também tinha abuso de poder e tiravam vantagem deste poder, mas ainda existia um pouco de vergonha da parte do governo. Mas dessa vez é muito descarado!", diz Blanca.

"O argumento dos pró-voto é que as vitórias que a oposição conseguiu frente ao governo de Maduro têm sido conquistadas por meio do voto, da eleição. Mas veja a Assembleia Nacional, que era eleita com maioria opositora. Hoje ela não existe mais. Ou seja, sim, ganhamos, mas não ganhamos. A gente ganha a eleição, mas eles fazem o que querem".

O fato de você votar não quer dizer que seja uma democracia. Você pode destruir uma democracia dentro das próprias instituições."

A última vez em que Blanca esteve no país foi há dois anos, e ela já via as "filas enormes para comprar pão, sem mesmo saber se o que era vendido era pão, sem saber o que tinha disponível".

Para ela, é preciso refundar as instituições políticas e a economia.

"A situação só tem se agravado com a crise humanitária que o governo está empenhado em negar. Com isso sofre a minha família, pessoas que conheço lá, todo mundo", diz.

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"Os poderes na Venezuela são hoje corruptos"

Yilmari de Perdono, 35, e sua família vivem no Brasil há dois anos, em São Caetano do Sul (SP). Enquanto ela faz salgados e prepara refeições venezuelanas sob encomenda, o marido é motorista de Uber e dá aulas de espanhol. Vivem com os três filhos na cidade paulista. Deixaram Caracas depois de ameaças de sequestro e tentativas de extorsão de milícias.

Yilmari não votará na eleição, mas gostaria de ter a chance de exercer o seu direito. Segundo ela, não pode se inscrever no consultado por ainda ter apenas residência provisória no Brasil.

"Muitas pessoas estão fora do país porque não apoiam o governo, então me parece que eles dificultam ainda mais", afirma.

Ela diz nunca ter votado no chavismo, e votou no opositor Henrique Capriles Radonski na eleição de 2013. "A gente sabia que o Capriles tinha vencido, e falaram que o Chávez tinha ganhado. Foi nesse momento que a gente deixou de acreditar no processo eleitoral."

"A eleição não é totalmente democrática, e a gente fica desiludida porque sabe que é tudo manipulado só para eles montarem a sua ditadura, dizer que deram a opção democrática de votar. Mas, quem vive a realidade do país, sabe o que está acontecendo na Venezuela e que não é assim. A corrupção é muito grande!", diz Yilmari.

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"Votaria se as eleições fossem transparentes"

Cristhian Sanchez, 38, fugiu da crise do país e entrou no Brasil via Roraima há quase 1 ano. Em Caracas, ele trabalhava como padeiro, função que garantiu o seu emprego em Manaus, onde vive hoje com a esposa e a filha pequena. 

Cristhian afirma que mesmo que tivesse a inscrição eleitoral regular, não votaria neste domingo, já que, para ele, é uma eleição ilegítima.

"Votaria se as eleições fossem transparentes, e estas não são. Nesta eleição, os dois candidatos 'opositores' tinham relações diretas e indiretas com o atual regime e, por isso, não são confiáveis."

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"Maduro representa a possibilidade de seguir construindo poder popular"

Héctor Ilich Meleán Duran, 33, vive no Brasil desde 2015, onde dá aulas em um cursinho popular. Esteve no país pela primeira vez em 2013 como militante chavista, onde participou de um curso e conheceu sua mulher.

Voltou a viver aqui para "participar dos movimentos sociais no Brasil e contribuir na construção do socialismo."

Votou em Maduro em 2013, e votará novamente neste domingo. "Maduro representa a continuidade da proposta chavista de governo, que pretende governar com o povo e para o povo venezuelano", diz Héctor.

"Maduro representa neste momento a possibilidade de paz na Venezuela, já um governo de direita significa uma restauração conservadora que tentará tirar os avanços conquistados pelo povo venezuelano", argumenta.

Nesse governo, ainda com as contradições, a pauta socialista é o referencial, o horizonte. Espero que possamos frear a corrupção, especulação e a inflação."

"Não votaria no governo, e os candidatos de 'oposição' já colaboraram com o governo"

Domingo González Petot, 33, faz mestrado na Universidade Federal de Roraima, em Boa Vista, onde vive desde março de 2016 com bolsa da OEA. Ele é de San Antonio de Los Altos, no Estado de Miranda, e não veio ao Brasil pela crise humanitária. Mas, com o fim de seu curso, enfrenta o dilema de voltar ou não ao seu país –com a situação da Venezuela, é mais provável que ele tente permanecer no Brasil e tente reconstruir a vida aqui.

"Não vou votar. Primeiro porque há muito tempo as eleições são turvas na Venezuela, e a participação cidadã serviu para que o governo usasse os eleitores para validar uma fraude eleitoral e seu regime político que está distante de ser democrático. Em segundo lugar porque as vozes com mais credibilidade da oposição adotaram como estratégia e forma de luta a abstenção, como um boicote cidadão ante um regime totalitário em que os resultados da eleição são manipulados", afirma o pesquisador.

Domingo afirma que não chegou a pensar em quem votaria, mas tem a certeza de que não seria no chavismo, "que há quase 20 anos destrói o país e é merecedor de uma condenação moral e da cadeia". Ele também demonstra desconfiança contra Falcón e Bertucci, que disputam como opositores de Maduro e não aderiram ao boicote promovido por políticos opositores.

"Além disso, o governo correu para desqualificar e impedir a candidatura, sob processos muito duvidosos, para dizer o mínimo, de qualquer possível candidato da oposição que desfrutava de apoio popular, como Leopoldo López, Enrique Caprilles ou María Corina Machado."

Consulado rechaça desconfiança sobre eleições

Em entrevista ao UOL, o cônsul-geral da Venezuela no Rio de Janeiro, Edgar Alberto González Marín, rechaçou as desconfianças dos venezuelanos sobre o pleito e as suspeitas de fraude. "É um sistema eleitoral do qual a oposição participou em muitas oportunidades, que tem observadores internacionais, e que permite auditoria antes, durante e depois da votação. A Venezuela realiza a auditoria de 70% das urnas eleitorais, enquanto outros países fazem a auditoria de 2%, 3%", afirma.

O CNE (Conselho Nacional Eleitoral) da Venezuela afirma que 150 observadores internacionais convidados pelo governo de Maduro acompanharão a votação de domingo. O Grupo de Lima, formado pelo Brasil e mais 13 países americanos, pede que Maduro suspenda a votação de domingo e estuda a aplicação de sanções econômicas conjuntas. Em resposta, o diplomata venezuelano acusou o grupo e os EUA de tentar deslegitimar o processo eleitoral venezuelano.

González admite ainda que o país vive atualmente uma crise humanitária, mas afirma que ela foi provocada por atores externos, como os EUA, e não pelo governo de Maduro. "Há uma crise humanitária que foi criada, a guerra econômica e as sanções econômicas que nos foram impostas pelos EUA, que também impediu outros países de nos vender alimentos e medicamentos", afirma.

Quem são os candidatos

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