Como Brasil mudou minha vida

A DW conta a história de alemães que viveram no país

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"No Brasil aprendi que não se deve levar tudo tão a sério"

Privat Privat

Vanessa Dreier, de 29 anos, ficou encantada com o jeito brasileiro de levar a vida: da tranquilidade à musicalidade. Ao voltar à Alemanha depois de um ano no Brasil, ela aprendeu de vez o significado da palavra saudade.

"Sinto muita saudade do Brasil. É só tocar música brasileira que logo fico nostálgica. Fui para lá em 2010, para um intercâmbio em Florianópolis. A ideia era estudar relações internacionais na Universidade Federal de Santa Catarina por seis meses, mas gostei tanto que acabei ficando um ano.

Além de a universidade ser muito boa, achei a cultura local e a cordialidade impressionantes. As pessoas são muito atenciosas, prestativas e hospitaleiras. É só um estrangeiro abrir a boca que logo alguém pergunta se pode ajudar.

É muito fácil fazer amizades no Brasil. As pessoas logo te integram à vida delas. Dizem: ‘Vamos sair hoje à noite. Quer vir junto?' Acho que os brasileiros são mais confiantes do que os alemães na hora de abordar alguém. O primeiro contato é mais fácil.

Uma vez eu estava na praia, e começou a chover. Foi na minha segunda ida ao Brasil, em 2015, desta vez para o casamento de uma amiga e na companhia do meu namorado. Um homem passou e disse: ‘Venham comigo, minha casa é logo ali.' Pensamos: ‘Será que é perigoso? Podemos confiar nele?' Acabamos indo, e ele realmente só queria evitar que nos molhássemos. Ficamos conversando durante um tempão.

Também acredito que os brasileiros saibam aproveitar melhor a vida. Em Florianópolis, morei na Barra da Lagoa, onde há uma comunidade de pescadores. Eles trabalham muito, saem para pescar às 4h da manhã, mas sabem que a vida não é feita só de trabalho. Aprendi a ter mais tranquilidade, que não se deve levar tudo a sério, e que às vezes é melhor simplesmente deixar estar.

Fiquei muito impressionada com o fato de tantas culturas conviverem juntas. Há gente com raízes africanas, italianas, alemãs. E apesar de, à primeira vista, isso não ter importância, cada um tem a sua história. Acho que a experiência no Brasil e o contato com outras culturas me mostraram que pertencemos todos a um mundo só e me estimularam a trabalhar com cooperação para o desenvolvimento, que é o que faço hoje na Alemanha.

É claro que também tive alguns choques culturais no Brasil. Logo no início, fui convidada para um churrasco, a partir do meio-dia. Tomei café da manhã e, ao meio-dia, eu estava lá. Pensei que comeríamos por volta das 14h. Acontece que as pessoas começaram a chegar às 16h30, e o churrasco só começou a ser feito às 17h, quando eu estava morrendo de fome. Tive que aprender a não ser tão pontual assim.

Outro choque cultural envolveu o samba. Na universidade, tinha roda de samba todo sábado, e uns amigos brasileiros tentaram me ensinar a sambar. Mas você sabe que os alemães são conhecidos por não terem muito talento para dança. Eu tentei, mas acho que não parecia algo muito autêntico (risos).

Aliás, a música foi uma das coisas que mais me impressionou no país, não só o samba, mas também bossa nova e MPB. Antes de ir para o Brasil, eu só conhecia música brasileira das aulas de português, mas é diferente quando você anda pelas ruas e escuta a música.

Acho que a musicalidade é mais presente no Brasil, as pessoas se identificam mais com a música, e é comum ter música ao vivo em restaurantes, por exemplo. E é impressionante como tudo se encaixa quando as pessoas dançam samba juntas.

Foi muito difícil me despedir do Brasil. Das praias, do clima ameno mesmo no inverno, da feijoada com farofa, das pessoas calorosas. Já morei em muitos lugares, como Áustria, Estados Unidos, China e Benim, mas acho que o Brasil tem um significado especial para mim. Foi onde passei mais tempo e onde me senti melhor.

Tanto que a relação com o Brasil se manteve: procurei uma brasileira para fazer tandem (uma espécie de intercâmbio linguístico), fiz um estágio ligado ao país e hoje espero poder estabelecer alguma ponte com ele no meu trabalho. Se eu tivesse a oportunidade de trabalhar no Brasil, iria imediatamente."

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"Os brasileiros têm um otimismo que a gente não tem aqui"

Privat Privat

Durante o período que passou no Brasil, o enfermeiro Sven Brück, de 37 anos, diz que aprendeu a encarar as coisas de forma mais leve. "Porque o alemão tem tudo e ainda fica reclamando?"

"Morei no Rio de Janeiro de agosto de 2000 a julho de 2001. Eu já namorava a minha atual esposa, a Lara, havia seis anos – era um namoro à distância que começara em 1995, quando ela participou de um intercâmbio na Alemanha. Eu tinha terminado a escola e prestei serviço civil, que aqui na Alemanha era alternativo ao serviço militar obrigatório.

Mas, antes de fazer o curso profissionalizante de enfermeiro, quis passar um ano fora da Alemanha. É o chamado Auslandsjahr. Na minha geração isso já estava muito na moda. Nos anos 1990, as pessoas iam para os Estados Unidos, depois teve uma onda de gente indo para a América do Sul, hoje em dia acho que o pessoal vai para a Ásia. Eu fui obviamente por causa da Lara.

No Rio, fiz um curso de português durante seis meses e, de fevereiro a abril de 2001, fiz um estágio no INCA (Instituto Nacional de Câncer). Fiquei impressionado como as pessoas lidam com as adversidades do dia a dia – tinha paciente no qual o pessoal médico tinha que usar a mesma agulha o dia inteiro porque não tinha outra. Não é como aqui, onde você abre um armário e tem dezenas de agulhas à disposição e, se faltar material, é só pedir que em dez minutos você consegue mais. E as pessoas lá no Brasil ainda conseguiam manter a humanidade, mesmo com todas essas dificuldades.

Esse período no Brasil mudou a minha vida porque, primeiro, você precisa agradecer muito por tudo o que você tem aqui na Alemanha quando você vive mesmo num outro país e aprende como as coisas funcionam por lá.

Eu não vou falar que é um choque de culturas [risos], mas a primeira pergunta que fiz foi: 'Quando vem o ônibus?' Na Alemanha, ele vem às 08h53. Se você chega às 08h54, ele já saiu. No Brasil, você sai na rua e você vai ver um, em algum momento, mas não sabe a que horas.

Aprendi a encarar tudo de um jeito um pouco mais leve, sabe? O alemão é muito CDF, tudo tem que ser certinho, e quando você mora no Brasil você fica mais assim: 'Calma, vai ficar tudo bem'. Os brasileiros tem um otimismo que a gente não tem aqui. Isso foi uma coisa que aprendi lá. Você tem que curtir a vida, sabe?

Antes eu só conhecia a Alemanha. Na minha adolescência, tinha muita raiva do Estado alemão, do governo. Eu não gostava nada do sistema político, achava uma droga. Mas depois que você vive em outros países você vê que não é tudo tão ruim aqui. Não que você tenha que ficar orgulhoso por ser alemão. Mas você tem que ser feliz. Esse ano passado fora me mostrou isso muito bem – que existem outras pessoas que não tem nada. E quando digo nada, é nada mesmo, sabe?

Muitas vezes, no Brasil, você vê pessoas que vivem numa pobreza tão, tão grande... uma pobreza muito distante da pobreza aqui da Alemanha. E, lá no Brasil, as pessoas não têm nada e trabalham o dia inteiro. Um dos maiores exemplos para mim foi ter visto um 'burro sem rabo', um desses caras que carregam um carrinho de duas toneladas com papelão velho. Ele estava vestindo só um short velho e chinelos, puxando aquele carrinho de dois metros de altura, forrado de papelão, morro acima. Pô, o cara não tem nada, e o que é que ele está fazendo? Está cantando porque o dia está bonito.

Isso é uma atitude que é totalmente diferente da do alemão. Porque o alemão tem tudo e ainda fica reclamando, sabe? Que o carro do vizinho é um pouco melhor, que a mulher dele é mais bonita e que ele vai mais longe pras férias do que você. Lá não tem muito essa cultura da inveja como aqui.

Isso é algo que eu agradeço por ter vivenciado, porque dá para ver que dá para encarar a vida. Tem que curtir o momento. O brasileiro sabe fazer isso muito mais do que o alemão.

É preciso encontrar uma boa mistura entre o alemão e o brasileiro. Tenho dois filhos, e isso a gente tem que tentar ensinar para as crianças: que não é tudo mau, mas que também não é tudo bom. Que você tem que curtir o momento e curtir a vida – o que o alemão esqueceu, porque o que a gente vive aqui na Alemanha é uma maravilha, né?"

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"Levei o jeito leve de se comunicar do brasileiro"

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Matthias Frattini gosta de moqueca de peixe e lembra com carinho do barco como meio de transporte em Belém. No Brasil, diz que aprendeu a não se deixar dominar pela angústia, a permanecer simpático e de bom humor
 

"Minha experiência no Brasil começou com algo que acho que todo mundo vivencia quando vai a um país estrangeiro: eu mesmo fiquei muito mais ciente de que sou alemão, que tenho uma identidade nacional alemã.

Quando vivi no Brasil, precisei confrontar o fato de eu ser estrangeiro, e ficou um pouco mais claro para mim o que significa ser alemão.

O que mais me marcou no trato com os brasileiros, na convivência no Brasil, é que, em comparação com o tratamento e a comunicação entre as pessoas na Alemanha, os brasileiros são incrivelmente amáveis e simpáticos. No início da minha primeira viagem para o Brasil, em 1991, eu não sabia falar português, e as pessoas me tratavam de forma leve, a comunicação era fácil.

Isso me deixou muito bem impressionado, porque vi muitas pessoas no Brasil – especialmente quando você sai dos grandes centros – que eram relativamente pobres, mas mesmo assim elas não se deixam dominar pela angústia, eles permanecem simpáticos e de bom humor. Não são todos e nem sempre é o caso, mas é fato em comparação com a Alemanha.

Sempre que voltei das minhas viagens do Brasil para a Alemanha, ficava muito evidente para mim que as pessoas aqui costumam viver preocupadas ou reclamando.

Eu também acho que trouxe um pouquinho do jeitinho brasileiro para a Alemanha – por causa do meu trabalho no Centro Aeroespacial alemão e da minha experiência e conhecimento do Brasil – estudei gestão de florestas na Alemanha e fiz as pesquisas para o diploma universitário e para o doutorado em várias regiões do Brasil. Sou bastante requisitado quando se trata de falar do país sul-americano. E acredito que muitas pessoas me veem como alguém que trouxe essa forma leve de comunicação de lá.

Algumas pessoas que estiveram comigo no Brasil dizem que, quando estou lá, viro outra pessoa, me comporto de forma 'brasileira', faço certas coisas que eu não faria na Alemanha. Um exemplo: na Alemanha, quando entro numa loja, nunca questionaria o preço dos produtos, mas não me importo de negociar lá no Brasil, perguntar se tem desconto.

Eu tenho uma rede que comprei no Brasil e que gosto de pendurar no terraço. É uma rede boa, uma rede de verdade, não uma dessas redes de turista. Hoje em dia, continuo gostando de encontrar brasileiros e de me comunicar com eles, e especialmente de manter a fluência do português brasileiro falando com amigos de lá, porque a língua se tornou uma parte importante de mim mesmo – embora tenha que confessar que meu português piorou um pouco nos últimos anos, porque não vou mais ao Brasil com tanta frequência.

Não posso dizer que cozinho comida brasileira com regularidade, mas faço um prato aqui e ali. Gosto muito de arroz e feijão preto, que é algo que consigo fazer facilmente aqui na Alemanha.

Também gosto de fazer moqueca de peixe, ou pelo menos uma adaptação dela. Uso peixe, claro, leite de coco e coentro – um tempero que nem todo alemão gosta, mas para mim é tipicamente brasileiro e é o ingrediente mais importante da moqueca. Não tenho uma panela de barro. Faço numa panela normal e funciona (risos).

E gosto de farinha de mandioca – os alemães não gostam muito, mas dá para fazer rápido e simplesmente tem gosto de Brasil.

Fui ao Brasil pela primeira vez em 1991, depois de fazer uma formação profissional em gestão florestal e estudar o assunto numa escola técnica. Depois dos meus estudos, queria viajar e conhecer uma floresta tropical. Por coincidência, tinha um conhecido que estava fazendo pesquisas na Mata Atlântica e ele me convidou para visitá-lo. Passei três meses lá e aprendi a falar Português, não sem que os brasileiros achassem engraçado. Mas aprendi a pronunciar a frase 'mais uma!' perfeitamente (risos). De volta à Alemanha, visitava cursos de Português para aprimorar o idioma.

Meu primeiro contato com o Brasil e a floresta brasileira foi em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, mas não considero essas regiões o 'Brasil de verdade' (risos), são apenas uma parte da realidade brasileira. Dois anos depois da minha primeira visita, fiz um intercâmbio financiado pela fundação Carl Duisburg e fui para o Tocantins, Brasília, Belém e um pouco do norte do Brasil.

Não acho que São Paulo seja ruim, mas não morei muito tempo por lá e não sei se aguentaria. Fiz a pesquisa de campo para o meu trabalho de conclusão da faculdade sobre conflitos na Mata Atlântica, na estação ecológica de Jureia/Itatins.

Eu me sinto mais em casa no norte do país. Uma cidade que achei muito agradável para morar e viver foi Belém, porque é uma cidade relativamente grande, mas tem aquele charme, aquele ambiente tropical.

Não se vê mais muito da história da cidade hoje em dia, muitas das casas dos tempos coloniais não existem mais, mas gostei da oferta cultural da cidade. Morei em vários bairros de Belém. A proximidade com a água me fascinou, achava muito bonito e interessante pegar um barco ou balsa para chegar a algum lugar em vez do ônibus.

Eu ia muito a Gotejuba, que era uma ilhota com pequenas praias e vilarejos e onde se chega de barco – leva mais ou menos uma hora a partir de Belém. Dava para tomar banho nas ondas de lá, mas era um mar de água doce. Adorava passar os fins de semana lá."

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"Minha vida seria mais monótona se não tivesse morado no Brasil"

Privat Privat

A história de amor entre a alemã Lea Ferno, de 31 anos, e o Brasil começou há sete anos. Estágios no Rio, em São Paulo e em Brasília mudaram o rumo de sua carreira e vida amorosa, além de lhe ensinarem a ter paciência.
 

"Se eu não tivesse morado no Brasil, minha vida seria muito mais monótona. Foi lá que descobri o que eu queria fazer da vida. Eu estudava Estudos Latino-Americanos em Colônia e comecei a me interessar pelo Brasil e pelo português. Eu achava o idioma e sua melodia muito bonitos e pensei que tinha que ir para o país para aprendê-lo. Então, consegui dois estágios, um no Rio, por três meses nos estúdios da emissora alemã ZDF, e outro em São Paulo, também por três meses, na fundação alemã Friedrich Ebert.

Essa experiência em São Paulo, em 2010, me marcou para sempre. Eles trabalhavam com projetos sociais. Tinha uma ONG que fazia uma revista escrita por adolescentes e seminários com jovens do Brasil inteiro. Eles eram tão engajados, num país marcado pela pobreza e pela desigualdade. Eu me identifiquei, me deu vontade de ajudar.

Tanto que hoje, sete anos depois, trabalho com algo parecido aqui na Alemanha. Estou na organização Kindernothilfe e dou apoio a projetos sociais com crianças no Brasil. Em novembro, viajo para lá a trabalho. Fico muito feliz em fazer algo que para mim faz sentido e para um país com que me identifico.

Ao mesmo tempo em que quero ajudar, respeito muito o Brasil, não acho que sei mais que as pessoas de lá. Aliás, aprendi muito com os brasileiros. Sempre achei impressionante a paciência. Na fila ou no trânsito, por exemplo. Uma vez o ônibus errou o caminho, e ninguém ficou com raiva. Aprendi que muitas vezes a raiva só atrapalha e que é melhor deixar para lá. Em outros momentos, eu pensava: ‘Gente, agora é hora de reclamar.' É um país mais caótico, mas sempre se consegue escapar com o jeitinho brasileiro, a flexibilidade.

Eu queria aplicar mais isso. Agora que faz tempo que morei lá, já voltei a ser alemã em muitas coisas. Mas quando tenho que andar de trem e reclamo dos pequenos atrasos, penso nas pessoas que passam horas a caminho do trabalho no Brasil e, muitas vezes, fazem isso sem reclamar. E ainda tenho o jeitinho brasileiro todos os dias em casa: meu namorado, um baiano que conheci em Brasília.

Como alemã, gosto muito de planejar, e ele – e conheço mais brasileiros assim – não entende muito bem por que aqui a gente tem que marcar as coisas com antecedência. Por que não se pode simplesmente visitar um amigo espontaneamente, dizer: "Vou passar na sua casa.” Eu preciso desse planejamento, gosto dessa Vorfreude (expectativa), e talvez tenha sido justamente o que me fez organizar várias idas ao Brasil.

Desde os primeiros estágios, no Rio e em São Paulo, eu sempre quis voltar para o país. Fui algumas vezes de férias e consegui um estágio em Brasília em 2012, na Unaids. Entre os amigos que fiz lá, estava uma menina que trabalhava como empregada doméstica e estudava à noite. Fiquei impressionada com essa força de vontade dela. Acho que os brasileiros lidam muito bem com as dificuldades, enquanto aqui muitas vezes se reclama por bobagem.

Tenho contato com pessoas que conheci no Brasil até hoje. Encontrei muita gente simples e acolhedora na rua. As pessoas têm tanta energia. Aliás, tem muita energia em tudo. Também adoro a cultura, a música – MPB, samba, Seu Jorge, Vanessa da Mata – e a dança – forró, samba de gafieira. Conheci meu namorado num grupo de dança. E adoro um simples prato de arroz, feijão, salada e carne e as lanchonetes com sucos frescos.

O país tem tantas riquezas diferentes, com sua mistura cultural, sua natureza. O Brasil tem muitas cores fortes, o verde brilhante, muito sol. Eu gostava de pegar na mão a terra vermelha, que não temos aqui. E tem tantos lugares incríveis, como as praias de Ilhéus, os rios e ilhas do Pará. Uma vez escalei a Pedra da Gávea à noite para ver o nascer do sol. Foi lindo.

Pode até ser que se eu tivesse feito um estágio num projeto social na África, por exemplo, e não no Brasil, minha vida fosse diferente agora. Mas não sei, tem muitos países que acho interessantes, mas não como o Brasil. Talvez minha alma seja um pouco brasileira, sempre me senti em casa lá. Do que mais sinto falta são as pessoas, a alegria, a espontaneidade, o calor. Apesar de todos os problemas do país, acho que dá para ter uma vida muito boa no Brasil. Quem sabe ainda vou morar lá algum dia."

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"Tenho uma relação muito emocional com o Brasil"

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A bióloga Stephanie Splett estudou em Brasília por coincidência, depois que seu pai, repentinamente, decidiu aceitar um cargo na embaixada alemã. Desde então, ela nutre um carinho especial pelo país.

"Minha relação com o Brasil não começou por impulso meu – foram meus pais que decidiram mudar para Brasília em 1985. Meu pai trabalhou na embaixada alemã na capital federal como adido de agricultura e florestas. Honestamente, não me lembro porque meus pais ficaram tão interessados em mudar para um país quente como o Brasil – eles, que sempre tiraram férias com meus dois irmãos mais novos e comigo na Escandinávia.

Eu tinha 19 anos e acabado de encerrar o ensino fundamental, tinha começado meus estudos de Biologia na universidade em Bonn e não acompanhei meus pais. Mas visitava minha família em Brasília – meu irmão e minha irmã foram junto com meus pais – nas férias da faculdade. E também comecei a pensar em como poderia conciliar os estudos com o Brasil.

Assim, no início de 1990, consegui fazer o meu trabalho de conclusão de curso da universidade alemã em parceria com a Universidade de Brasília. Eu fazia parte de um instituto de sistemática e estudava, entre outras coisas, fenômenos que levam a uma maior biodiversidade. Me concentrei numa família de plantas e cartografei as ocorrências no Distrito Federal. Minhas estadias no Brasil, nessa época, não foram tão longas – por duas ou três vezes, passei um mês no país para fazer a pesquisa de campo.

Foi diferente durante o doutorado. Meus pais já tinham voltado a morar na Alemanha e eu fiz pesquisas de campo mais extensas, durante um ano e meio, entre 1994 e 1995.

Sem dúvida, essas experiências com o Brasil mudaram a minha vida. Foi uma mudança de fato emocional, tanto para mim quanto para os meus pais, que, mesmo depois de voltar para a Alemanha, mantinham muito o contato com as pessoas no país. Meu irmão acabou se casando com uma brasileira – atualmente, eles moram em Washington, nos EUA, e minha cunhada diz estar desiludida tanto com a situação da segurança quanto com a política brasileira. Eu acho que a situação atual do Brasil é bastante complexa.

Ainda domino o português e tento me manter informada sobre o Brasil. No trabalho, sou chefe do grupo América aqui do DLR (sigla em alemão para Centro Aeroespacial Alemão) há quase dez anos – mesmo tendo passado bastante tempo fora do âmbito ligado ao Brasil, já que não existiam postos que tinham relação com o país quando entrei aqui e, por isso, fui designada para trabalhar com a Europa Oriental por um longo período. Hoje em dia, quase sempre os assuntos dos quais trato tem relação com o Brasil, mas não é um contato diário.

Também quero que meus dois filhos, de 15 e 17 anos, estabeleçam uma relação com a América Latina – talvez eles se voltem mais para o Chile, porque minha irmã se mudou para lá e eles já conhecem o país.

Tenho uma ligação muito especial com o Brasil. Acho que trouxe uma postura de tranquilidade de lá: quando enfrento situações difíceis ou que não dão certo num primeiro momento, encaro com o bordão 'vai funcionar de algum jeito'. A música também é muito importante para mim. E gosto da forma mais solta, mais leve de lidar com a vida dos brasileiros. Percebi muito essa leveza quando voltei para a Alemanha.

Também acho que aprendi a valorizar o que temos aqui Europa. Eu sofri um acidente de trânsito em Brasília na época da faculdade e, por não dominar muito bem o português, fiquei bem insegura. Acabei tendo que pagar por danos no automóvel do homem que, na verdade, causou o acidente: um engavetamento no qual meu carro ficou preso no meio. Foi uma experiência negativa, já que eu não tinha certeza de que teria o apoio das autoridades quando fui à polícia.

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