A Justiça em novas mãos

Passagem de bastão no comando do Supremo: sai a ministra Cármen Lúcia e entra o ministro Dias Toffoli

Felipe Amorim e Leandro Prazeres Do UOL, em Brasília
Nelson Jr - 22.mar.2018/STF

Supremo sob nova direção

O ministro José Antonio Dias Toffoli toma posse para presidir a mais alta Corte do Judiciário brasileiro até 2020. Nesse período, ele vai ter que administrar rusgas internas dos magistrados, lidar com os questionamentos por ter trabalhado com administrações do PT, tentar conciliar os benefícios do Judiciário, com o auxílio-moradia, com o orçamento apertado e, claro, conduzir a pauta e as sessões do Supremo Tribunal Federal. Tudo isso aos 50 anos de idade, sendo o ministro mais jovem a sentar-se na cadeira da presidência. As ferramentas de Toffoli para tais desafios? Pouca polêmica e muito diálogo.

André Dusek - 23.out.2009/Estadão Conteúdo André Dusek - 23.out.2009/Estadão Conteúdo

Da "herança" de Lula à proximidade com Gilmar

Carreira de Toffoli no alto escalão do Judiciário começa com indicação de Lula à AGU, em 2007

Ao tomar posse como presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) nesta quinta-feira, 13 de setembro, Dias Toffoli encontrará um tribunal marcado por divisões internas e disputas – cada vez mais tornadas públicas – entre os 11 ministros.

Passaram-se menos de dez anos de sua posse na Corte, aonde chegou, em outubro de 2009 (foto acima), indicado ao cargo pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), de quem já fora advogado-geral da União.

Dias Toffoli já presidiu a Primeira e a Segunda Turma do STF e foi presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), de maio de 2014 a maio de 2016.

E vêm da Segunda Turma decisões que geraram polêmica na opinião pública recentemente – e foi lá também que Toffoli se aproximou do ministro Gilmar Mendes. Toffoli foi a favor de juízos que ajudaram a formar o viés “garantista” do colegiado, concedendo habeas corpus a políticos como o ex-ministro José Dirceu (PT) e outros investigados. A Segunda Turma tem tomado decisões que buscam ampliar a garantia de direitos de réus, como nos critérios para abertura de processo e no uso de delações premiadas, enquanto a Primeira Turma é apontada como sendo mais rigorosa na aplicação de penas, o que lhe dá a pecha de “punitivista”.

Na Segunda Turma, os votos de Toffoli sobre o tema geralmente se alinham às posições de Gilmar Mendes, de quem se tornou amigo nos últimos anos, e de Ricardo Lewandowski. Os ministros Edson Fachin, relator da Lava Jato no STF, e Celso de Mello, costumam ter posições mais favoráveis à continuidade de investigações.

Em busca de mais equilíbrio, Toffoli tem afirmado que procurará o "diálogo", e que na presidência poderá ir até contra suas posições pessoais.

“A presidência do STF muitas vezes leva quem a está exercendo a votar contra seu próprio convencimento em defesa da instituição”, disse, à Folha de S.Paulo, se propondo a ser o “presidente que vai dialogar e que saberá compor as divergências”.

Uma Corte dividida

Muitas vezes as pessoas não entendem por que no Supremo se debate, se discute, às vezes até tem alguns arranca-rabos, mas isso é da essência da democracia, a pluralidade, a diversidade é da essência da democracia

Dias Toffoli, em sessão no STF em agosto de 2018

Sergio Dutti - 8.out.2008/Estadão Conteúdo Sergio Dutti - 8.out.2008/Estadão Conteúdo

Desatrelado ao passado

Toffoli não nega ligação com partido, mas já votou contra petistas

Além de ter sido indicado por Lula ao Supremo, Toffoli tem um histórico de proximidade com o PT.

De 1995 a 2000, trabalhou na liderança do PT na Câmara dos Deputados. Atuou também em campanhas eleitorais do ex-presidente Lula e foi subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil no governo do petista. Em 2007, assumiu o comando da AGU (Advocacia-Geral da União, na foto acima), órgão responsável pela assessoria jurídica do governo federal.

Ao ser submetido a uma sabatina no Senado, etapa prévia à posse, Toffoli afirmou estar desvinculado da defesa de causas do partido. "Não vou agir atrelado ao meu passado", disse, em 2009.

E, de fato, no Supremo, muitas vezes foi voto contrário ao PT. No julgamento do mensalão, em 2012, Toffoli votou pela condenação do ex-presidente do partido José Genoino e do ex-tesoureiro Delúbio Soares, e foi a favor da absolvição do ex-ministro José Dirceu, por falta de provas. Dirceu acabou condenado.

"Desde o surgimento do PT, quando ainda nem tinha idade para votar, sempre acompanhei muito a trajetória do Lula. Eu não era filiado ao PT, mas era um eleitor e um militante, do ponto de vista de pensar o PT como aquele que iria, realmente, melhorar o país", disse o magistrado em depoimento ao projeto História Oral do Supremo, da FGV (Fundação Getúlio Vargas).

O ministro nasceu em Marília, interior de São Paulo, e se formou em direito pela USP (Universidade de São Paulo).

Agora, Toffoli é, aos 50 anos, o ministro mais novo a assumir a presidência do tribunal na história. Antes, a marca cabia aos ministros Celso de Mello e Moreira Alves (este, aposentado), que tinham 51 anos ao assumir a presidência do STF.

O mandato de presidente do STF tem duração de dois anos, escolhido por meio de eleição entre os ministros. Porém, é costume que na eleição os ministros apenas indiquem o colega mais antigo no tribunal que ainda não ocupou o cargo.

Luiz Fux será o vice-presidente do STF na gestão Toffoli, que agora deixa a Segunda Turma da Corte, onde será substituído pela ministra Cármen Lúcia.

O poder das delações

Os depoimentos do colaborador premiado, sem outras provas idôneas de corroboração, não se revestem de densidade suficiente para lastrear um juízo positivo de admissibilidade da acusação

Dias Toffoli, ao votar no sentido de que somente delações não autorizam abrir processo criminal contra investigados

As opiniões do novo presidente do Supremo

De prisão em segunda instância a voto impresso, veja o que pensa o ministro

Arrumando a casa

O que esperar da administração Toffoli em questões corporativas do Judiciário

Auxílio-moradia

Toffoli tem se mostrado crítico dos benefícios pagos a juízes, como o auxílio-moradia. Na sessão que definiu o aumento para os magistrados do STF, em agosto, Toffoli criticou genericamente os benefícios pagos aos juízes. Em sua crítica, ele afirmou que muitos dos benefícios seriam legalmente questionáveis. "Penso que todos nós assentimos em discutir várias questões que dizem respeito a esses benefícios, que são muitos de duvidosa constitucionalidade, tanto que estão submetidos à apreciação judical", disse.

Feriados para juízes

O ministro estuda enviar ao Congresso Nacional propostas para acabar com alguns dos feriados que só existem para o Judiciário. Por exemplo, podem entrar na mira do STF o Dia da Criação dos Cursos Jurídicos no Brasil, em 11 de agosto, o Dia de Todos os Santos, em 1º de novembro, e até a Quarta-Feira Santa, já que para juízes federais a Páscoa começa neste dia da semana e vai até o domingo. Os juízes têm direito por lei a 60 dias de férias por ano.

CNJ

O presidente do STF assume também o comando do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), órgão administrativo com atuação sobre todo o Judiciário. Lá, Toffoli indicou que pretende priorizar a proteção às vítimas de violência doméstica. Uma das ideias para sua gestão é liderar a criação de centros de acolhimento para mulheres e crianças. Segundo a Folha de S.Paulo, o ministro também pretende aprimorar os sistemas de informação sobre os presos.

Dida Sampaio/Estadão Conteúdo Dida Sampaio/Estadão Conteúdo

Elo com delator da OAS e "mesada" da mulher

"Favor" prestado por empreiteiro e dinheiro recebido da mulher levantaram suspeitas contra o ministro

O alto cargo ocupado por Toffoli na hierarquia do Judiciário o colocou nos holofotes – e também sob escrutínio da imprensa.

Em agosto de 2016, a revista Veja publicou uma reportagem afirmando que o ex-executivo da empreiteira OAS José Aldemário Pinheiro Filho, conhecido como Léo Pinheiro, teria fornecido informações sobre um favor feito a Toffoli.

Segundo a revista, as informações foram repassadas numa proposta de acordo de colaboração premiada entre Pinheiro e a PGR (Procuradoria-Geral da República). 

De acordo com o ex-executivo, o ministro havia se queixado a Pinheiro sobre infiltrações em sua casa, em um bairro nobre de Brasília. Dias depois, Léo Pinheiro teria enviado engenheiros da OAS para avaliar o problema e recomendado a contratação de uma outra empresa para fazer os reparos. Pinheiro disse que os custos das obras foram custeados inteiramente por Toffoli.

Dias depois da publicação das informações sobre a menção de Pinheiro a Toffoli, a PGR emitiu uma nota comunicando o rompimento das tratativas entre o órgão e o ex-executivo da OAS.

A divulgação das informações repercutiu junto ao STF e causou a reação de colegas de Toffoli, como o ministro Gilmar Mendes. Segundo ele, o vazamento das informações repassadas por Léo Pinheiro seria uma “vingança” de procuradores da Operação Lava Jato contra a decisão de Toffoli de mandar soltar o ex-ministro do Planejamento Paulo Bernardo no âmbito da Operação Custo Brasil.

À época, a assessoria de Toffoli emitiu uma nota reiterando que o ministro não pediu ou recebeu favores de Léo Pinheiro. “O ministro conhece o sr. José Adelmário Pinheiro Filho, mas não tem relação de intimidade com ele, não tendo pedido ou recebido nenhum tipo de ajuda da referida pessoa”, dizia o texto.

"Mesada" de R$ 100 mil da mulher

A polêmica mais recente envolvendo o futuro presidente do STF foi revelada pela revista eletrônica Crusoé, em julho deste ano.

A publicação divulgou uma reportagem afirmando que o ministro recebeu, pelo menos desde 2015, uma mesada de R$ 100 mil da sua mulher, a advogada Roberta Rangel, sócia de um escritório de advocacia.

A mesada seria quase três vezes maior que o salário de Toffoli como ministro do STF: R$ 33,7 mil, o teto do funcionalismo público. 

Segundo a revista, as transferências entre Roberta e Toffoli chamaram a atenção de técnicos do banco Mercantil, instituição onde o ministro receberia o dinheiro. Haveria indícios de lavagem de dinheiro nas transferências.

Desde a publicação da reportagem o ministro não se manifestou sobre o caso. A reportagem do UOL procurou o gabinete do ministro, mas não obteve resposta.

Arquivamento de inquéritos

Não se pode olvidar que continua a pesar sobre o investigado o ônus do inquérito, que não pode suportá-lo indefinidamente, ao alvedrio da polícia e do Ministério Público, mormente quando as investigações pouco ou nada avançam

Dias Toffoli, ao defender o poder do STF de arquivar inquéritos contra a opinião do Ministério Público em casos em que a investigação demore em encontrar provas

Rosinei Coutinho - 15.ago.2018/STF Rosinei Coutinho - 15.ago.2018/STF

Polêmica? Estou fora

Pauta do STF deve evitar temas espinhosos neste ano

Cabe ao presidente do STF indicar os processos que serão julgados pelos 11 ministros em plenário. É nesse espaço, que tem sessões nas quartas e quintas-feiras à tarde, que são definidas as questões mais relevantes e que o Supremo fixa o entendimento jurídico que servirá de norte para toda a Justiça do país.

Num primeiro momento Toffoli deverá evitar trazer a julgamento temas considerados polêmicos e que possam acirrar a divisão interna no tribunal. A pessoas próximas, o ministro tem dito que, ao menos até o fim deste ano, as questões explosivas não devem ir a plenário.

Um dos casos nessa situação é o julgamento final das ações sobre a possibilidade de prisão após condenação do suspeito por um tribunal de segunda instância. Desde maio de 2016, em ao menos quatro oportunidades, os ministros do STF decidiram por apertada maioria de votos que é possível iniciar o cumprimento da pena após esta fase do processo.

Foi este entendimento do Supremo que permitiu a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), encarcerado numa cela da Polícia Federal em Curitiba desde abril após ser condenado pelo TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) em processo da Operação Lava Jato.

O ministro tem sinalizado que deve demorar para colocar o tema novamente sob apreciação do STF. Há no tribunal três ações pendentes de julgamento que tratam da questão e a mudança de posição de alguns ministros, como a de Gilmar Mendes, sinaliza que o placar pode ser alterado num novo julgamento para que o Supremo impeça a prisão nessa fase do processo. 

Reportagem da Folha de S.Paulo apontou que o ministro também pretende levar a julgamento pelo plenário temas que contam apenas com decisão provisória dos ministros.

"Afronta de Moro" ao STF

Na espécie, constato, de plano, afronta à decisão proferida por esta Suprema Corte no julgamento da reclamação em questão

Dias Toffoli, ao julgar que o juiz Sergio Moro "afrontou" o STF no caso de tornozeleiras para José Dirceu

Quem já presidiu o STF

  • Cármen Lúcia (2016-2018)

    Foi procuradora do Estado de Minas Gerais até ser nomeada para o STF em 2006 pelo presidente (PT)

    Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress
  • Ricardo Lewandowski (2014-2016)

    Foi desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo até ser nomeado para o STF em 2006 pelo presidente (PT).

    Imagem: Alan Marques/Folhapress
  • Joaquim Barbosa (2012-2014)

    Foi procurador da República no Ministério Público Federal até ser nomeado para o STF em 2003 pelo presidente (PT).

    Imagem: Fellipe Sampaio/SCO/STF
  • Ayres Britto (2012)

    Atuava como advogado e professor da Universidade Federal de Sergipe até ser nomeado para o STF em 2003 pelo ex-presidente . Já está aposentado.

    Imagem: Roberto Jayme/UOL
  • Cezar Peluso (2010-2012)

    Foi desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo até ser nomeado para o STF em 2003 pelo presidente . Já está aposentado.

    Imagem: Roberto Jayme/UOL
  • Gilmar Mendes (2008-2010)

    Atuava como advogado-geral da União até ser nomeado para o STF em 2002 pelo presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

    Imagem: Alan Marques/ Folhapress

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