Fugindo da fome

Indígenas fogem de crise na Venezuela, são expulsos das ruas de Manaus e ficam sem previsão de futuro

Anthony Boadle Da Reuters, em Pacaraima (RR)
Nacho Doce/Reuters

Uma tribo indígena que viajou centenas de quilômetros para fugir da crise econômica da Venezuela encontra-se em um limbo perto da fronteira com o Brasil depois que foi expulsa das ruas de Manaus por não ter documentos.

Fugindo da fome e das doenças em sua terra natal no delta do rio Orinoco, no nordeste venezuelano, mais de 1.200 membros da tribo waraos migraram para o norte do Brasil para viver e mendigar nas ruas.

As autoridades brasileiras, organizações não-governamentais e igrejas ajudaram a fornecer abrigo temporário na fronteira, mas o futuro dos waraos continua incerto. 

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A tribo insiste que não voltará ao país comandado pelo governo socialista do presidente Nicolás Maduro, onde uma recessão profunda levou à escassez de produtos básicos.

As crianças estavam morrendo doentes na Venezuela. Não havia remédios, nem comida, nem ajuda." 
Rita Nieves, uma cacique da tribo matrilinear

Integrantes dos waraos ainda estão fazendo a jornada árdua. Rita usava suas melhores roupas quando cruzou de volta para a Venezuela para enterrar um bebê de 3 meses que havia acabado de morrer nos braços da mãe na viagem de ônibus de mil quilômetros rumo ao Brasil.

"Estamos ficando aqui porque as coisas não mudaram na Venezuela", disse ela, sentada em um armazém convertido em um espaço comunal para 220 waraos na pequena cidade fronteiriça de Pacaraima, em Roraima.

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Crianças brincavam entre redes penduradas em estruturas de metal erguidas pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur). Do lado de fora, mulheres cozinhavam um caldo com fogo de lenha e homens sentados ouviam seu xamã falar sobre as virtudes do buriti, palmeira usada para a confecção de cestos e redes, enquanto fumavam um cigarro de palha.

Os waraos vivem há séculos no delta do Orinoco, mas alguns começaram a partir quando o suprimento de peixes diminuiu devido ao desvio das águas para aprofundar rotas comerciais para as exportações venezuelanas de minério de ouro e bauxita.

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Jornada sem documentos

Muitos foram para cidades para vender artesanato e mendigar nas ruas. Mas quando a economia entrou em crise, começaram a se mudar para o Brasil no ano passado, muitas vezes simplesmente atravessando a divisa sem documentos.

Os indígenas são uma parte dos venezuelanos que atravessaram a fronteira. Segundo estimativas oficiais, apenas por Roraima passaram 30 mil imigrantes venezuelanos desde 2016, quando a crise enfrentada pela Venezuela piorou.

Sem papéis de identificação, muitos indígenas foram deportados pela Polícia Federal brasileira. 

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No ano passado cerca de 500 waraos chegaram às ruas de Manaus, onde pediram esmolas a motoristas e venderam artesanato nos faróis. Muitos dormiam sob uma passagem elevada de uma rodovia até as autoridades municipais tirarem eles da rua.

"Eles começaram a ficar por aqui, dormindo nas ruas, e causaram uma emergência humanitária", disse a secretária de serviços sociais de Pacaraima, Isabel Davila.

Os indígenas foram transferidos para abrigos de que não gostaram.

A cidade forneceu um armazém abandonado com sanitários, chuveiros e uma cozinha, construída com financiamento da Igreja Mórmon.

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