A história há muito enterrada da anatomia da era nazista está vindo à tona agora por causa do aumento de investigações pela terceira geração do pós-guerra. Esses acadêmicos também desejam fazê-lo em memória das vítimas. "Nunca esperei ver esse reconhecimento em meu tempo de vida", me disse Seidelman. Ainda assim, é "apenas o início", como escreveu Hildebrandt em 2012 com Christoph Redies, diretor do departamento de anatomia da Universidade de Jena, na Alemanha, e outro líder na nova história, que acompanha o primeiro simpósio público de anatomia durante o Terceiro Reich, realizado pela prestigiosa sociedade internacional de anatomia, Anatomische Gesellschaft, fundada em 1886.
Hildebrandt rastreou evidência mostrando que após a Segunda Guerra Mundial, durante a ocupação Aliada, os Aliados interrogaram anatomistas em 11 dos 31 institutos de anatomia das universidades na Alemanha, Áustria, Polônia e do restante do território ocupado pelo Terceiro Reich. Desde 1992, quando o governo alemão ordenou que as universidades investigassem suas coleções de anatomia e suas histórias da época da guerra, apenas 14 das 31 universidades realizaram exames plenos e meticulosos.
As outras 17 realizaram investigações preliminares ou nenhuma. Isso significa que elas ainda possuem um enorme problema do tipo Henrietta Lacks. Por exemplo, na Jena, que abriu sua coleção para inspeção externa em 2005, mais de uma dúzia de blocos de parafina com amostras histológicas, extraídas de quatro pessoas executadas sob Hitler, foram encontradas nos últimos três anos. É impossível dizer o que há nas coleções das escolas que não realizaram esse tipo de levantamento.
No best-seller de 2010 de Rebecca Skloot sobre Lacks, cujo câncer cervical produziu uma linhagem de células que se tornou a base para décadas de avanços científicos, a autora levanta questões éticas profundas sobre o uso das células de Lacks: afinal, ela e sua família nunca deram consentimento a qualquer pesquisa realizada com o tecido dela.
O consentimento informado é a diferença moral entre o destino dos corpos de Libertas e Harro Schulze-Boysen e o de doadores voluntários. Anatomistas e estudantes de medicina precisam de cadáveres. A ciência precisa de ossos e tecidos. O argumento utilitário para uso de corpos de executados ou pessoas que morreram em instituições públicas e cujos cadáveres não são reclamados, é de que o benefício científico é maior que o dano moral. E os mortos nunca saberão.
Quando o consentimento informado não é a regra, as pessoas cujos corpos e tecidos são destinados à medicina são em sua maioria os pobres e marginalizados. Em um artigo na "Clinical Anatomy", o bioeticista Gareth Jones e a anatomista Maja Whitaker, ambos da Nova Zelândia, pedem por um padrão internacional de consentimento informado. "Os anatomistas devem cessar de usar corpos não reclamados", eles escrevem.
Isso mudaria a prática em vigor em alguns países africanos e também em Bangladesh, Índia e Brasil, dizem Jones e Whitaker, onde doações são raras ou inexistentes. Também exigiria a mudança da lei em partes dos Estados Unidos. "Maryland, Pensilvânia, Carolina do Norte, Michigan e Texas repassam automaticamente os corpos não reclamados para os conselhos estaduais de anatomia", escrevem os autores. Também há preocupações com os corpos dos executados na China.