A Secretaria Estadual da Saúde, por meio do Cara (Centro de Atendimento ao Radioacidentado), ainda hoje monitora 1.292 pessoas, entre radioacidentados, parentes da primeira e segunda geração e funcionários que tiveram contato com os afetados durante os dias de controle da irradiação.
Elas sofreram com problemas físicos e psiquiátricos. Obrigatoriamente, devem visitar o Cara pelo menos uma vez por ano --a frequência já foi mensal e semestral. Em 2016, o centro realizou 5.741 atendimentos --destes, 1.497 no setor de enfermagem e 811 no de psicologia.
Membros foram amputados, braços e mãos receberam enxertos e, em duas vítimas, as feridas provocadas pelo contato com o césio --as radiodermites-- ainda não fecharam. Eles vivem às custas de curativos, paliativos às lesões que sofreram e nunca foram curadas. E ainda há o preconceito.
“Há um cansaço com essa situação. Um rapaz que está para amputar o pé teve a proposta para tratamento com células-tronco, com uma equipe da Suíça. E ele negou: ‘Estou cansado de ser cobaia. Já não sei quantas tentativas foram feitas, e nenhuma deu resultado. Prefiro ser amputado”, afirma a psicológica Suzana Helou, que atende aos radioacidentados desde outubro de 1987.
A cápsula que causou o acidente era parte de um aparelho radioterapêutico que estava abandonado no terreno em que funcionou o Instituto Goiano de Radioterapia (IGR). Foi utilizado de 1971 até 1985, quando o instituto foi desativado. O equipamento de teleterapia, que continha o césio, foi abandonado naquele ano em meio às ruínas do centro de radioterapia.
A peça foi encontrada no dia 13 de setembro de 1987 por Wagner Mota Pereira e Roberto Santos Alves, que depois a revenderiam para um ferro-velho. A peça, de aproximadamente 200 quilos de ferro e chumbo, tinha 19,26 gramas de césio-137, guardada em um recipiente arredondado, semelhante a uma lata de goiabada. Ela foi levada para a casa de Roberto. No terreno da rua 57, o invólucro de chumbo foi perfurado, e a placa de lítio que isolava as partículas radioativas, rompida.
De lá, a peça foi vendida para Devair Alves Ferreira, então com 37 anos e dono de um ferro-velho na rua 26-A, no mesmo bairro. Ele percebeu o brilho azul que irradiava do recipiente arredondado. Fragmentos de pó saíam da cápsula e foram distribuídos. Assim, o brilho e a contaminação se espalharam pelos bairros adjacentes ao setor Aeroporto.
Dos que tiveram contato com o pó, restaram 46 pessoas diretamente contaminadas. Todas elas passaram por um banho com escovação e vinagre para se descontaminarem, mas a radiação continuou. Suas roupas, seus pertences e suas casas demolidas foram descartados --estão enterrados no depósito de lixo radiológico de Abadia de Goiás (23 km de Goiânia).
Quatro pessoas morreram depois de um mês isoladas no hospital naval Marcílio Dias, no Rio de Janeiro: Leide da Neves Ferreira, 6, Maria Gabriela Ferreira, 37, Israel Baptista dos Santos, 22, e Admílson Alves de Souza.
Todos eles receberam uma dose muito alta de radiação, medidas pelo índice Gy (gray). Para cada sessão de radioterapia para câncer de mama, por exemplo, a dose é de, no máximo, 2 Gy. Devair, que teve contato com uma dose maior (7 Gys), sobreviveu por não ingerir o pó. Leide das Neves, que ingeriu o césio ao comer um ovo cozido com as mãos sujas da substância, absorveu diretamente 6 Gy.
Os corpos tiveram que ser colocados em caixões de chumbo, de cerca de 700 quilos, e sepultados sob uma estrutura de toneladas de concreto. Os primeiros enterros, de Leide e de Maria Gabriela, sofreram tentativas de impedimento, com blocos interrompendo o tráfego de veículos e pedras e cruzes dos túmulos atiradas contra os veículos que transportavam os caixões, que foram içados por um guindaste para os túmulos.
As estruturas de concreto, que não têm contato com o solo, mas recebem constantemente flores de quem ainda se sensibiliza com a tragédia, hoje são as mais preservadas do Cemitério Parque de Goiânia. “Uma mulher fez um voto [promessa] em nome da Leide para que pudesse engravidar, e conseguir. O nome da menina é Leide, e hoje ela é biomédica”, afirma Lourdes das Neves Ferreira, 65.