Onde o papa é clandestino

China tem 12 milhões de católicos, mas igrejas apoiadas pelo Vaticano são consideradas ilegais (até agora)

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Damir Sagolj/Reuters
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Em nome de Mao

Escolher uma igreja pode ser bem complicado na China devido às leis do Partido Comunista, que oficialmente é ateu. Especialmente no vilarejo de Youtong, onde quase 5 mil residentes são católicos.

Com raio de cerca de 1,5 km, o vilarejo no norte da província chinesa de Hebei tem uma igreja sancionada pelas autoridades do país, duas grandes igrejas “clandestinas” e várias igrejas não oficiais menores.

Youtong mostra um pouco da situação confusa e delicada dos 12 milhões de católicos da China, divididos entre as igrejas autorizadas e as clandestinas, apoiadas pelo Vaticano, em meio a expectativas de que um acordo histórico seja fechado em breve entre Roma e Pequim. Na última semana, o papa Francisco pediu aos fiéis que rezem pelos católicos na China, em mais uma menção de um possível acordo que pode estar por vir.

As grandes igrejas não-oficiais geralmente são toleradas, mas monitoradas de perto pelas autoridades. As igrejas menores, geralmente em casas, tendem a ser ignoradas enquanto o público frequentador é pequeno.

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Manifestações de fé

Quando a Reuters visitou Youtong na Sexta-Feira Santa, as manifestações de fé eram onipresentes.

Os moradores foram às ruas para participar da missa da tarde na igreja oficial, cuja torre tem uma grande cruz que brilha com o reflexo da luz do sol.

Bandeiras vermelhas com frases religiosas, incluindo a palavra chinesa para “Emmanuel”, que significa “Deus está conosco”, ou outras com os dizeres “Nós temos fé em você, Jesus”, adornam os portões de muitas casas.

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Católicos divididos

Enquanto alguns católicos de Youtong acreditam que o acordo entre a China e o Vaticano trará liberdade para praticar a religião abertamente, outros se preocupam com a possibilidade de o acordo causar ainda mais discórdia.

O tão esperado acordo permitiria que a China apontasse bispos, em consulta com o Vaticano, e restauraria os acordos diplomáticos entre os dois países pela primeira vez em sete décadas.

Em abril, o Vaticano disse que um acordo sobre apontamento de bispos não estava próximo, mas que as conversas com a China estavam acontecendo. 

Embora as relações entre as igrejas rivais sejam cordiais, alguns moradores advertiram que problemas poderiam surgir com novas tentativas de unir a Associação Patriótica Católica Chinesa sancionada pelo Estado, que reivindica a autonomia em relação ao Vaticano, e igrejas clandestinas leais ao papa Francisco.

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União?

Dong Guanhua, um padre chinês que provocou polêmica em 2016 quando afirmou em sua igreja clandestina que ele havia sido nomeado bispo em uma cerimônia secreta onze anos antes, disse que o acordo levaria mais pessoas a igrejas não oficiais como a dele.

O Vaticano disse que não autorizou a ordenação de Dong, e que se ela ocorreu de fato, foi fora das leis da Igreja Católica.

"As pessoas dizem que eu estou tentando fugir, mas na verdade eu estou aderindo à velha estrada, enquanto a política do Vaticano muda", disse o padre.

“O padre Dong não escuta ninguém. Ele deixa algumas pessoas irritadas. Mas muitas pessoas gostam de seu estilo, especialmente porque ele mostra as coisas como elas realmente são”, disse um homem de 40 anos que preferiu ser identificado somente pelo sobrenome Pei, muito comum em Youtong.

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A grande igreja clandestina é comandada por Pei Ronggui, 84, bispo reformado e reconhecido por Roma. Ela é a mais popular entre os católicos do vilarejo, cuja lealdade ao Vaticano os faz desconfiar da igreja oficial, apoiada pelo Partido Comunista.

Números exatos de fiéis não estão disponíveis, mas moradores sugeriram que a igreja oficial e a de Pei têm públicos similares, enquanto a de Dong tem um número um pouco menor de fiéis.

Em dezembro de 2016, Pei disse que Pequim teria que mudar sua atitude em relação ao Vaticano antes que algum tipo de acordo pudesse acontecer. Mas ele, que passou quatro anos em um campo de trabalho depois que o governo invadiu sua igreja em 1989, parecia estar sob pressão das autoridades quando a reportagem o visitou.

Pei, que ainda celebra missas e ouve confissões, estava acompanhado de um homem corpulento, que se recusou a se identificar, usando um cinto com fivela da polícia. O homem disse que Pei não podia ouvir bem o suficiente para dar entrevista, levando-o embora.

Esse mesmo homem acompanhou os jornalistas da Reuters nas 24 horas seguintes, seguido ocasionalmente por outras pessoas em cinco carros - o que revela como a situação é delicada no país.

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O padre Ju Ruibin, na igreja oficial, retirou um convite feito anteriormente para que a Reuters comparecesse à missa da Sexta-Feira Santa em sua igreja, após a aparente pressão do governo.

O gabinete do porta-voz do governo de Youtong não respondeu a um pedido de comentário sobre os homens não identificados que seguiam a reportagem e sobre as restrições aos católicos da região.

"A fé mora ali"

Pei Ziming, um oficial de casamentos aposentado, considera a proliferação de igrejas na aldeia uma bênção. O problema maior, segundo ele, é que o Vaticano e Pequim têm interesses contraditórios e ideologias competitivas, ponto que ele ilustrou com uma piada:

“Eles dizem que você vê o que realmente importa para um país com base em sua arquitetura. Em vários países da Europa, os maiores prédios são as igrejas. Na China, os maiores prédios são bancos e escritórios do governo, porque é ali que a verdadeira fé mora”.

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