As onças da Amazônia alagada

Felinos surpreendem pesquisadores e vivem até quatro meses por ano no alto das árvores

Por Bruno Kelly e Maria Clara Pestre Da Reuters
Bruno Kelly
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Em um local singular no meio da floresta Amazônica, onde águas inundam mais de 1 milhão de hectares de mata todos os anos, onças-pintadas podem ser vistas no topo de árvores, vivendo cerca de quatro meses a até 15 metros de distância do solo.

A 600 km de Manaus, dentro da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, pesquisadores do projeto Iauaretê presenciaram o comportamento pela primeira vez em 2013, vendo uma onça e seu filhote vivendo na copa de uma árvore. Entre 2016 e 2018, em várias visitas ao local, onças-pintadas foram fotografadas pela Reuters no alto dos galhos.

Isso é uma coisa muito interessante, porque mostra que a onça, mesmo sendo um animal grande, consegue suportar a inundação, se alimentar, reproduzir e criar os seus filhotes em cima da árvore durante três a quatro meses do ano."

Emiliano Ramalho, pesquisador responsável pelo projeto

O comportamento das onças, que podem chegar a quase 2 metros e 90 quilos, é ditado pelo período de cheia da floresta de várzea, que ocorre normalmente entre abril e julho, influenciando também o modo de vida das mais de 10 mil pessoas que vivem dentro da reserva.

Isso é uma coisa que, até a gente começar a pesquisar a onça aqui, nunca tinha sido descrita"

Emiliano Ramalho, pesquisador responsável pelo projeto

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Bruno Kelly/Reuters Bruno Kelly/Reuters

"Difícil de acreditar"

O projeto Iauaretê, cujo nome significa onça verdadeira em tupi-guarani, é comandado pelo Instituto Mamirauá, organização vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação que estuda desde 2004 os hábitos de onças-pintadas para desenvolver ações de preservação da espécie.

Com esse objetivo, pesquisadores seguem um longo processo de monitoramento da onça-pintada que começa com a instalação de armadilhas, seguida pela captura e análise física do animal. Após avaliação, as onças são devolvidas a floresta com um rádio-colar, que envia suas coordenadas ao projeto. 

Os pesquisadores passam, então, a acompanhar os sinais de localização sobrevoando a floresta, ou, em períodos de cheia, adentrando seu labirinto de árvores a bordo de pequenos barcos munidos de antenas de rádio.

Railgler dos Santos, morador da comunidade Caburini, localizada dentro da reserva Mamirauá, participou da captura de uma onça junto ao projeto Iauaretê e afirma nunca ter esquecido o que viu no meio da floresta.

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Expedição Onça-Pintada

O monitoramento levou à coleta de uma base de informações sobre as onças da região, incluindo sua presença sobre as árvores --comportamento inesperado, uma vez que o normal para a espécie seria deixar o local alagado para áreas secas da floresta.

"Ninguém duvidava que ela subia em árvore, ninguém duvidava que ela nadava, isso a gente já sabia, mas que ela conseguiria viver em cima das árvores durante três a quatro meses do ano era uma coisa difícil de acreditar", disse o pesquisador Emiliano Ramalho.

Para o pesquisador, o comportamento da onça-pintada, considerada como ameaçada pelo ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), realça a importância de preservar as florestas de várzea.

"Se a gente quer preservar a espécie, a gente precisa preservar esses ambientes onde a onça-pintada tem esse comportamento único de viver em cima das árvores... talvez seja a grande fortaleza para as onças, o lugar mais importante para a gente preservar as onças na Amazônia talvez sejam as várzeas", disse.

Até o momento de espirrar, quando eu fecho os olhos, só vem aqueles olhos pretos. Aquela escuridão, mas aqueles olhos permanecem lá"

Railgler dos Santos, morador da comunidade Caburini, dentro da reserva Mamirauá

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Desse objetivo nasceu a "Expedição Onça-Pintada", um pacote de turismo que leva até quatro pessoas a bordo de pequenos barcos para observar o predador símbolo do Brasil.

"A gente vai navegando no meio da floresta até achar a onça. Quando a gente chega lá a gente fica cerca de uma hora com a onça e depois deixa ela e volta para a pousada. Esse processo se repete durante três dias", disse Ramalho, acrescentando que o pacote é realizado apenas três vezes ao ano.

A expedição, que custa R$ 10 mil por pessoa, é realizada em conjunto com a pousada Uakari Lodge, administrada por moradores da reserva, gerando visibilidade para a preservação da onça e renda para as comunidades da região, o que, segundo Ramalho, tem alterado a forma como as pessoas veem o animal.

"As pessoas que convivem próximas da onça, em geral, têm um misto de sentimentos. Elas acham lindo o bicho, mas ao mesmo tempo têm medo. Elas admiram, mas têm raiva, porque o bicho come o gado delas, o porco, a galinha, o cachorro", explicou o pesquisador, acrescentando que esse quadro costumava levar à morte de onças.

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Não é possível, hoje, a gente alcançar as metas mundiais propostas para aquecimento global e para preservação do planeta se a gente não preservar a Amazônia"

Emiliano Ramalho, pesquisador responsável pelo projeto

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