Para Fabíola Sucasas, promotora de Justiça de São Paulo, os números têm aumentado pelas campanhas feitas nos transportes públicos. "As campanhas são importantes para que as mulheres tenham coragem de denunciar e conscientizam as pessoas para as mulheres que sofrem violência", disse.
"Acredito que (o aumento de registros) tenha relação com as campanhas, porque elas olham para a vítima e para os passageiros e testemunhas, que são pessoas que ou não querem se envolver, por terem seus compromissos, ou se revoltam e querem fazer Justiça com as próprias mãos", afirmou.
"O autor da violência é aquele que não se intimida, que acha que vai ter penas brandas caso seja pego. O assédio faz parte do desenvolvimento do homem, da masculinidade. Por isso, não adianta trabalhar só com a vítima. Também é preciso olhar para os passageiros e testemunhas", afirmou a promotora.
A juíza criminal Ivana David, que atua na 4ª Câmara do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), disse concordar com a promotora. "Eu sou juíza há 27 anos e sempre julguei crimes sexuais. Isso sempre aconteceu. Hoje, no entanto, as mulheres procuram mais as autoridades para narrar essas circunstâncias. O número aumentou não só porque aumentou o número de crimes. Mas porque as mulheres, mais independentes, que mudaram muito durante os últimos 10 anos, trazem mais essas informações à Justiça", afirmou.
"Problema de legislação"
Segundo a juíza Ivana David, em 90% dos estupros praticados contra a mulher, sejam tentados ou consumados, o criminoso recebe uma pena alta e sempre em regime fechado. No entanto, o ato de molestar uma mulher dentro do transporte nem sempre configura estupro.
Hoje em dia, a legislação diz que não é necessário que um agressor tenha conjunção carnal com a vítima para que o crime de estupro seja configurado. Se a pessoa for forçada a tomar parte em um ato libidinoso, isso já pode ser entendido como estupro.
Mas, dependendo das circunstâncias, muitos casos que acontecem no transporte público -- como toques sem consentimento ou ejaculação -- são tratados como contravenções penais, que têm punições muito menores.
E aí é um problema de legislação. Ou se amplia a lei ou aumenta a pena. A lei de Contravenções Penais é uma lei antiga e superada. A importunação ao pudor e ao sossego são antigas, de outros tempos. O que mais me incomoda é essa pena, uma tipificação fora do nosso tempo. O homem mudou, nossa sociedade mudou, os valores mudaram e a tipificação é de outros tempos
Segundo a juíza, a sensação de impunidade que a vítima sente parte daí. Além disso, segundo ela, o próprio criminoso sabe que, se for pego praticando assédio, não vai ter uma pena de muitos anos na cadeia.
Outro fator é a dificuldade de se obter provas, segundo a magistrada. "A prova para o processo é difícil. A ejaculação não é crime de estupro. O tipo penal não é estupro. Ou a gente trabalha para mudar a lei ou fica como contravenção penal".
Segundo ela, também é difícil conseguir depoimentos de testemunhas, pois elas não se sentem seguras para falar com as autoridades. "Às vezes, a própria vítima desiste. E a prova fica muito frágil. A gente tem uma legislação que é muito tacanha. Na própria Lei Maria da Penha, as penas são muito pequenas", afirmou a juíza.