Heberson cresceu no bairro da Compensa, um dos mais violentos de Manaus e berço da FDN (Família do Norte), facção que lidera o tráfico de drogas na região Norte.
Foi criado pela mãe, uma dona de casa, e pelo padrasto, um pedreiro e pintor de paredes. A família pobre não conseguiu contratar os advogados mais caros da cidade.
Mesmo assim, eles se uniram para tentar tirá-lo da cadeia o mais rápido possível. Nas ladeiras íngremes da Compensa, espremida entre o rio Negro e a cidade, até quem não é criminoso conhece o que o destino reserva para estupradores que vão para a cadeia.
"Todo mundo sabe o que acontece com os suspeitos de estupro quando eles caem no sistema carcerário. O estupro é a regra. É lei da cadeia", diz o juiz da Vara de Execuções Penais do Amazonas, Luís Carlos Valois.
Os advogados contratados pela família tentaram de tudo. Pedido de revogação da prisão temporária, habeas corpus. Nada funcionou.
Em uma dessas tentativas, um advogado indignado enfatizou a demora para que a Justiça decidisse se Heberson era culpado ou inocente.
"O paciente (Heberson) encontra-se preso até a presente data (8 de novembro de 2003), ou seja, 293 dias [...], está claramente evidenciado que o processo extrapolou o prazo legal", diz um trecho do pedido rejeitado pela Justiça do Amazonas. Esforço em vão.
Um dia, Heberson, que ainda não havia sido julgado pelo Estado, recebeu a pena da cadeia. Aproximadamente 60 homens o estupraram por horas a fio, segundo conta.
"Foi lá que eu sofri a violência", diz Heberson, com a voz embargada, entre a dor e o constrangimento.
"Na hora, a gente não tem ação, não pode ter resistência de força nenhuma. Se a gente tiver uma resistência, a violência vem em triplo. Não existe grau (limite) de perversidade dentro da cadeia", descreveu.
Apesar de falar abertamente sobre o assunto com a reportagem, Heberson diz que nunca contou aos filhos, dois meninos hoje com 16 e 14 anos de idade, sobre o estupro que sofreu.
"Eu nunca contei pra eles o que aconteceu lá dentro. Eles não têm noção de como é. Eles nunca me perguntaram e eu nunca quis falar. Eu não vou querer passar sofrimento pros meus filhos", explica. Depois, um silêncio.
A suspeita
Sete meses se passaram desde que Heberson chegou à cadeia onde ele foi estuprado. Ele já não era mais chamado de "pintinho" (apelido dado aos novatos) e pediu a um dos "xerifes" da cadeia. "Eu estava com a suspeita", diz ele. Autorização concedida.
Heberson pede à psicóloga de plantão que o ajude a ir ao Hospital Alfredo Da Matta, referência no tratamento de Aids no Amazonas. Ela tateia o paciente com palavras.
“Mas, Heberson, tu tens desconfiança?”, perguntou. “Eu tenho, doutora. Quem passou pela violência que eu sofri tem que ter, né?”, respondeu.
Heberson foi ao hospital escoltado por policiais. Um mês depois, recebeu o diagnóstico: HIV positivo.