Dados mais recentes revelam que ao menos uma mulher é assassinada no Brasil a cada duas horas.
Lúcia está viva, mas correu um sério risco de morrer. Quando a manicure pernambucana foi ameaçada pelo pai de sua filha, procurou socorro. Sabia que a Lei Maria da Penha poderia ajudá-la. Denunciou o caso à polícia e conseguiu uma determinação da Justiça para que ele não chegasse perto dela.
Não foi suficiente.
Desobedecer uma medida protetiva não é crime no país, segundo entendimento de alguns tribunais, explica Valéria Scarance, promotora de Justiça do MP-SP (Ministério Público Estadual de São Paulo) e coordenadora da Copevid (Comissão Permanente de Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher).
"Se para esses tribunais não é crime, posição com a qual não concordo, a pessoa não pode ser presa em flagrante. Quando a vítima relata que houve desobediência à medida de proteção, alguns delegados entendem que é crime e pedem a prisão preventiva do agressor", diz Scarance.
O problema, aponta ela, é que entre o pedido ser feito à Justiça e a prisão ser concedida e aplicada, a mulher fica exposta ao perigo.
A criação de um tipo penal específico de "desobediência à medida protetiva", no âmbito da Lei Maria da Penha, é uma das melhorias que ela sugere que a legislação deva ter para tornar mais rigoroso o combate à violência contra a mulher.
A promotora de Justiça afirma que ampliar e aperfeiçoar as medidas protetivas "seriam um instrumento para salvar vidas".
Outra mudança na lei sugerida por ela é incluir de forma clara que as medidas de proteção são autônomas, ou seja, "não dependem de inquérito, investigação criminal e processo" para serem concedidas.
"Muitas mulheres não suportam o peso de serem acusadoras de seus parceiros. Condicionar a proteção a uma postura da vítima de processar o agressor faz com que ela desista da proteção para não enfrentar um processo."
Segundo Scarance, há uma decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça) que considera essas medidas como autônomas, mas isso não tem poder de lei. "Há juiz que entende que elas são autônomas e há juízes que não veem assim."
"Incluir [na Lei Maria da Penha] essa possibilidade expressa de proteção mesmo que a vítima não registre boletim de ocorrência poderia salvar muitas vidas. Quando as mulheres acionam o sistema de Justiça, elas querem sobreviver; muitas vítimas desejam unicamente viver em paz."
Para a promotora, a Lei Maria da Penha é um "marco histórico na defesa das mulheres".
Há dez anos não se falava em violência contra a mulher; as mulheres não denunciavam a violência [que sofriam]. Houve uma conscientização nacional, mas ainda temos muito para evoluir. Estamos atravessando uma ponte