A agitada rotina do papa

Francisco trabalha com agenda cheia e poucos secretários

Filipe Domingues Colaboração para o UOL, em Roma
Andrew Medichini/ AP

Orações, reuniões, discursos. A ordem do dia pode variar, mas a rotina do papa Francisco é marcada por essas três palavras-chave. Aos 80 anos, quatro deles como líder de 1,2 bilhão de fiéis, o 266º papa da Igreja Católica mantém sempre uma agenda cheia, que começa às 4:30 da manhã, e tem ritmo acelerado. O UOL conversou com fontes oficiais do Vaticano sobre o que se sabe da rotina diária do papa Francisco.

Como é típico dos padres jesuítas, Jorge Mario Bergoglio é bastante autossuficiente em suas atividades rotineiras. Veste-se, responde cartas, telefona, prepara sermões e escreve os discursos mais simples sem muita ajuda. Quando necessário, recorre, principalmente, a dois secretários pessoais escolhidos a dedo.
 

Como é um dia na vida do papa

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Improvisos, invenções de Francisco e sem TV

Francisco inicia sua jornada logo cedo, entre 4:30 e 5:00 da manhã, e termina no máximo às 10:30 da noite. Entre uma refeição e outra, ele para, sozinho e em silêncio, para momentos de oração e meditação de textos bíblicos. A primeira tarefa do dia, aliás, é preparar-se para a missa diária das 7:00 da manhã, cuja pregação (ou homilia) é feita de improviso, sem um texto escrito. Esses sermões já são famosos por sua espontaneidade. A prática de celebrar uma missa pública todos os dias também foi algo inventado pelo papa Francisco.

Ao fim da missa, o papa se senta na capela por mais 10 ou 15 minutos, para rezar diante do sacrário – ou tabernáculo, urna onde ficam guardadas as hóstias consagradas, que os católicos acreditam ser o corpo de Jesus Cristo. Em seguida, cumprimenta, um a um, os participantes da missa na porta da capela, que tem capacidade para cerca de 80 pessoas.

 

L'Osservatore Romano via AP L'Osservatore Romano via AP

Após o café da manhã, às 8:00, o papa começa o dia de trabalho. Até as 9:30 permanece sozinho, em seu escritório, elaborando discursos e lendo documentos, rascunhos, atualizando-se sobre as questões urgentes. Em entrevista ao argentino La Voz del Pueblo, em maio de 2015, ele afirmou que não assiste à televisão há quase 30 anos. "É uma promessa que fiz a Nossa Senhora do Carmo, na noite de 15 de julho de 1990. Me dei conta que [a TV] não é para mim", declarou. Segundo o Vaticano, ele lê somente o jornal romano Il Messaggero, e não leva mais do que dez minutos para folheá-lo.

Cochilo à tarde e sono pesado à noite

"Preciso de uma siesta todos os dias. Devo dormir de 40 minutos a uma hora", disse o papa Francisco em entrevista ao jornal argentino. "Tiro os sapatos e me estiro na cama." Quando não consegue parar para o tradicional cochilo, se sente cansado no resto do dia. E não por acaso: à tarde, Francisco continua a sequência de encontros e a redigir documentos, mas raramente tem alguma agenda oficial. Ainda assim, o trabalho não para. Neste horário, reservado a encontros informais, recebe amigos e familiares.

Às 8:00 da noite é o jantar, após o qual o papa se recolhe, novamente em oração. Lê mais um pouco antes de dormir e, no máximo às 10:30 da noite, apaga a luz do quarto. "Durmo seis horas por noite, como uma pedra", disse em entrevista à rede italiana TV 2000. Seu sono é tão pesado que, segundo ele, nem mesmo os críticos o perturbam. "Tenho um sono tão profundo que deito na cama e já adormeço. Normalmente às 9:00 estou na cama e às 4:00 me desperto, é um relógio biológico", afirmou ao La Voz del Pueblo.

De modo geral, Francisco tem boa saúde para sua idade. Publicamente, falou apenas da dor que sente no nervo ciático, que tratou de modo especial durante o verão europeu, quando tinha menos atividades. No livro-entrevista com o jornalista francês Dominique Wolton, falando sobre o papel da mulher na sociedade, admitiu ter frequentado uma psicanalista quando tinha 42 anos. "Por seis meses fui à sua casa uma vez por semana para esclarecer algumas coisas. Era uma pessoa boa e me ajudou muito", revelou. Hoje, porém, o Vaticano trata da saúde dos papas como tema estritamente privado.

Alessandra Tarantino/ Reuters

A família do papa no Vaticano

Diferentemente de seus antecessores, Francisco renunciou à chamada "família pontifícia", um grupo de assistentes que viveriam com o papa no Palácio Apostólico. Ele escolheu ter somente dois secretários e morar na Casa Santa Marta, uma hospedaria dentro do Vaticano. Por isso, compartilha o teto com outros 50 residentes e até 40 hóspedes, geralmente cardeais e bispos visitantes ou participantes de congressos no Vaticano. O ambiente da Santa Marta é simples e clássico, de cores claras, móveis antigos de madeira maciça e, nas paredes, muitos quadros de iconografia cristã. Um deles é o de São Pedro, considerado o primeiro papa e, outro, o de "Nossa Senhora Desatadora dos Nós", à qual Bergoglio é particularmente devoto.

Gabriel Bouys/ AFP Gabriel Bouys/ AFP

Sem a família pontifícia, portanto, o papa Francisco tem a ajuda de apenas dois auxiliares mais próximos para as tarefas diárias, além dos funcionários habituais da Santa Marta. O primeiro secretário pessoal é argentino de Buenos Aires, como ele mesmo. Trata-se do padre Fabián Pedacchio Leaniz, de 53 anos. Foi o próprio Bergoglio que o enviou para trabalhar na Cúria Romana, em 2007, quando ainda era cardeal na Argentina. Tanto como bispo auxiliar de Buenos Aires quanto como cardeal, Bergoglio nunca quis um secretário particular, pois preferia o contato direto com o clero de sua diocese.

O segundo é o padre egípcio, de tradição copta, Yoannis Lahzi Gaid. Também ele já trabalhava no Vaticano antes da eleição de Francisco. Ambos têm o título de "monsenhor", uma honraria conferida a alguns sacerdotes em funções relevantes. Na época da nomeação de Gaid, em abril de 2014, o vaticanista italiano Andrea Tornielli, do jornal La Stampa, pontuou que esta foi a primeira vez que um papa colocou um padre de tradição Oriental e língua árabe no cargo. "Uma decisão que indica a atenção do papa Francisco ao Oriente Médio, para o diálogo com o mundo árabe e muçulmano, e ainda uma particular proximidade às comunidades cristãs orientais que, em muitos casos, vivem situações de dificuldade", comentou. Segundo Tornielli, também é de se destacar o fato de que Gaid tenha trabalhado no serviço diplomático da Santa Sé.

Alessandro Bianchi/ AFP

Um confessor pessoal

Outro cargo de extrema confiança do papa é o de confessor, isto é, o padre que ouve e perdoa seus pecados. Não é público o nome do confessor do papa e, por princípio, a confissão de qualquer pessoa deve ser mantida sob absoluto sigilo. O que se sabe publicamente de Bergoglio é o que ele mesmo revelou à jornalista portuguesa Aura Miguel, da Rádio Renascença.

"A cada 15 ou 20 dias me confesso, com um franciscano, o padre Blanco, que tem a bondade de vir aqui [no Vaticano]", contou o papa, e brincou: "Nunca tive de chamar uma ambulância para o levar de volta para casa, assustado com os meus pecados!" Também é sabido que, nos tempos de bispo na Argentina, se confessava com o igualmente franciscano Berislao Ostojic, um padre croata que morreu em 2015.

Outro confessor que sempre admirou foi o padre Luis Dri, de 89 anos, a quem escreveu uma carta em 2015 e que citou no livro do jornalista Andrea Tornielli, O nome de Deus é misericórdia, como exemplo de bom confessor. "Quando um sacerdote vive a misericórdia sobre si mesmo, pode doá-la aos outros", afirmou.

Em outra ocasião, falando sobre confissões aos padres da Diocese de Roma, papa Francisco confessou publicamente que, certa vez, roubou a cruz de um cadáver, quando já era bispo auxiliar. Foi do padre José Aristi, um sacerdote que, segundo Bergoglio, era famoso por sua bondade com os que o procuravam em confissão. "Arranquei com um pouco de força a cruz do seu terço e invoquei ao padre Aristi: me dê a metade da sua misericórdia."

Andrew Medichini/ AP Andrew Medichini/ AP

Quem escreve os discursos

O Vaticano atribui somente ao papa todos os textos e documentos que ele assina, mesmo que receba ajuda de outras pessoas. O próprio Francisco pensa na maioria dos discursos e tende a escrever os mais importantes, como os pronunciados em viagens, com meses de antecedência. Mas é normal que precise de mais informações sobre os grupos que o visitam ou ajustes de teor teológico -- para os quais um de seus colaboradores é o arcebispo, também jesuíta, Luis Francisco Ladaria Ferrer, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé.

Lalo de Almeida/Folhapress Lalo de Almeida/Folhapress

Porém, a Secretaria de Estado do Vaticano tem um escritório para elaboração e tradução dos documentos, além de responder as dezenas de milhares de cartas que o papa recebe todos os meses. O coordenador desse trabalho é o padre italiano Paulo Braida. Também são os oficiais da Secretaria de Estado que servem de intérpretes para o papa em suas viagens internacionais, conforme a língua do país visitado. Entre eles, os padres Mark Miles, da seção de língua inglesa, e Juan Cruz, da seção espanhola. Quando o papa Francisco esteve no Brasil, em julho de 2013, quem o acompanhava era o padre carioca Bruno Lins.

O brasileiro com acesso mais direto ao papa atualmente é o cardeal Dom João Braz de Aviz, Prefeito da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica, órgão responsável pelos religiosos e pessoas consagradas. Porém, foi outro o cardeal brasileiro chamado de "um grande amigo" por Jorge Mario Bergoglio: Dom Cláudio Hummes, arcebispo emérito de São Paulo. "Ele me abraçou e me disse: não se esqueça dos pobres. E aquela palavra entrou na cabeça. Por isso, depois, pensei em São Francisco de Assis", explicou o Papa logo após a eleição.

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Audiências privadas

As reuniões de trabalho com chefes de Estado, embaixadores, bispos, e diversas outras pessoas que precisam falar com o papa são realizadas principalmente pela manhã e começam às 9:30. Também entram nesse calendário as famosas audiências gerais das quartas-feiras, com dezenas de milhares de pessoas na Praça de São Pedro. Nestes dias, Francisco ainda pode receber alguém rapidamente, como foi o caso do presidente americano, Donald Trump, que encontrou o papa numa quarta-feira, às 8:30. Mas após a audiência geral, por causa do grande esforço para saudar as multidões, o pontífice não assume outros compromissos até a hora do almoço, à 1:00 da tarde.

A duração das audiências varia. Na maioria dos casos são reuniões de meia hora, mas se são grupos maiores ou chefes de Estado, podem ser mais longas. Alguns cardeais têm encontro fixo, marcado na agenda. Todo sábado, por exemplo, recebe o cardeal canadense Marc Ouellet, prefeito da Congregação para os Bispos, e, portanto, responsável por auxiliar o papa nas nomeações de bispos no mundo inteiro. Para grandes decisões no governo da Igreja, é necessário ouvir seus conselheiros que são os chefes e secretários dos escritórios da Cúria Romana.

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