Votar ou não votar

Para adolescentes de 16 e 17 anos, o voto não é a única arma para fazer política

Nathan Lopes, Leandro Prazeres, Noelle Marques e Adriano Delgado Do UOL, em São Paulo e em Brasília
Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr

Adiando a decisão

Mensalão, petrolão, máfia da merenda, Lava Jato, cartel do metrô, réu no comando da Câmara. Em meio a um cenário político recheado de crises e denúncias, os adolescentes estão evitando tirar o título de eleitor para votar enquanto ainda não são obrigados a exercer esse direito.

A quantidade de eleitores com idades entre 16 ou 17 anos está caindo desde os pleitos municipais de 2012, último ano eleitoral antes do começo da onda de protestos pelo país, iniciada em junho de 2013, a partir do aumento das tarifas do transporte público na Grande São Paulo.

Há quatro anos, 2,9 milhões de adolescentes possuíam título de eleitor. Esse grupo representava 2% do eleitorado brasileiro e 42% da população com 16 ou 17 anos de idade. Por questões de confidencialidade do voto, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) não informa quantos desses garotos e garotas efetivamente votaram.

Os dados mais recentes do tribunal referem-se a abril de 2016 e mostram uma queda de 17% em relação ao pleito de quatros anos atrás. Se a eleição fosse hoje, estariam aptos a votar 2,4 milhões de adolescentes, o equivalente a 1,7% da população eleitoral. Se confrontados com os números do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), esse grupo representa 22% dos brasileiros com 16 ou 17 anos de idade.

Ainda que a população esteja envelhecendo, uma queda nessas proporções mostra que há uma grande descrença na política. Os jovens brasileiros acham que nenhum político presta e que eles não fazem diferença nenhuma na vida deles 
David Fleischer, cientista político da UnB (Universidade de Brasília)

A polarização política é um dos fatores para a queda desse número. Lucca Sokabe, por exemplo, completou 17 anos e não pretende tirar o título de eleitor para votar nesta eleição. “Eu acho que esse é o problema que a gente tem hoje em dia: as pessoas não conseguem escolher uma posição e defendê-la. Então, para evitar esse constrangimento da minha parte, eu prefiro ter mais tempo para me informar, pesquisar sobre ideologias, sobre o que o candidato quer.”

Enzo Snitovsky, 16, já tirou seu título de eleitor para votar na eleição municipal de outubro. Ele, porém, separa o processo de escolha de uma candidatura da tentativa de entender o que está acontecendo no país hoje. “É bem confusa essa situação política do Brasil. Tenho até um pouco de medo de me posicionar”, comenta. “Na sociedade, cada um é um ser político e a atuação de todos leva a uma transformação da sociedade. Independentemente de pensar que meu voto sozinho vai levar a alguma coisa, a minha responsabilidade é votar, expor as minhas ideias e esperar que eu consiga auxiliar com o futuro do país.”

Francisco Braga, 17, diz que votar pela primeira vez não é o mais importante para se fazer ouvir na sociedade. “Acho que é importante ir votar por mais que eu ache que as mudanças não vão vir por aí. Acho que as mudanças vão vir das ruas, das manifestações populares. Mas já que dão a oportunidade de a gente votar, a gente aproveita e vota para escolher.”

'Quero participar'

Eu acho que o princípio da democracia é a igualdade. Os votos são iguais, pesos iguais. Meu voto vai fazer a mesma diferença que o de qualquer outra pessoa

Luisa Janikian, 17

Luisa Janikian, 17

Eu acho que, muitas vezes, além do voto, o jovem pode ser ouvido com mobilizações sociais. Não só protestos e manifestações

Luiz Eduardo Paiva, 16

Luiz Eduardo Paiva, 16

Acho que, na sociedade, cada um é um ser político e a atuação de todos leva a uma transformação da sociedade

Enzo Snitovsky, 16

Enzo Snitovsky, 16

Mais do que o voto

A primeira vez que os adolescentes puderam votar foi também a primeira vez que os brasileiros puderam escolher um presidente depois de 29 anos, intervalo que engloba a eleição de Jânio Quadros, em 1960, sua renúncia, em 1962, o golpe civil-militar que tirou João Goulart da Presidência, em 1964, os 21 anos de ditadura militar e o período de redemocratização até a eleição presidencial de 1989, já com voto direto.

Mas o voto não representa todas as possibilidades que os adolescentes têm de atuação na política. Sophia de Castro, 16, vai votar, mas ressalta que “não necessariamente o jovem politizado precisa votar ou tirar título”. “Porque política é muito maior do que eleição. Na verdade, eu acho que eleição não é nada perto do que a gente pode fazer.” Sokabe, 17, tem uma visão parecida: “Acho que a população acredita que o exercício democrático é pautado só no voto e outros fatores da democracia são deixados de lado”.

A visão de o voto não ser a única “arma política” agrada à Ubes (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas). A entidade foi uma das principais articuladoras da inclusão do direito ao voto facultativo de adolescentes de 16 ou 17 anos na Constituição de 1988.

O voto é parte de um processo importante, mas não pode só depositar o seu destino. O voto não é o fim
Camila Lanes, 19, presidente da Ubes

Em 1989, na primeira vez em que os adolescentes puderam participar pelas urnas, eram 3,1 milhões de pessoas com 16 anos ou 17 anos aptas a votar, cerca 2,9% do eleitorado. O número de jovens com título de eleitor ainda aumentou para a eleição municipal de 1990, com 3,2 milhões de adolescentes, representando 3,5% dos eleitores brasileiros na época.

A partir de então, considerando os anos eleitorais, a proporção de adolescentes no eleitorado sempre esteve próximo dos 2%, com exceção de 1996 (1,02%) e 2000 (0,82%). Em abril de 2016, estava em 1,7%, o segundo pior resultado em relação a anos com eleições municipais.

"A gente observa, agora, que existe um movimento diverso do que havia nos anos 1980 e 1990. Naquela época, havia uma grande politização dos jovens, mas com um viés de esperança e de atuação partidária”, diz Cláudio Couto, cientista político da FGV (Fundação Getúlio Vargas).

Agora, a gente até vive um momento de ebulição e muita discussão política, mas o momento é de descrença em relação aos políticos e aos partidos. Especialmente entre os mais jovens.
Cláudio Couto, cientista político da FGV

Giovana Rezende, 16, concorda. “Conheço amigos meus que escolhem não ler sobre política, não opinar. Eu acho isso muito errado porque o mundo, o mundo corporativo, seu trabalho, seus amigos vão exigir isso de você, uma opinião. Porque você é um cidadão que precisa falar o que acha.”

'Prefiro esperar'

Eu fui tentando entender como é que a gente pode fazer essa transformação. No passado, achei que fosse pela eleição, pelo voto. Hoje, eu não acho mais isso. Acho que vai vir de baixo, não lá de cima, desses eleitos. Vem da população, dos trabalhadores, dos estudantes

Francisco Braga, 17

Francisco Braga, 17

Eu sempre tive interesse por política, mas agora ela não é só um interesse, ela é uma necessidade e sempre vai ser. Eu acho que é necessidade de todo ser humano, pelo menos na minha visão, é se organizar por aquilo de que precisa

Sophia de Castro, 16

Sophia de Castro, 16

Eu acho que o jovem, hoje em dia, é muito influenciado pelos pais e pela família e acaba não vendo outras opções. Ele acaba votando só no partido que os pais votam, acaba só pensando do jeito que os pais pensam e acaba não pesquisando [sobre candidaturas]

Davi Silva, 16

Davi Silva, 16

Riscos

Para Fleischer, da UnB, há fatores que influem nessa descrença dos mais jovens em relação à política. "Eles veem isso [denúncias e crises] na TV e na internet o tempo todo. Só de Lava Jato, já são dois anos [de investigação]. É preciso investigar mais esse fenômeno, mas acho que pode haver uma relação direta entre os escândalos e essa descrença toda", diz o cientista político.

Cláudio Couto, da FGV, também acredita que a corrupção afetam o interesse do jovem na vida política. "Escândalos, em geral, têm esse efeito ao desacreditarem a política partidária", afirma o professor, que complementa dizendo que as consequências desse desinteresse para uma democracia jovem, como a brasileira, podem ser perigosas. "É sempre um risco quando você vê os jovens de um país descrentes da política. Por mais que eles se revoltem contra a classe política, ainda não existe outra forma de interferir diretamente na vida política de um país que não seja pelo voto ou pela vida partidária", explica. 

Se o cenário político é ruim, a presidente da Ubes, Camila Lanes, pede que os adolescentes lutem para mudá-la. “Há uma necessidade de colocar o jovem na política. É importante eleger alguém que nos represente, votar em jovens. Apesar da conjuntura, é importante que a juventude não desista, que participe da política.”

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