Mero: o senhor das pedras

Conheça a ciência e tecnologia utilizadas para monitorar e preservar o peixe encontrado na costa brasileira

oferecido por Selo Publieditorial
Meros do Brasil

Seu nome oficial é Epinephelus itajara, que significa "o senhor das pedras", mas pode chamar de mero. Esse peixão, que pode chegar a mais de 2 metros e 400 quilos, gosta de transitar pelas regiões costeiras do Oceano Atlântico e se esconder entre pedras e naufrágios. Dócil, não se assusta com a presença de mergulhadores e pescadores, e, por isso mesmo, historicamente, tornou-se uma presa fácil. Presente do Brasil à Flórida, nos Estados Unidos, o mero tem crescimento lento, se reproduz tarde e, como outras tantas espécies marinhas, sofre com a poluição crescente dos mares. Por tudo isso, é uma espécie que corre o risco de desaparecer.

Meros do Brasil / Athila Bertoncini Meros do Brasil / Athila Bertoncini

Em 2002, já preocupado com os alertas sobre a diminuição dos meros no litoral brasileiro, um grupo de cientistas de Santa Catarina criou o Projeto Meros do Brasil. Em parceria com a sociedade civil, teve uma vitória de saída: a proibição de captura, por meio de uma moratória, que garantiu sua proteção pelo período de cinco anos.

Em 2007, quando ela foi prorrogada por mais cinco anos, o projeto passou a receber o apoio da Petrobras. Nos anos de 2012 e 2015, a moratória foi renovada já com base nas informações fornecidas pelo projeto. Desde então, com o patrocínio no âmbito do Programa Petrobras Socioambiental, foi possível ampliar as regiões de observação, as parcerias e, especialmente, as tecnologias aplicadas para a conservação da espécie.

Para fazer esse trabalho acumular vitórias, é preciso investir em ciência e tecnologia. Cada vez mais a biologia tem ambas como aliadas na preservação de espécies.

Todas as amostragens para obtenção de dados são realizadas com métodos não letais, ou seja, não implicam na morte ou sofrimento dos animais. Também aproveitamos amostras obtidas de meros encontrados mortos ou que são capturados acidentalmente e destinados ao Projeto Meros do Brasil

Maíra Borgonha, gerente geral do Projeto Meros do Brasil

Por onde nadam?

É muito difícil fazer uma contagem precisa de quantos meros existem mar adentro, seja pela extensão marítima na qual eles vivem, seja pelo simples fato de que eles estão sempre em movimento. Para ajudar nessa árdua tarefa, o Projeto Meros do Brasil lança mão de algumas estratégias. Uma delas é o uso de microchips e tags eletrônicos. A marcação de meros jovens é feita com microchips. Quando um peixe é capturado e solto para monitoramento, é colocado um microchip com um código exclusivo, tornando possível reconhecê-lo se ele for recapturado em outro momento. "O microchip permite acompanhar o deslocamento, o uso dos estuários e manguezais pelos peixes jovens e também o crescimento de cada um", explica Maíra.

Já a tecnologia usada nos indivíduos adultos é um pouco mais sofisticada: trata-se da telemetria acústica, inspirada em uma metodologia desenvolvida na Florida State University (FSU) e depois aprimorada no Brasil pelo Projeto Meros. Esse método consiste na implantação subcutânea de tags ultrassônicos nos peixes. As tags emitem um sinal sonoro detectado por receptores instalados em pontos previamente determinados como, por exemplo, nas áreas de agregação, onde eles se reproduzem. O registro ocorre em intervalos de 60 segundos. A instalação de uma rede de receptores nos locais de estudo possibilita o registro da movimentação e migração dos meros marcados entre estes pontos.

Outras duas tecnologias importantes usadas para acompanhar o movimento de Epinephelus itajara são a foto-identificação (usada também em outros projetos com animais marinhos, como baleias e raias-manta) e o BRUV (Baited Remote Underwater Video), uma câmera subaquática que é acoplada a uma isca. O primeiro depende da ajuda humana: mergulhadores profissionais e turistas que fotografam peixes em seus mergulhos enviam fotos dos meros ao Projeto que, por sua vez, consegue compará-las por meio de um software de reconhecimento. Como no jogo dos sete erros, o software descarta as que são diferentes entre si, mediante análise de manchas, pintas e até machucados, até encontrar imagens com peixes idênticos. "Temos um resultado muito positivo em Fernando de Noronha onde, por ser longe da costa, nem imaginávamos que haveria vários meros", diz Maíra.

Já o BRUV, a câmera acoplada a uma isca, atrai a fauna aquática para dentro de seu campo de visão, tornando possível fazer um levantamento mais amplo sobre os lugares por onde eles nadam e estimativas de abundância. Quando equipado com duas câmeras sincronizadas, o stereo-BRUV, é possível ainda medir o comprimento dos peixes com elevada precisão, além de estudar padrões comportamentais dos meros. "É fundamental para áreas onde o mergulho é considerado perigoso ou inacessível", explica a gerente geral do Projeto Meros do Brasil.

Meros do Brasil Meros do Brasil

Hábitos e habitat

Para saber o que os meros comem, em qual parte da cadeia alimentar eles vivem e como vai a saúde dessa espécie ameaçada de extinção, o Projeto conta com duas linhas de pesquisa: as análises hematológicas (de sangue) e a de isótopos estáveis. Esta última, apesar do nome difícil, nada mais é do que a análise de elementos químicos (carbono e nitrogênio) do organismo do peixe. Isso é feito por meio de amostras retiradas de meros vivos ou de meros que foram encontrados mortos. "Nos peixes vivos, é retirado um pedaço da nadadeira, sem nenhum prejuízo ao animal", explica Maíra. "Dos que são encontrados mortos, sejam os capturados em pesca ou encalhados na praia, conseguimos retirar componentes de dentro do organismo". Com isso, é possível saber do que ele se alimenta.

Já as análises de sangue são realizadas com meros que vivem em cativeiros. Alguns meros entram pequenos em áreas de cultivos de camarão. Quando crescem, não conseguem mais sair. Como esses peixes nunca viveram em mar aberto, são enviados para estudo no litoral de São Paulo. É com esses animais que as análises sanguíneas são realizadas, uma vez que os pesquisadores podem repetir o exame em um mesmo indivíduo diversas vezes. "Seria muito difícil fazer essas coletas e amostras sistemáticas na natureza. O cativeiro reproduz um ambiente natural, controlado em laboratório", diz Maíra.

A ideia do estudo hematológico é, aos poucos, compilar um banco de dados que possibilitará avaliar a saúde e os níveis de estresse de indivíduos ao longo da costa brasileira por meio das amostras de sangue. O avanço nas análises hematológicas em peixes tem permitido conhecer e monitorar as condições de equilíbrio normais e patológicas dos organismos, tanto em ambientes naturais quanto em cativeiro.

Por fim, a análise de metais pesados é fundamental para saber o nível de contaminação de mercúrio nos peixes. Reconhecido como agente tóxico para organismos vivos e responsável por danos à saúde, sobretudo ao sistema nervoso humano, metais como mercúrio contaminam todo um ecossistema. Assim, os níveis de mercúrio de um mero podem indicar não somente distúrbios comportamentais, neuroquímicos, hormonais e reprodutivos do peixe como também o estado do ambiente onde vive.

Em caso de detecção de níveis elevados, impróprios para consumo humano, será importante trabalhar a questão sanitária alertando a população para o não consumo de mero (o que, no Brasil é proibido por lei, mas a venda irregular existe em diversos lugares). O mercúrio é absorvido por humanos principalmente por intermédio dos frutos do mar.

Meros do Brasil Meros do Brasil

O futuro da espécie

Garantir o futuro da espécie é a missão central do Projeto Meros do Brasil desde sua criação em 2002. Nesse sentido, a análise genética é uma das linhas de pesquisa mais importantes pois detecta o grau de diversidade genética da população. Para fazer a análise de DNA, são extraídas pequenas amostras de material biológico (pedaços de músculo, da nadadeira e da espinha) em meros que são capturados e logo liberados no mesmo local.

Nos primeiros estudos genéticos realizados, foram avaliados os aspectos da diversidade, estrutura e fluxo genético dos indivíduos utilizando a técnica de marcadores mitocondriais Cyt b e D-Loop. As amostras foram coletadas em seis localidades na costa brasileira (Pará, Pernambuco, Sergipe, Bahia, Espírito Santo e Santa Catarina).

Além disso, também foi elaborado um marcador molecular prático e de baixo custo que torna possível a identificação da espécie mesmo quando descaracterizada. Essa técnica é particularmente útil na fiscalização e controle da pesca dos meros e de outras espécies da subfamília Epinephelinae (garoupas, meros, badejos e chernes). Isso porque é comum pescadores irregulares tirarem a cabeça e a pele do mero e tentarem vender a carne como se fosse garoupa, por exemplo.

O estudo ainda está em andamento, mas, até agora, os resultados indicam que existe uma diversidade genética de moderada a alta - o que é muito positivo em termos de preservação da espécie.

Athila Bertoncini / Projeto Meros do Brasil Athila Bertoncini / Projeto Meros do Brasil

Parceria com a sociedade

Altos investimentos em ciência e tecnologia não trariam resultados tão efetivos se não houvesse a parceria com a sociedade. Os três braços do Projeto - pesquisa, comunicação e educação ambiental - só são possíveis porque existe troca de conhecimento. Além de uma parceria técnica com nove instituições que trabalham juntas por meio de uma rede, existe, ainda, a parceria com outras 56 instituições de ensino e pesquisa, públicas e privadas e da sociedade civil organizada.

"Temos um trabalho muito importante com os pescadores, que conhecem esse ambiente como poucos e nos indicam onde avistaram meros. Também temos uma forte participação da sociedade civil na denúncia de pesca ilegal", conta Maíra. "Muita gente usa as redes sociais para nos avisar se viu um mero, se suspeita de alguma ação ilícita e para troca de informações em geral".

O Projeto Meros do Brasil é feito dessa pluralidade de olhares e das aspirações compartilhadas pelos diferentes agentes sociais. E, mais que salvar meros e garantir o futuro da espécie, conserva ainda os ambientes marinho-costeiros como manguezais, recifes de corais e costões rochosos, e todos os demais vizinhos do senhor das pedras.

O conhecimento é a energia que movimenta o mundo, inspira as pessoas, transforma a vida. Vamos juntos celebrar e estimular a ciência, a tecnologia e todos aqueles que movem o mundo adiante.
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