
Quanto mais os filhos crescem, mais autonomia desenvolvem e mais opiniões eles têm sobre a própria alimentação. Muitos pais passam a enfrentar uma verdadeira guerra na hora das refeições. A criança recusa alimentos, diz que não está com fome, mas depois pede biscoito, doces.... Como superar essa situação de forma leve e sem traumas? A inapetência pode ser sinal de outro problema? Para sair dessa, vale tudo, até colocar uma pitada de fantasia nas receitas do dia a dia.
A partir dos 3 ou 4 anos, muitas crianças já querem escolher o que comer, quando comer e quanto comer. Decidem, inclusive, que não vão comer nada. Elas se tornam muito observadoras e aprendem que o ato de recusar um alimento exerce grande poder sobre os pais. De posse dessa arma, não se fazem de rogados: as refeições passam a ser associadas a uma batalha. Chega-se ao ponto até de os pequenos comerem normalmente apenas quando os adultos não estão olhando. Isso tudo porque querem estar no controle e exercer sua autonomia. Embora o desenvolvimento da vontade própria seja natural e saudável, sobra para os pais muita ansiedade diante da boquinha fechada.
Sempre que possível, as refeições devem ser em família. O exemplo dos pais é fundamental para a construção do hábito alimentar.
As crianças podem e devem estar envolvidas no processo envolvido na refeição, desde a compra do alimento, o preparo e os procedimentos para colocar a mesa.
Os alimentos devem ser oferecidos em pequenas porções. Se necessário, servir mais. A autonomia alimentar deve ser estimulada. O tamanho das porções dos alimentos nos pratos deve estar de acordo com o grau de aceitação da criança. Priorizar alimentos ricos em nutrientes como as vitaminas e minerais e ter atenção às quantidades de cálcio, ferro, zinco, vitaminas A, D e fibras.
A aparência dos alimentos também contribui na aceitação. A monotonia alimentar é um fator que pode tirar o apetite e o interesse da criança. A refeição deve conter grande variedade de cores e sabores e texturas. A disposição no prato deve ser atrativa, pode formar desenhos ou formas geométricas.
O local da refeição deve ser o mais tranquilo possível. Estímulos como a TV e outros aparelhos eletrônicos devem estar desligados. Esse ambiente favorece a confiança e o prazer da criança em se alimentar. Quando elas estão muito distraídas, não prestam atenção aos seus sinais internos de fome e saciedade.
O ideal é oferecer cinco refeições diárias, para ajudar a criança a sentir fome: café da manhã, lanche matinal, almoço, lanche vespertino e jantar, podendo ser oferecido ainda um lanche antes de dormir. A duração de cada refeição deve ser de 20 minutos, em média, para evitar stress. Os horários devem ser fixos, com intervalos regulares de duas a três horas, para que a criança sinta fome na próxima refeição.
Não faça promessas, ameace ou force a criança a comer menos ou mais. Dependendo do temperamento dela, isso pode ser o início de um intenso conflito familiar, prejudicando até a capacidade de reconhecer as sensações de fome e saciedade. A comida não deve ser recompensa ou expressão de amor. As sobremesas também devem ser oferecidas como mais uma etapa da refeição; e não um prêmio.
Não elogie ou critique as crianças por comerem mais ou de menos. Quando o ato de comer se transforma em uma prova de desempenho, os pequenos começam a perceber que têm poder sobre os pais por meio das decisões de recusar ou não a comida. A mesa não pode ser transformada em um ringue de lutas e os pais devem se esforçar para continuar neutros, independentemente da quantidade ingerida. É um processo de construção: haverá tropeços.
Evite oferecer líquidos durante as refeições. Eles atrapalham o apetite e levam à saciedade precoce, contribuindo para diminuir a porção ingerida.
A imaginação infantil pode ser sua maior aliada na hora de introduzir novos alimentos e preparações. Se o pequeno só quer comer macarrão, por exemplo, capriche no molho cheio de vitaminas. Aprenda receitas simples e que mudam toda a história de uma refeição!
Ingredientes:
60 g de brócolis picado em pedaços pequenos
¼ de chuchu picado em pedaços pequenos
1 colher de sobremesa de salsinha picada
1 colher de sobremesa de cebola picada bem fininha
2 colheres de chá de azeite
500 ml de água
Modo de preparo:
Lave bem o chuchu, o brócolis e a salsinha. Depois de picados, coloque no liquidificador junto com a cebola picadinha, acrescente a água e bata por 3 minutos. Em seguida, coloque essa mistura em uma panela de tamanho médio e deixe ferver em fogo médio durante 30 minutos. Após o cozimento, acrescente o azeite e a pitada de sal. Esse molho pode ser acompanhado por massa ou carnes cozidas. Por ser verdinho, a criança pode imaginar que ele foi feito de dinossauros.
Ingredientes:
2 tomates grandes
500 ml de água filtrada
1 cenoura média
1 beterraba pequena
1 colher de sobremesa rasa de cebola picada
150 g de carne moída (músculo)
1 colher de sobremesa rasa de azeite
Modo de preparo:
Lave os tomates, tire toda a pele e pique em pedaços pequenos. Coloque no liquidificador com água, azeite e cebola. Bata durante 5 minutos. Em uma panela grande, cozinhe, em água, a cenoura e a beterraba picadinhas e a carne moída, durante 10 minutos. Depois de cozidos, acrescente o tomate batido e mantenha no fogo por, pelo menos, mais 30 minutos. Esse molho pode ser usado para acompanhar massas e arroz. Dica: mude a historinha de acordo com a idade e as preferências do seu filho, que pode ou não gostar de vampiros. Exemplos: "essa receita secreta veio direto da Transilvânia para dar muita energia ao vampirinho" e "minha fórmula secreta chegou para dar muita força ao meu super-herói".
Ingredientes:
1 xícara de chá de arroz cru
½ xícara de chá de couve-flor picada em pedaços pequenos
2 colheres de chá de azeite
1 pitada de sal
1 colher de sobremesa de cebola picada
3 xícaras de água filtrada
Modo de preparo:
Lave bem a couve-flor em água corrente, pique em pedaços pequenos. Cozinhe durante 20 minutos em água. Em outra panela, coloque o azeite, a cebola, a pitada de sal e refogue o arroz durante 2 minutos em fogo médio. Em seguida, coloque a água e a couve-flor cozida. Deixe o arroz cozinhar em temperatura média durante 20 a 30 minutos. De croc-croc em croc-croc, o prato vai embora rapidinho.
O ato de se alimentar é afetado por fatores fisiológicos, psicológicos, sociais e culturais. Assim, é importante saber que a falta de apetite pode ter causas comportamentais - cujas bases são fixadas na infância - ou orgânicas, como sensibilidade gastrointestinal, alergias, problemas neurológicos e nutricionais, além de deficiências nutricionais - especialmente de zinco e ferro.
Para ter certeza da causa e superar essa fase, conte com a ajuda do pediatra. Ele vai trazer a orientação nutricional adequada e dicas para impor limites, manter a firmeza das decisões diante da criança e modificar padrões inadequados de comportamento alimentar da criança e da própria família.
Dependendo do caso, o pediatra vai precisar da ajuda de outros profissionais, como os nutricionistas e os psicólogos. A abordagem multidisciplinar traz excelentes resultados: você não precisa estar nessa batalha sozinho.
Nem sempre os pais conseguem controlar todas as refeições da criança. Durante o dia, elas frequentemente estão acompanhadas de outros cuidadores, como avós, babás e equipe escolar. Inclusive, a resposta da criança pode mudar quando está sob responsabilidade de outras pessoas.
Os pais devem orientar esses cuidadores substitutos em relação à alimentação da criança, suas preferências, o que e como devem ser oferecidas as refeições. É importante ainda se informar sobre as regras da escola, para encontrar, junto com os educadores, maneiras de ajudar na adaptação do filho. Conhecendo o problema, o professor pode lidar com as preferências alimentares da criança de forma neutra, sem entrar em uma luta de poder.
A escola tem um papel muito importante na formação dos hábitos. Ao verem outras crianças comerem com prazer, os pequenos podem se sentir estimulados a provar também. Por outro lado, os avós, que muitas vezes são uma referência para os netos em relação ao cuidado, exigem atenção especial. Embora as referências sobre a alimentação saudável tenham mudado ao longo do tempo, os avós têm suas convicções e nem sempre são flexíveis, podendo até resultar em conflitos familiares.
Nesse momento, cabe aos pais um diálogo franco a respeito de como querem que seus filhos sejam alimentados, sempre explicando o motivo de pedirem ajuda nessa caminhada. Quem cuidou tão bem dos filhos - que agora são pais - vai entender e buscar o melhor para os netinhos.
Fontes:
Dra. Denise Brasileiro, pediatra, especialista em Terapia Intensiva Pediátrica e Neonatal, professora de cursos de Nutrição Infantil voltados para pais e cuidadores
Sociedade Brasileira de Pediatria. Manual de orientação para a alimentação do lactente, do pré-escolar, do escolar, do adolescente e na escola. Departamento de Nutrologia. – 2. ed. - São Paulo, 2008. 120 p.