Qual é o limite do show?

UFC completa 25 anos buscando o meio-termo entre os que falam muito e os que lutam muito

Ana Carolina Silva e Brunno Carvalho Do UOL, em São Paulo
Arte/UOL

O UFC completa 25 anos na próxima segunda-feira (12) vivendo um momento novo em sua história. Vendida por mais de R$ 13 bilhões ao grupo WME-IMG, a franquia, pela primeira vez, tenta entender os limites do show que apresenta ao seu público.

Se antigamente uma ou outra fala mais áspera era vista como ponto fora da curva, o estilo falastrão virou quase pré-requisito para se alcançar o topo da principal organização de MMA do mundo. Desde a chegada dos novos donos, porém, o estilo showbusiness virou regra.

Em julho, Brock Lesnar, não por acaso um astro do WWE e do MMA, subiu ao octógono e empurrou Daniel Cormier, hoje campeão de duas categorias. Era um desafio típico da luta encenada norte-americana.

Meses depois, desafios como esse acabaram em briga generalizada. Foi na vitória de Khabib Nurmagomedov sobre Conor McGregor. Uma das maiores rivalidades do MMA atual, já tinha gerado briga nos bastidores e virou batalha campal no octógono durante a comemoração dos russos.

A gestão da carreira de McGregor talvez seja o melhor exemplo do "show". Com habilidade indiscutível, mas com uma boca ainda mais poderosa, o irlandês se fez "dono" do Ultimate. Falando muito, disparou em vendas de pay-per-view. Uma de suas vítimas foi José Aldo, estrela brasileira do time dos calados - ou, se você preferir, dos que falam pouco, mas lutam muito.

A atual postura do UFC faz com que até lutadores mais calmos passem a provocar seus rivais. É o que Amanda Nunes tem feito com Cris Cyborg. As duas se enfrentarão em dezembro pelo cinturão dos penas. Fica, aqui, apenas a pergunta: qual é o limite do show?

Isaac Brekken/Getty Images Isaac Brekken/Getty Images

McGregor e o "novo UFC"

Conor McGregor soube aproveitar como poucos esse novo estilo do UFC. O irlandês até tinha talento suficiente para ser campeão, mas foi o seu jeito midiático e falastrão que fez com que as coisas acontecessem mais rápido. Com fãs e imprensa acompanhando cada palavra de McGregor, ele começou a controlar seu caminho na organização. O primeiro passo? Nocautear José Aldo em 13 segundos e se tornar campeão dos penas.

Ele não foi o primeiro a entender as vantagens de conduzir a própria narrativa, mas foi o melhor que fez isso até hoje. Ao invés de defender seu cinturão, decidiu fazer duas lutas com Nate Diaz nos meio-médios, duas categorias acima da qual era campeão. Apesar de perder uma e ganhar a outra, continuou dando as cartas, sempre com a bênção de Dana White. Era uma estratégia diferente daquela que os falastrões anteriores adotavam. Quinton Rampage Jackson e Chael Sonnen, por exemplo, eram bons com as palavras. Quando o assunto era lutar, porém... 

Com McGregor era diferente. Talentoso e atento às oportunidades, decidiu, então, que queria se tornar o primeiro lutador a ter dois cinturões do UFC ao mesmo tempo. Contra Eddie Alvarez, cumpriu a promessa, se tornou campeão dos leves e entrou em um período sabático de dois anos sem pisar em um octógono. Nesse tempo, decidiu que era hora de fazer uma luta de boxe contra Floyd Mayweather. Foi derrotado pelo boxeador, mas faturou mais de US$ 30 milhões com o combate.

De volta ao UFC no último mês de outubro, McGregor viu sua coroa trincar. Foi finalizado pelo russo Khabib Nurmagomedov. Sem título e sem muito o que inventar na organização, resta saber qual será o próximo passo do irlandês falastrão.

Provocação estilo Jacaré

As pessoas querem luta. Se deixar outra coisa acontecer, dá confusão

Ronaldo Jacaré

Ronaldo Jacaré, lutador brasileiro

Khabib não fala nada e todo mundo sabe quem é Khabib

Ronaldo Jacaré

Ronaldo Jacaré

Buda Mendes/Getty Images Buda Mendes/Getty Images

Anderson Silva, pay-per-view e a popularização do UFC no Brasil

Anderson Silva é um dos maiores lutadores que já pisou no octógono do UFC. Ainda assim, passa longe de ser um sucesso de vendas de pacotes de pay-per-view. Com um estilo menos provocador durante toda a carreira, o ex-campeão dos médios passava despercebido pelos fãs até 2011.

Dos 11 eventos que Anderson encabeçou no UFC, cinco não chegaram aos 400 mil pacotes de pay-per-view vendidos, número considerado baixo para os padrões da organização. Para efeito de comparação, o pior resultado de Conor McGregor foi a venda de 825 mil pay-per-views - quando disputou o título interino dos penas contra Chad Mendes em 2015.

Tudo mudou em 2011 com o mais famoso chute na cara do MMA. Quando ele acertou o queixo de Vitor Belfort com seu pé no UFC 126, sua popularidade deu um salto. O golpe não só popularizou o MMA no Brasil como alavancou a fama de Anderson. Desde então, seus números de pay-per-view melhoraram. É verdade, também, que parte disso se deve aos adversários enfrentados.

Um deles foi Chael Sonnen, que vende pay-per-view como água graças às besteiras que fala nos meses antecedentes à luta. Ele foi o primeiro a entender que os fãs americanos tendem a gostar de ícones polêmicos, enquanto os brasileiros costumam dar preferência às figuras que impõem respeito e idolatria nacional.

A maior venda de um evento encabeçado por Anderson aconteceu em 2013, quanto Spider voltava ao octógono contra Chris Weidman. O norte-americano tinha sido o responsável, meses antes, por acabar com a invencibilidade de 16 lutas e sete anos do brasileiro. O evento, que ficou marcado pela perna quebrada do brasileiro, comercializou 1.025 milhão de pacotes de pay-per-view, o 14º maior da história do UFC.

Menos midiático que muitos atletas de outros países, Anderson Silva foi credenciado pelas marcas históricas de sua carreira. Antes de ser ultrapassado por Demetrious Johnson em outubro de 2017, o brasileiro era o recordista internacional de defesas do cinturão do UFC, com 10. Ao contrário de Sonnen, que muito provocou, Spider falava pouco, mas lutava muito.

De Gracie ao futuro: o Brasil no UFC

Arte UOL

Trash-talk: relembre provocações do UFC

John Locker/AP John Locker/AP

Perfil "Hollywood" de Ronda abre portas para mulheres

O dia 23 de fevereiro de 2013 foi muito importante para o MMA feminino. Nesta data aconteceu a primeira luta entre mulheres da história do UFC. No octógono, Ronda Rousey derrotou Liz Carmouche com uma chave de braço. Com um golpe básico de judô, ela abriu caminho para as lutadoras que um dia a tirariam do trono. Mas demorou para alguém conseguir o feito.

Publicamente, Dana White dizia ser contra a realização de combates femininos, mas era de se imaginar que a personagem certa abriria sua mente. Atriz de Hollywood nas horas vagas, Ronda personifica muito do estilo midiático no qual o Ultimate costuma investir. Dispara frases diretas, doa a quem doer. Ela venceu seis lutas consecutivas no UFC.

O caminho aberto por ela fez o UFC feminino evoluir. Após aquelas seis lutas, ter apenas uma luta de chão afiada, como Ronda, já não bastava para triunfar. Mesmo se pudesse voltar ao seu auge técnico, Rousey não seria tão imbatível hoje em dia. Em novembro de 2015, o perigosíssimo judô da americana sucumbiu ao chute de Holly Holm no pescoço e seu reinado terminou. O legado é imenso, mas, ironicamente, as portas que Ronda ajudou a abrir se tornaram maiores que ela. Boa notícia para as mulheres.

A derrota para Holm na Austrália deve ter sido dolorosa, mas foi menos cruel do que a que veio depois. Quando foi nocauteada por Amanda Nunes, primeira brasileira campeã do UFC, Ronda disse ter deixado o octógono pensando: "Deus me odeia".

Não é para tanto. Ronda hoje é estrela de cinema, campeã do WWE e está no Hall da Fama do UFC, em que é a primeira (e, por enquanto, única) mulher. Então, ódio não é exatamente a palavra.

Provocação estilo Ronda

Essa garota [Cris Cyborg] tem usado esteroides e tem tomado injeções há tanto tempo que ela não é mais uma mulher. É uma "coisa", e isso não é bom para a divisão feminina

Ronda Rousey

Ronda Rousey

Jared Wickerham/Getty Images e Jamie Squire/Getty Images Jared Wickerham/Getty Images e Jamie Squire/Getty Images

Fala muito x Luta muito

Enquanto o mediano Sonnen virou astro como falastrão, o recordista Demetrious teve pouca mídia

Demetrious Johnson é o lutador que mais vezes defendeu o cinturão do UFC na história - é dele o recorde que, um dia, foi de Anderson Silva. Esta frase deve ser suficiente para impressionar quem não acompanha a franquia, mas fato é que o atleta não teve a atenção que seu currículo merecia. E a explicação para isso está no sucesso das lutas encenadas de telecatch nos Estados Unidos. Por lá, o público valoriza o drama.

Mas não o drama humano, que Demetrious, de apenas 1,60m de altura e sem cara de mau, tem de sobra. Ele veio de origem humilde, nunca conheceu o pai biológico, foi criado por uma mãe surda e um padrasto abusivo. Remarcava treinos quando precisava visitar a mãe no hospital. O problema é que nem todo mundo se atrai por um atleta tranquilo. É preciso ser polêmico em excesso. Só que Demetrious nunca foi desses.

"Eles não se importavam com minhas habilidades. Queriam alguém impetuoso, que desrespeitasse os outros", disse Johnson ao site MMA Fighting.

Ele era o oposto de Chael Sonnen. Um lutador mediano, com cartel no UFC de 30 vitórias, 16 derrotas e um empate, o norte-americano fez muito sucesso mesmo longe de ser excepcional. No Brasil, por exemplo, usou o Palmeiras para provocar o corintiano Anderson Silva, brigou com Wanderlei Silva no TUF e deixou o país com fãs e bordões polêmicos.

Provocação estilo Sonnen

Quando era criança, eu falava com amigos sobre medicina e inovações tecnológicas, enquanto Anderson brincava na lama no Brasil

Chael Sonnen

Chael Sonnen

Gregory Payan/AP Gregory Payan/AP

Bellator ameaça incomodar, mas vira espaço para refugos

Desde que se consolidou como a principal organização de MMA do mundo, o UFC adotou como estratégia comprar as franquias rivais que poderiam incomodá-lo. Foi assim com o Pride, com o Strikeforce, com o WEC. Sobrou apenas o Bellator, que prometia fazer frente ao Ultimate após fechar um acordo com a FOX para a América Latina.

A expectativa não passou de promessa. Mesmo tendo "roubado" Ben Henderson e Rory MacDonald quando os dois ainda tinham lenha para queimar no UFC, o Bellator não conseguiu ser o concorrente de peso que se esperava e mudou seus rumos de atuação.

De rival do UFC, passou a ser um espaço para antigas estrelas voltarem ao show. A organização colocou para lutar veteranos como Ken Shamrock (na época, com 50 anos), que lutou no primeiro UFC, há 25 anos, e proporcionou aos fãs lutas que o Ultimate não conseguiu promover, mas com seus protagonistas muito longe de seus auges. Foi assim com Wanderlei Silva e Chael Sonnen, que se enfrentaram na organização três anos após combate cancelado no UFC.

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