Que saudades, Chapecoense!

Os heróis deixaram saudades e histórias que não chegaram ao seu fim por causa da tragédia

Bruno Freitas, Danilo Lavieri, Felipe Vita e Luiza Oliveira Do UOL, em Chapecó (SC)
Nelson Almeida - 24.nov.2016/AFP

O anjo Bruno Rangel

Carine Moreira havia encontrado um anjo: Bruno Rangel. O atacante conheceu a história de seu filho Lucas, que tem pouco mais de um ano e foi diagnosticado com leucemia, e resolveu ajudar. O primeiro ato antes do transplante foi fazer uma visita na humilde residência da família. O objetivo era dar um kit da Chapecoense. 

O encontro foi promovido por Giovani Klein, jornalista da RBS, que também viria a falecer dias depois no trágico acidente. O repórter era outro que ajudava a família comprando remédios para o garoto. 

Antes, Rangel havia encontrado parte da família na Arena Condá, foi até a grade e avisou: “Vocês me marcaram. Jamais vou esquecer. Vocês vão ficar gravados para sempre. Tudo o que precisar eu vou ajudar, jamais queria ver uma criança deste tamanho com um problema desse”. O atacante nem sabia que Carine já havia perdido um outro filho por problemas de saúde. 

Desde então, família, jogador e jornalista mantiveram contato de forma constante. Lucas teve sua viagem marcada para Florianópolis no dia 29, mas o mau tempo impediu o voo. No mesmo dia, Carine recebeu a mensagem no celular sobre o acidente e não quis acreditar. Mandou uma mensagem que nunca chegou para Giovani: "Espero que esteja tudo bem". 

Ao chegar em casa, ainda encontrou seu outro filho no sofá, dizendo que o "tio Bruno Rangel" havia virado um anjo. A história faz ela chorar.

Mamãe, o tio Bruno virou um anjo

Uma foto incompleta

Gelson Riboli é vizinho de Carine e fanático pela Chapecoense. Contam os vizinhos que ele comparecia à Arena Condá em absolutamente todos os jogos e voltava com a mão na buzina em toda vitória.

Certa vez, conseguiu realizar o sonho do neto e colocou o garoto para tirar uma foto com Danilo. A imagem foi feita por um celular e logo ampliada para virar um pôster. Para o presente ficar completo, ele queria só um complemento: um autógrafo. 

Agora, o vô se preocupa com o futuro de seu neto e de todas as crianças que tinham nos jogadores os seus principais ídolos. 

E o meu autógrafo, vovô?

Nelson Almeida/AFP

O herói virou estrela

Uma barbearia família

Rodrigo Casanova é o dono da barbearia preferida de vários dos atletas que infelizmente faleceram no acidente. Danilo, Kempes e Matheus Biteco são exemplos disso. Jackson Follman, que sobreviveu, era outra presença frequente no salão. 

Conta Rodrigo que certa vez o goleiro apareceu por lá e levou seu filho para um corte de cabelo. O pequeno Lorenzo não parou quieto por um segundo, dificultando seu trabalho. O segredo para ele parar? Bastou virar a cadeira da criança de frente para a do pai. Dali em diante, o garoto sentiu-se seguro e virou praticamente uma estátua até o término do corte.

Outro que gostava de levar sua família ao local, que conta com videogame, uma cafeteria e até um espaço de relaxamento era Kempes. O atacante quase não deixava as tesouras passarem pelas suas madeixas, mas levava sempre o filho para um novo corte.

 

Felipe Vita/UOL Esporte Felipe Vita/UOL Esporte

Um encaixe que ficou para sempre

Em fase de teste, Luan Amaral teve como primeiro cliente na barbearia o goleiro Jackson Folmann. Ele não só aprovou o seu trabalho, como o elogiou para o chefe. Foi o suficiente para garantir o emprego.

Dali em diante, ficou amigo dos jogadores, especialmente de Matheus Biteco. Eles trocaram número de telefone, se adicionaram nas redes sociais e criaram um vínculo.

Luan conta do último contato. "Ele sempre me ligava e queria agendar de uma hora para outra. E não era tão fácil. Da última vez, me ligou e disse que precisava cortar o cabelo quando voltasse de viagem. Eu consegui marcar para segunda (5 de dezembro). E quando eu soube...."

Cabelo e barba dos campeões

Nelson Almeida/AFP Photo

A cerveja merecida

O QG da comissão técnica

Chapecó é uma cidade de 210 mil habitantes e não é tão fácil assim encontrar um bar para tomar um chope artesanal. Por isso, era comum que a comissão técnica fosse sempre para o mesmo lugar para comemorar vitórias e lamentar as derrotas: Stammtisch Bier.

Rafael Schneider, sócio-proprietário, não consegue tirar o nó da garganta ao lamentar o acidente. Preferiu nem acompanhar o velório coletivo pela televisão e faz questão de trabalhar com o uniforme da Chapecoense.

Na última sexta-feira, dois dias antes de enfrentar o Palmeiras, quatro dias antes do acidente, foi a última vez que ele teve o encontro com a comissão no seu bar. 

Felipe Vita/UOL Esporte Felipe Vita/UOL Esporte

Coração dividido em dois tons de verde

Rodrigo Wanderert também é sócio do bar. Palmeirense, ele adotou a Chapecoense como seu time há um ano, quando se mudou para a cidade.

"Jamais imaginei que iria ser fanático por dois times. Aqui, jogadores são parte da cidade, não estrelas".

Conviver com os atletas era tão comum que além de encontrar os membros da comissão no seu bar, era vizinho de prédio de Dener. 

No último contato, Rodrigo brincou: "E aí, vai ficar ou vai para outro clube?". A resposta foi exatamente a que se espera de um jogador às vésperas de uma decisão: "Minha cabeça está na Chape". 

Chope, não. Uma coca, por favor!

Um sonho premonitório

Já faz anos que o ritual de concentração da Chapecoense é o mesmo. Antes de jogar, o time dormia uma noite no Hotel Bertaso, o mais antigo da cidade. Trabalhando lá há cinco anos, Gelson Mangone pegou intimidade com os jogadores.

Gaúcho, ele já até separava um tempo nos dias em que o time estava por lá para tomar o tradicional chimarrão com alguns dos jogadores que também eram apreciadores da bebida.

Sabia também qual era o canto preferido de cada um e de seus familiares. “O carrinho de carregar as malas é o brinquedo favorito de Lorenzo, o filho do Danilo. A família do Kempes gostava sempre de sentar no sofá na entrada da recepção...”

No dia do acidente, teve um sonho quase que premonitório com Caio Júnior. Às 6h da manhã, Gelson ligou a televisão, soube do trágico acidente que vitimou 71 pessoas e se arrepiou ao fazer a ligação entre o sonho e a realidade.

A última foto

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