Moedor de carne

Brasileiros contam por que é tão difícil se firmar na NBA, a principal liga de basquete do mundo

Adriano Wilkson e Fábio Aleixo Do UOL, em São Paulo
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Há pouco mais de uma semana, Fab Melo, que atuou no Boston Celtics, da NBA, foi encontrado morto em sua casa em Juiz de Fora. A notícia da morte do pivô causou imediata repercussão no Brasil e nos Estados Unidos. Antes de jogar no Boston, Fab havia atuado no basquete universitário americano, depois de ser revelado em um projeto social em Minas.

Sua trajetória guarda pontos em comum com a de outros brasileiros que também se aventuraram na principal liga do mundo. Ao todo, 17 brasileiros já jogaram na NBA. Alguns, como Tiago Splitter e Leandrinho, se destacam e até são campeões. Isso sem falar nas carreiras longevas de Anderson Varejão e Nenê.

Mas a maioria deles, como Fab Melo, passa praticamente despercebido. Outros nem conseguem realizar o sonho de chegar no maior campeonato do mundo. O UOL Esporte entrevistou alguns atletas e ex-atletas para tentar explicar por que é tão difícil para um brasileiro se firmar na NBA.

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Para chegar lá, é preciso passar pela dureza do draft

A cada ano, através de um processo conhecido como draft (“recrutamento”) os times selecionam jogadores vindos das universidades americanas ou do exterior. O draft é a porta de entrada mais tradicional e segura para quem sonha em atuar na liga. Mas são apenas 60 vagas por temporada, disputadas por centenas de atletas.

Apenas a primeira divisão da NCAA (a liga universitária) tem 68 equipes. Mas também podem ser puxados para a NBA atletas da segunda divisão (64 equipes) e até da terceira (62 equipes). Todos que terminaram a faculdade são elegíveis automaticamente. Todos os jogadores de basquete acima de 23 anos que atuam no exterior são elegíveis. Os menores precisam se declarar elegíveis para participar do draft.

Com tanta gente tentando entrar, brasileiros e estrangeiros em geral precisam se destacar muito para ganhar uma vaga. O sucesso na universidade não é garantia de escolha para a NBA.

Todo ano há renovação na NBA, mas não tem muito espaço para entrar, seja porque há jogadores com contratos garantidos ou porque o número de atletas que se aposenta não é igual aos que querem entrar. O draft é como se fosse um grande moedor de carne. Você precisa estar no lugar certo na hora certa

Jonathan Tavernari, brasileiro que passou pelo basquete universitário

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Pioneiro, Rolando sofreu com piadinhas por ser brasileiro

Em 1988, o pivô Rolando Ferreira se tornou o primeiro brasileiro a jogar na NBA. Ele tinha tido relativo sucesso no basquete universitário defendendo a Universidade de Houston, era considerado uma promessa com muito potencial e foi draftado na segunda rodada pelo Portland Trail Blazers. Mas teve dificuldade para mostrar serviço na principal liga do mundo.

 “Tomei decisões erradas”, conta ele, “aceitei coisas que não devia ter aceitado e fiquei sete meses sem treinar e jogar. Perdi a motivação, perdi tudo.” Pouco aproveitado, Rolando acabou aceitando uma “proposta indecente” do Portland: fingir uma lesão para abrir uma vaga no time para outro jogador mais experiente, que voltava do estaleiro, Kiki Vandeweghe. “Eles me propuseram isso porque eu era novato e eles sabiam que eu aceitaria”, conta.

 “Hoje faria diferente: se eles não me quisessem, que me trocassem com outro time. Fiquei cinco meses só na musculação, o psicológico vai lá pra baixo.”

No final dos anos 1980, a NBA ainda não era a liga globalizada que é hoje, o que representava uma barreira a mais para estrangeiros. Rolando conta que alguns de seus companheiros americanos tiravam sarro de sua condição:

Uma vez estávamos viajando e tinha uma barreira policial. Os caras ficavam perguntando: ‘Cadê seu passaporte?’. Eu me sentia mal com essas coisas. Os jogadores estrelas me tratavam bem, mas o pessoal que disputava posição tentava de qualquer jeito colocar você pra baixo.”

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Bábby: "Muitos técnicos na NBA não têm paciência com calouros"

Mesmo se destacando nos torneios universitários, o calouro na NBA ainda precisa ter a sorte de cair em um time preparado para botar novatos para jogar. Não foi o caso do pivô Bábby, que sofreu em seus primeiros anos no Toronto Raptors, mesmo tendo sido escolhido em uma posição de destaque no draft, a oitava.

“Eu era titular na minha faculdade, o melhor da minha conferência, mas quando cheguei no Toronto o técnico tinha a filosofia de não jogar calouro. Pra mim foi um baque”, lembra ele. “Você se destaca, chega na NBA achando que vai dar continuidade e o cara te breca. Fiquei meio abalado.”

A realidade dos novatos que não jogam pode levar consequências até para fora das quadras. Bábby lembra de um colega angolano que, sem nunca ser escolhido, acabou desenvolvendo um quadro de depressão e precisou de psicólogos para superar.

O técnico na NBA tem muita pressão e muitas vezes não está preparado para preparar calouro. Tem também a questão da língua, a parte de adaptação... Às vezes o técnico é mais agressivo no comentário e o jogador não está acostumado com isso. O treinador não está ali pra passar a mão na sua cabeça.”

Bábby ficou três anos na NBA. Depois de passar pelo Toronto, foi ao Utah Jazz. Jogou na Rússia antes de retornar ao Brasil. Hoje, aos 36 anos, está aposentado e cuida de um projeto social.

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Marquinhos relata tristeza e decepção com pouco espaço

O ala Marquinhos, um dos principais nomes da atual seleção brasileira e tetracampeão nacional, tem uma carreira repleta de conquistas e está feliz no Flamengo. Mas quando tinha 22 anos não conseguiu se firmar na NBA mesmo tendo sido draftado sem passar pelo sistema universitário. Em 2006, defendia o Montegranaro, da Itália, e foi selecionado pelo New Orleans/Oklahoma City Hornets.

Foram dois anos de poucas alegrias na NBA. Ele entrou em quadra somente 26 vezes.

“Cheguei em um time em formação e que tinha acabado de contratar um cara grande para a minha posição (Peja Stojakovic). Fui para a liga de desenvolvimento, fiz bons jogos e voltei. Mas não foi o suficiente para o técnico me dar minutagem. No meu segundo ano, vi que não tinha espaço mesmo, estava sempre no banco. Ficava muito triste. Vi que era melhor ir para a Europa ou voltar para o Brasil para fazer o que eu gostava, que era jogar bem por muito tempo, ainda que fosse para ganhar menos.”

“Não fui discriminado lá. Falava um inglês bem basicão quando cheguei, mas depois fui melhorando. A dificuldade mesmo era colocar em quadra o meu melhor em pouquíssimo tempo.”

Eles tentaram, mas não foram bem na NBA

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Alex Garcia

Já se destacava no basquete brasileiro e na seleção, inclusive tendo dado um toco em Tim Duncan no Pré-Olímpico de 2003, quando chegou ao San Antonio Spurs. Depois foi ao New Orleans Hornets. Mas pouco jogou e depois voltou ao Brasil. Foi ídolo em Israel antes de retornar definitivamente ao Brasil. Hoje é um dos destaques do Bauru no NBB e multicampeão nacional.

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Vitor Faverani

Tinha carreira consolidada na Espanha, sempre se colocando como um dos melhores pivôs na liga em pontos e rebotes quando foi contratado pelo Boston Celtics na temporada 2013/2014. Parecia que teria carreira promissora na NBA, mas nunca teve muitas chances e ainda sofreu com lesões, a mais grave delas no menisco do joelho esquerdo. Hoje, aos 28 anos, defende o Barcelona.

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Fab Melo

Teve carreira destacada na Universidade de Syracuse, foi draftado na 22ª posição pelo Boston Celtics em 2012, mas jamais correspondeu às expectativas, sendo enviado para a Liga de Desenvolvimento várias vezes. Passou curtos períodos no Memphis Grizzlies e no Dallas Mavericks, times pelos quais jamais atuou. Em 2014 voltou ao Brasil. Morreu no último dia 11.

E estes ainda sofrem para conseguir um espaço

  • Marcelinho Huertas

    Capitão da seleção e ídolo do Barcelona, clube no qual atuou até 2015, o armador já leva dois anos no Los Angeles Lakers e não conseguiu uma grande sequência de jogos. Neste ano, por exemplo, só atuou em 23 dos 58 jogos do time.

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  • Raulzinho

    O jovem armador de 24 anos teve uma ótima temporada de calouro e foi para o Jogo dos Novatos no Fim de Semana das Estrelas. Mas nesta segunda temporada perdeu espaço na rotação e chegou a passar um tempo na Liga de Desenvolvimento.

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  • Cristiano Felício

    O pivô está em seu segundo ano na NBA e tem ganhado bons minutos na rotação do Chicago Bulls desde a sua estreia. Porém, nesta temporada também já passou um tempo na Liga de Desenvolvimento para se manter em atividade já que não estava sendo muito aproveitado.

    Imagem: AP Photo/David Zalubowski
  • Lucas Bebê

    Nas duas primeiras temporadas na NBA praticamente ficou encostado no Toronto Raptors e agora está encontrando o seu espaço e entrado na maioria dos jogos. Ele já admitiu que melhorou seu rendimento após deixar de beber álcool e ter alterado completamente os seus hábitos.

    Imagem: Mark Blinch/The Canadian Press
  • Bruno Caboclo

    É o que vive situação mais complicada. Vira e mexe tem ido para a Liga de Desenvolvimento e não entra em quadra para uma partida na NBA desde o dia 15 de janeiro. Foi usado somente em oito jogos neste campeonato. Em nenhum deles, por mais de cinco minutos.

    Imagem: Nick Laham/Getty Images

E tem quem lutou muito, mas não teve uma chance

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JP Batista, atual pivô do Flamengo, passou pela seleção brasileira e foi bem na universidade americana, mas nunca teve chance na NBA. Em sua última temporada (2005/06), teve médias de 19 pontos e nove rebotes por partida e aproveitamento de 59% dos arremessos. Com 26 anos, foi considerado velho demais para a liga. Acabou ignorado no draft. Teve chance de jogar na Liga de Verão, mas não assinou contrato. "Tive oportunidade suficiente, mas eles deixaram bem claro que dariam prioridade para seus atletas draftados e quando ficaram sabendo que eu tinha uma oferta do Lietuvos Rytas (da Lituânia), me aconselharam a seguir em frente", lembra ele.

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Jonathan Tavernari, de 29 anos, está no basquete italiano, e também passou pela seleção. Em seu último ano na Universidade de BYU, ganhou o prêmio de melhor sexto homem da conferência. O ala chegou bem cotado para o draft de 2010, mas não foi escolhido. Um ano antes, havia retirado seu nome para defender o Brasil. "Muitos davam que eu seria escolhido na segunda rodada, mas tirei meu nome porque não teria tempo de treinar por causa da Copa América. Tive três ofertas para treinar na NBA. Recusei para ir com a seleção ao Sul-Americano e me garantiram que eu iria para o Mundial. Não fui, perdi minha chance na NBA e isso f... toda minha carreira nos EUA."

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Liga de Verão e treinos são alternativas quase inviáveis

Impressionar na Liga de Verão, na pré-temporada ou nos curtos períodos de treinos com as equipes podem render contratos na NBA. Mas a chance de vingar é bem pequena. São vários os casos de brasileiros que já tentaram este caminho e não deram certo.

Os mais lembrados são Jefferson Sobral e Lucas Tischer. O primeiro até treinou nos Lakers com Kobe Bryant e participou da pré-temporada. Foram 25 dias de experiência nos EUA que não lhe renderam a sequência na NBA.

Já Tischer assinou um contrato com o Phoenix em 4 de agosto de 2005 e três meses depois foi dispensado sem nunca entrar em quadra na temporada regular. Foram apenas partidas na Liga de Verão e na pré-temporada.

Mas quatro brasileiros brilham nos EUA

  • Tiago Splitter

    Apesar de estar há quase um ano inativo no Atlanta Hawks por causa de lesão, o pivô foi o primeiro brasileiro campeão da NBA pelo San Antonio Spurs, equipe na qual foi titular durante muito tempo.

    Imagem: Andy Lyons/Getty Images/AFP
  • Leandrinho

    Já foi eleito o melhor sexto homem da liga - em 2007 - quando era um dos principais destaques do Pheonix (seu atual time), e também tem um título com o Golden State Warriors.

    Imagem: Reprodução/ Getty Images
  • Nenê

    O pivô do Houston Rockets é o brasileiro que está há mais tempo na liga e também foi o primeiro a participar do Fim de Semana das Estrelas, no Jogo dos Novatos em 2003. Foi titular pelos times nos quais passou: Denver Nuggets e Washington Wizards.

    Imagem: Kevin Jairaj-USA TODAY Sports
  • Anderson Varejão

    Após ser dispensado pelo Golden State, está sem time no momento. Apesar de ter sido atormentado por muitas lesões sempre se manteve atuando em nível alto. Fez parte do elenco do Cleveland na primeira metade da temporada do título do ano passado.

    Imagem: Ronald Martinez/AFP
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Pipoka vê vôlei atraindo garotos altos que antes iam pro basquete

Aos 27 anos, Pipoka foi o segundo brasileiro a pisar na NBA, no começo dos anos 1990. Ele jogou por apenas nove minutos pelo Dallas Mavericks e amargou outros dois anos de banco, sem partidas oficiais.

“Meu jogo pro Brasil era suficiente mas não pra NBA”, admite. “Foi uma passagem bacana, lá é completamente diferente do que nós brasileiros e o resto do mundo estamos acostumados. Nós todos estamos uns três níveis abaixo deles.”

Pipoka jogava de pivô no Brasil, uma posição que exige força e altura. Mas na NBA, como todos os pivôs eram mais fortes e altos que ele, o brasileiro acabou tendo que jogar de ala. Hoje professor universitário de educação física, Pipoka acredita que a direção do basquete brasileiro anda falhando na revelação de novos talentos, o que ajuda a explicar a pouca presença do país na melhor liga do mundo.

Na minha época, todos os garotos de dois metros e porrada iam jogar basquete e os que não serviam iam pro vôlei. Agora, como o vôlei é uma modalidade altamente competitiva e organizada no Brasil, todos os mais altos já querem ir pro vôlei. E se você não tem base no basquete não vai ter jogadores na NBA ou na Europa.

Pipoka, segundo brasileiro a jogar na NBA

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