Carilles de outros tempos

Eles saíram de dentro do clube, foram interinos e sofreram com a desconfiança. Da MSI ao rebaixamento

Dassler Marques e Luis Augusto Símon Do UOL, em São Paulo
Dassler Marques/UOL Esporte

Eles não são como Carille, mas quem sabe aonde poderiam ter chegado?

Marcio Bittencourt foi campeão como jogador em 1990 e era auxiliar técnico quando Daniel Passarela foi mandado embora no meio de uma guerra com o elenco milionário da MSI. José Augusto comandava o time da base e foi chamado às pressas para ajudar o profissional no pior ano de sua história. Sofreram, como Carille, com a desconfiança de quem avalia trabalhos por quilômetro rodado.

Quase intrusos, longe do perfil "medalhão" que o clube se acostumou a ter, eles foram personagens do furacão que o Corinthians viveu em 2005 e 2007, com a briga destrambelhada pelo Brasileiro e o rebaixamento à Série B, respectivamente. Era um outro Corinthians, sem Arena, CT ou Libertadores e à época um tricampeão brasileiro em busca do tetra. Marcio e Zé Augusto tiveram seus momentos de brilhos, mas não conseguiram prosperar como o atual treinador alvinegro.

Nos tempos de Carille, um auxiliar que virou interino e subverteu a lógica para ser multicampeão e ídolo, eles assistem a tudo de pertinho. Pouco mais de dez anos depois de terem tido suas chances, eles hoje servem à categoria de base alvinegra, Marcio como coordenador e Zé como técnico do sub-15. Em um papo com o UOL Esporte, nas arquibancadas do Parque São Jorge, a dupla relembra histórias de bastidores daquele outro Corinthians.

Fernando Santos / Folha Imagem Fernando Santos / Folha Imagem

Do sub-20 ao pior Corinthians. "Tremi um pouco", diz Zé

Zé Augusto estava no Sub-20 quando foi surpreendido. "Não imaginava nunca ser treinador do Corinthians no profissional. No momento em que pintou a oportunidade, como funcionário você jamais pode dizer não", disse o treinador que participou do rebaixamento em 2007.   

Quando eu recebi a notícia, tremi um pouco. Não vou mentir

É possível dizer que a bem sucedida experiência de dois anos antes, com Márcio Bittencourt, deu força para que Zé fosse apontado. Em um elenco rodeado de estrelas da época, o auxiliar que virou treinador conduziu o Corinthians à conquista do polêmico Brasileiro de 2005, concluído pelo veterano Antônio Lopes.

"Meu trabalho foi agregar o grupo. Falar a verdade. Peguei o time com um ponto da zona de rebaixamento e deixei com 50", lembra ele, campeão brasileiro como volante em 1990 e que recebeu um time que havia tido desentendimentos com o argentino Daniel Passarela.  

Mascherano ficou revoltado, mas depois pediu desculpas

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Fúria de Fábio Costa ajudou a derrubar Márcio Bittencourt

Fábio Costa havia se lesionado e, quando pensou que voltaria, ficou na reserva do jovem Marcelo. Sobrou para Bittencourt, que não admite, mas teve um esquentadíssimo Fábio pela frente no Pacaembu. Quem vivia o clube à época conta que o episódio contribuiu para que Antônio Lopes fosse contratado dias depois. 

“Era uma pessoa muito explosiva, mas de um coração que não é dele. [...] Por incrível que pareça, o Fábio se machucou, entrou o menino e foi bem, fez vários jogos e ganhamos. [...] Eu sabia como lidar com Fábio. O treinador de goleiros falou 'o Fábio está pronto'. Ele deve ter comentado algo com Fábio antes do jogo, e na preleção coloquei o menino com o Fábio no banco, como deve ser. E ele não aceitou”, recorda Márcio. 

Fábio Costa se negou a aquecer antes da partida, mas depois concordou. No jogo seguinte, voltou ao time. 

Jovem atacante bancado por Zé o chamou de "treinadorzinho"

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Zé pediu ajuda a Roger, que topou ficar no banco por ele

Zé Augusto tem mágoa de alguns jogadores experientes da época em que comandou o clube, mas fala com gratidão sobre Roger. Ele lembra que o meia, hoje apresentador no Sportv, não queria viajar ao Recife para ser reserva contra o Náutico.

“Fui com três volantes e falei: ‘Roger, vou falar um negócio para você. Estou subindo da base agora e queria que você me ajudasse. Vou te levar e quero colocar você no banco'. Ele falou: ‘É melhor não me levar’. E eu falei: ‘queria que você me ajudasse’”, recorda.

“Ele foi e correspondeu. Não entrou no jogo, mas teve solidariedade comigo e me respeitou de ter vindo da base”, conta Zé Augusto, que pediu a Roger para auxiliar Bruno Octávio, muito mais jovem e titular. A partida terminou 2 a 2.

"Tira o Roger! Tira o Roger". Ele não tirou e deu certo

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Faltava compromisso no elenco rebaixado. Sobrava pressão

Zé Augusto lembra que alguns atletas não estavam comprometidos. Ele não dá nomes, mas um citado por quem viveu aquele ambiente foi Gustavo Nery, campeão brasileiro em 2005.

“Havia jogadores que esperavam terminar o contrato para ir embora. Pela situação interna que a gente vinha e no momento que o clube passava, isso tinha que ficar dentro da gente e não podia se arrotar [publicamente]”, conta Zé. “Outros jogadores que não estavam querendo a gente sabia, a diretoria sabia, mas demos um tempo nisso”, diz.

A Gaviões entrou em um sábado com vassouras [no treino] e os jogadores saíram correndo que nem loucos com medo de ser agredidos

O ambiente, em meio ao impeachment de Alberto Dualib, era terrível. "Isso marcou. Talvez eu não tive continuidade como treinador profissional por isso”, lembra ele, 'rebaixado' após sete jogos. 

Treino tático? Andrés sugeriu rachão e folga

Jorge Araújo/Folhapress

Contos de Márcio sobre Neto

Parceiros em 90, amigos até hoje

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Quase brigaram

"Uma das primeiras vezes em que ele jogou aqui quase brigamos no vestiário. Dali em diante surgiu uma grande amizade. 'Você precisa me ajudar, você só arruma o calção, me ajuda aqui senão vou morrer de tanto correr'. Foi uma relação tão legal porque eu sabia que tinha que correr, lutar, pegar a bola e dar no pé dele porque sabia que ia definir".

FSP FSP

Lanches escondidos

"Por mais que a gente cuidasse dele, não tinha jeito. Engordava até por ansiedade. Ele tinha, lógico, artimanhas dentro dos hotéis de arrumar um belo lanche escondido do doutor Joaquim [Grava] e outros médicos. [...] Ele gostava de comer [risos]. O que mantinha ele focado na ansiedade de treino e de jogo era comer. Mas tem um coração de ouro"

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Gordinho muito rápido

"Se ele fosse um pouquinho de um grande atleta, um cara como o Raí, seria um dos melhores do mundo. A qualidade e velocidade que ele tinha...quando fomos para a seleção, em 30 ou 50 metros ninguém batia ele. Como pode um cara desses você não conseguir pegar? O cara com uma gordurinha a mais, mas com velocidade fantástica"

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Marcio tem 273 jogos pelo clube. Nenhum gol

Márcio foi um jogador de destaque do Corinthians no começo dos anos 90 e chegou à seleção brasileira com Falcão. Nunca fez, porém, um só gol com a camisa corintiana. E quando reencontrou o clube...

"Fiz gol contra o meu compadre. O Ronaldo [Giovanelli, goleiro] falava “se fosse a favor você não acertava”. Se eu chutasse 10 bolas daquela mandava na saída do Pacaembu. É o destino, né?" Márcio, na época, havia se transferido para o Inter. Foi o único gol de toda a sua carreira. 

Para ele, faltava jeito para fazer gol. "Teve um jogo com Vasco em que o Neto bateu o escanteio, Mauro Galvão e Gottardo tiraram a bola de cabeça e caiu no meu pé. A zaga saiu, eu toquei por cima...saiu eu e o goleiro, mas esperei o Giba chegar para tocar para ele fazer o gol. Não tinha o cacoete".  

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