Teve Copa. E o resto?

Muita enchente, pouco emprego. Três anos depois da Arena, Itaquera ainda aguarda melhorias prometidas

Diego Salgado Do UOL, em São Paulo
Edson Sales/Folhapress

Quando a construção da Arena Corinthians foi anunciada em Itaquera, promessas feitas diziam que, junto com o estádio, o desenvolvimento enfim chegaria a um dos locais mais populosos da cidade de São Paulo. O discurso estava na boca das principais autoridades, mas a mudança nunca saiu do papel.

Nesta reportagem, o UOL Esporte mostrará como Itaquera está três anos depois do surgimento da Arena. Uma realidade marcada por enchentes, valorização imobiliária nociva aos filhos da região e uma vida como habitante de um bairro-dormitório.

Temos de pensar que quatro milhões de pessoas moram na Zona Leste e poderão desfrutar de todas essas obras no futuro. Essas obras fazem parte do legado da Copa para São Paulo.

Geraldo Alckmin

Geraldo Alckmin, Governador de São Paulo, em julho de 2011

O incentivo é para todos. Existem diversas ações para o desenvolvimento da Zona Leste Independentemente do estádio. Principalmente junto às famílias mais humildes.

Gilberto Kassab

Gilberto Kassab, Ex-prefeito de São Paulo, em junho de 2011

A gente perde de vista o desenvolvimento que o estádio vai gerar. Já há uma empresa interessada em se instalar que pode gerar até 50 mil vagas. Empresários estão procurando a prefeitura.

Fernando Haddad

Fernando Haddad, Ex-prefeito de São Paulo, em maio de 2014

As obras que não saíram do papel

  • Fórum

    Parte do chamado "centro de uma cidade" previsto pela Prefeitura.

  • PM e Bombeiros

    Equipamento previsto em função do aumento do fluxo de pessoas no bairro.

  • Centro de Convenções

    Ajudará a Zona Leste a receber grandes eventos da cidade de São Paulo.

  • Edifício comercial

    Chamariz para empresas com interesse de se instalar na região leste.

  • Parque Tecnológico

    Importante papel no desenvolvimento e aumento da oferta de empregos.

  • Senai

    Escola destinada à formação de mão de obra qualificada na região.

  • Realocação dos moradores

    Vizinha ao estádio, a Comunidade da Paz aguarda por soluções

  • Canalização do Córrego Rio Verde

    O principal causador das enchentes no bairro precisa ter mais vazão.

As promessas

Fábio Arantes / Secom Fábio Arantes / Secom

O que foi feito

A Secretaria Municipal de Serviços e Obras executou a construção do viaduto próximo da Arena Itaquera, além da canalização de 250 metros do córrego Laranja-Azeda. Já o governo estadual, por meio da Dersa, concluiu seis obras viárias - entre elas estão novas alças de acesso entre a Jacu-Pêssego e a Nova Radial, com pontilhão sobre o Rio Verde para passagem de veículos.

Rivaldo Gomes/Folhapress Rivaldo Gomes/Folhapress

O que não foi feito

Praticamente todas as obras previstas para compor o Polo Institucional de Itaquera não ficaram prontas. Segundo a Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento (SMUL), a prefeitura está "estudando se a implantação do Fórum Regional de Itaquera continua permitida para o local". O parque tecnológico, por sua vez, "precisou de novos estudos em razão de mudanças de legislação".

À espera de soluções

Diego Salgado/UOL Esporte Diego Salgado/UOL Esporte

Enchentes são cada vez mais frequentes

Os alagamentos em ruas do centro comercial de Itaquera fazem parte da rotina do bairro há anos. A solução para o problema era a canalização do córrego Rio Verde, principal fonte dos transbordamentos da região. Tirar essa obra do papel era o ponto de partida para uma vida melhor. Quem está no bairro, porém, diz que as enchentes só pioraram depois do surgimento do estádio. Na esteira de obras viárias feitas para melhorar o acesso, um trecho do curso de água foi afunilado, o que aumentou o medo geral de uma chuva mais forte.

As comportas construídas para minimizar o estrago voltaram a ser usadas com frequência. A enchente que chega a 1,5 m atrapalha a vida de moradores e comerciantes ao acabar com móveis, documentos, roupas e produtos. Não são raros, em redes sociais, os vídeos de avenidas centrais transformadas em piscinas de água suja. Tudo a menos de 1 km da Arena Corinthians. 

Canalizar o córrego era o plano inicial, incluído nas metas da gestão Haddad. Em junho de 2015, no entanto, a Prefeitura passou a avaliar que o córrego Jacu-Pêssego, onde deságua o Verde, também está no limite. Por isso, não seria possível mexer somente no curso de água menor, justamente o que afeta Itaquera. "Novo planejamento e estudos da bacia": era o que dizia o órgão na época para explicar a ausência de obras. "Falta de recursos": é a versão da gestão Dória, que diz não poder retomar o projeto porque as verbas para tanto não estão no orçamento. 

Hoje, além da canalização do córrego, os moradores de Itaquera reivindicam a construção de piscinão entre a Comunidade da Paz e o Parque Linear, o que também poderia, na visão deles, amenizar o sofrimento anual com as chuvas.

Enquanto isso...

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Rogerio Cavalheiro/Futura Press/Estadão Conteúdo Rogerio Cavalheiro/Futura Press/Estadão Conteúdo

O que representa ser um bairro-dormitório?

A maioria da população de Itaquera trabalha no chamado centro expandido da cidade de São Paulo, quadrilátero que tem 68% dos empregos da metrópole. Com isso, os moradores do bairro mantêm a velha rotina de deixar suas casas nas primeiras horas da manhã e voltar apenas no começo da noite para, enfim, repousar. Mas por que isso é tão importante para a cidade?

A primeira resposta diz respeito à qualidade de vida do cidadão. Ao se deslocar até o centro expandido, o morador de Itaquera desperdiça tempo e, com isso, momentos ao lado da família. As horas de lazer também são raras e trocadas pelo estresse diário vivido devido ao trânsito e às condições do transporte público, sempre lotado nas primeiras horas da manhã e ao fim da tarde.

O comércio local sofre com a condição atual do bairro. Durante as tardes, lojas ficam às moscas. Não à toa muitas portas ficam fechadas nas principais ruas do centro de Itaquera. "Temos uma necessidade de tirar esse estigma de bairro-dormitório. Queremos que a população more e trabalhe aqui. Isso faz com que o comércio não cresça. Durante o dia o comércio morre", apela Roberto Manna, líder da Câmara de Dirigentes Lojistas de Itaquera.

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Arte/UOL Arte/UOL
Hélvio Romero/Estadão Conteúdo Hélvio Romero/Estadão Conteúdo

Sem moradores, sem comércio

Esse cenário traz aspectos negativos para a região. Era justamente esse gargalo que projetos como um Parque Tecnológico, um Senai e um Centro de Convenções, que não foram construídos, atacariam. Mais empregos e força econômica na região poderiam impulsionar e dar independência a Itaquera, como diziam as próprias autoridades:

A Zona Leste, que fornece mão de obra para outras regiões da cidade e da Grande São Paulo, se tornará uma região com dinâmica econômica própria

Foi o que prometeu a Secretaria Municipal de Trabalho e Empreendedorismo antes de 2014, ao comentar a importância do Polo Institucional de Itaquera. Fernando Haddad, prefeito à época, previa uma pequena revolução. "Pode ser um dos maiores projetos de mobilidade de São Paulo. Em vez de se deslocar até o centro, por 20, 25 km, o morador da Zona Leste vai ter o emprego do lado da sua casa", disse.

O governador Geraldo Alckmin também falou sobre a importância da obra. "Sempre se diz que o problema das grandes cidades do mundo é a distância entre os locais onde as pessoas moram e os locais onde elas trabalham. E esse Polo será um grande promotor de postos de trabalho, empregos e oportunidades no coração da Zona Leste", disse em agosto de 2012.

O Polo nunca saiu. Sem as obras e o incentivo, a realidade do bairro mudou muito pouco. 

Tiago Dantas/UOL Tiago Dantas/UOL

Valorização leva ao fenômeno da gentrificação

Quando o Brasil se apresentou aos olhos do mundo para o maior evento de sua história, era Itaquera que estava nas câmeras de quase todas as redes de televisão do planeta. Não era difícil prever o que aconteceria depois. A partir de 2011, ano em que começaram as obras da Arena, os preços dos aluguéis explodiram à medida que a valorização dos imóveis acontecia. O problema é que a renda da população não acompanhou esses números.

A contraposição entre os dados gerou um efeito claro: muitas pessoas tiveram de deixar o bairro rumo a locais ainda mais distantes do centro. Itaquera, dessa forma, está, aos poucos, recebendo moradores de renda mais alta. Essa substituição é chamada de "gentrificação". Processo esperado, mas que poderia ser atenuado, na visão de especialistas. 

"Não é o morador sozinho que vai conseguir. É um processo estrutural, político-econômico", explicou Kazuo Nakano, arquiteto e urbanista. Na visão dele, o morador de Itaquera seria menos afetado se houvesse uma regulação da terra urbana. Dessa forma, áreas do bairro seriam destinadas ao interesse local, com habitações para a população de baixa renda e parâmetros que iriam impedir a demolição de casas e a substituição de moradores.

O cenário, ainda de acordo com Nakano, é fruto do projeto falho de mudança da Zona Leste. Para ele, cada equipamento foi pensado isoladamente, ocupando um pedaço do espaço. "Ele foi remendando com o sistema viário, ruas e avenidas. O projeto não foi pensado de maneira global, com espaço público, pequeno comércio, habitação", disse, para em seguida concluir:

Como não foi pensado, há um espaço urbano desconjuntado. Sem alternativas de habitação de interesse popular

Arte/UOL
Rivaldo Gomes/Folhapress Rivaldo Gomes/Folhapress

Realocação dos moradores da Comunidade da Paz

A ponta mais cruel do processo de gentrificação está na comunidade da Vila da Paz, localizada a 500 metros da Arena Corinthians e parte do bairro desde 1991. Os moradores do local vivem, desde o anúncio da nova casa corintiana, dias de indefinição e agonia. Antes da Copa, a prefeitura de São Paulo prometeu que iria realocar todas as 377 famílias do local até o segundo semestre de 2016.

Para quem vive irregularmente, a realocação é a melhor saída. No plano inicial, os moradores iam da Vila da Paz direto para conjuntos habitacionais que seriam ocupados de forma definitiva. Hoje, 262 famílias ainda vivem no local à espera de uma transferência prometida pelas autoridades. Nos últimos meses, a situação piorou com um projeto de corredor de ônibus que ameaça o local. 

Segundo a Comissão de Moradores da Vila da Paz, existe a possibilidade de a prefeitura pagar auxílio-aluguel caso queira força uma mudança antes da realocação definitiva para um conjunto habitacional. A hipótese gera medo. Gente escolada em situações do tipo crê que a solução paliativa adie para sempre a mudança definitiva.

A Prefeitura prometeu e tem de cumprir. Vamos resistir e defender as nossas casas

Foi o que disse a comissão em uma carta aberta à cidade de São Paulo, antecipando o embate que deve acontecer nos próximos meses. Em contato com a reportagem, a Secretaria Municipal de Habitação disse que realiza reuniões periódicas com moradores locais para informar a redução do impacto das obras de mobilidade previstas para o local. "A secretaria deu ordem de início para construção dos empreendimentos que serão destinados ao atendimento das famílias, que serão realocadas em unidades habitacionais no entorno cujas obras já foram iniciadas e têm previsão de término em até dois anos", afirmou.

A Copa foi uma ilusão

As autoridades explicam

  • Fernando Haddad

    Por meio da sua assessoria de imprensa, o ex-prefeito disse que a sua gestão "não só viabilizou a abertura da Copa do Mundo em Itaquera como empreendeu um amplo programa de incentivos para empresas que dispunham a se instalar na Zona Leste da cidade". Segundo Haddad, a sub-prefeitura de Itaquera teve praticamente todas as suas demandas atendidas. "Dizer que o bairro foi abandonado é um exagero."

    Imagem: Gabriela Di Bella/Folhapress
  • Andrés Sanchez

    O deputado e ex-presidente do Corinthians afirmou que "é obrigação da Prefeitura e Governo do Estado fazerem as obras prometidas". Para ele, é preciso fazer mais pela Zona Leste. "A Arena Corinthians ajudou e algumas coisas melhoraram, mas falta muito. Isso é com a Prefeitura e o Governo. Itaquera sempre foi abandonada. Mais para o fundo [do bairro] os problemas serão ainda maiores, infelizmente."

    Imagem: TV UOL
  • Geraldo Alckmin

    O governo estadual frisou que não investiu recursos para a realização da Copa do Mundo e que "todos os investimentos anunciados à época foram realizados em obras estruturantes e de mobilidade urbana que beneficiaram toda a população local". Por fim, ressaltou que "seguirá o investimento para a melhoria das condições da região, gerando emprego, renda e oportunidades em toda a região da Zona Leste".

    Imagem: Mister Shadow/ASI/Estadão Conteúdo
  • João Doria

    Por meio da sua assessoria de imprensa, o atual prefeito disse que a abordagem estrutural foi "claramente falha na gestão anterior". De acordo com Doria, a atual gestão vem trabalhando para corrigir essa defasagem desde o começo do ano. "A atual administração tem convicção de que, ao fim da gestão, os moradores de Itaquera - e de toda a cidade - estarão em bem melhores condições do que estavam no início deste ano."

    Imagem: Bruno Rocha/Fotoarena/Estadão Conteúdo

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