Influenciador até que ponto?

Com mais de 30 milhões de seguidores, Felipe Neto é patrocinador do Botafogo. Mas será que virou dono do time?

Bernardo Gentile e Gabriel Carneiro Do UOL, no Rio de Janeiro e em São Paulo
Reprodução/Youtube

Em novembro de 2017, um anúncio movimentou o universo do marketing esportivo: a marca Neto's, criada pelos irmãos Luccas e Felipe Neto, firmou patrocínio pontual com o Botafogo para estampar seu logotipo na camisa do time em partida contra o Palmeiras pelo Campeonato Brasileiro. O acordo se estendeu por mais uma rodada e acabou renovado para todo o ano seguinte.

Oficialmente, era a primeira empresa lançada por dois fenômenos midiáticos que ganharam notoriedade pelo Youtube a se tornar patrocinadora de um time de futebol no Brasil.

Quase um ano depois da criação da empresa e sua entrada no Botafogo, o relacionamento Neto's/Botafogo virou caso de estudo em faculdades de comunicação e colocou em discussão um ponto importante: qual a influência de Felipe, que já era torcedor do clube antes de virar patrocinador, nas decisões do time? O youtuber é ativo nas redes sociais e não raramente faz críticas ao Botafogo.

Bastou uma postagem no Twitter para que muita gente atribuísse a ele a demissão de um técnico no mês passado. Será que é para tanto?

Teorias à parte, a empresa que aparece no ombro do uniforme do Botafogo tem crescido e acredita que o patrocínio "mais offline que existe" tem peso nisso. O Botafogo arrecada cerca de R$ 100 mil mensais com a Neto's. O valor ajuda a fechar as contas. E Felipe Neto, dono de quase 25 milhões de inscritos em seu canal de vídeos, participa de camarote da rotina do clube que torce. Algo que a grande maioria dos cerca de 4 milhões de torcedores do clube (segundo o Ibope, em pesquisa de 2014) não pode fazer.

Mas, como tudo o que é novo ou inusitado, ainda há barreiras, discussões e acusações de lado a lado.

Primeiro pagamento saiu do bolso

Felipe Neto anunciou a parceria pontual com o Botafogo no ano passado. E, claro, veio em um vídeo de seu canal. A publicação atingiu quase 2 milhões de visualizações. Nela, Felipe explica a aproximação de seu quiosque de coxinhas com o departamento de marketing do clube, mostra imagens dele com jogadores dentro do estádio Nilton Santos e termina com a entrevista coletiva em que o influenciador digital comunicou a novidade à imprensa.

Estou muito feliz, igual pinto no lixo, radiante. É o sonho de qualquer torcedor poder um dia colaborar com o clube a ponto de estar estampado na camisa".

Tudo parecia lindo. Mas estava longe de ser.

Quem financiou os patrocínios pontuais do ano passado não foi a empresa dos irmãos, que na época tinha aberto sua primeira loja em um shopping do Rio de Janeiro. O dinheiro do primeiro aporte ao Botafogo partiu do próprio Felipe Neto. "Tive que bater no peito", revela, ao UOL Esporte.

O vídeo: Felipe Neto anuncia o patrocínio ao clube do coração

Um dia, conversando com o Padilha (vice-presidente de comunicação do clube) por telefone, surgiu a ideia. Ele adorou, era algo totalmente inédito no mundo. O problema foi que, na época, os executivos do grupo não acharam uma ideia tão boa assim e eu tive que bater no peito e assumir os riscos, pagando a primeira ação inteiramente do meu bolso, sem usar o dinheiro da Neto's. O resultado foi enorme e um grande case de sucesso tanto pra Neto's quanto para o Botafogo

Felipe Neto

Felipe Neto, youtuber e empresário

Tweet contra Paquetá e as teorias da conspiração

Lembra dos avisos lá no começo de que tudo o que é novo causa estranheza? Vale para os dois lados. O maior exemplo de como a relação entre o torcedor e o patrocinador é complicada veio em um Tweet. Felipe pediu a demissão do técnico Marcos Paquetá por meio de postagem aos 30 minutos do segundo tempo de uma derrota por 2 a 1 para o Nacional, do Paraguai, pela Copa Sul-Americana, no começo de agosto.

Logo após o jogo, confirmada a derrota, o treinador foi demitido de seu cargo depois de apenas cinco jogos. O youtuber comemorou a notícia e deu margem para vários perfis nas redes sociais decretarem: foi o patrocinador que causou a demissão de Paquetá.

As críticas públicas não tiveram influência direta na troca de técnico. Quando postou a mensagem, Felipe já tinha ideia de que Paquetá estava para ser demitido. Essa certeza vinha da boa relação com dirigentes do Botafogo. Era uma informação que já circulava no clube. Para simplificar: ele chutou cachorro morto.

Se tivesse voz, Paquetá nem mesmo seria contratado

O que é dito nos bastidores mostra como Felipe não tem (ainda) a influência que se pensa: nos corredores do clube, a certeza é que Marcos Paquetá não seria nem sequer contratado se Felipe Neto tivesse influência real nas decisões. Ele sempre foi um crítico do currículo do ex-treinador e da falta de experiência em times de ponta por aqui. E, nos contatos com seus amigos, ele cornetava o técnico como qualquer torcedor.

O problema é que alguns desses amigos são dirigentes do Botafogo. "Tento ajudar o máximo possível em diversos assuntos, seja com opiniões, auxílio financeiro ou até mesmo permutas para viabilizar algo para o clube. Mas não tive qualquer influência sobre a demissão do Paquetá e desejo todo sucesso do mundo a ele. O que postei no Twitter foi só uma cornetada de torcedor. Às vezes, eu acabo não me aguentando (risos)", brinca o influenciador.

No começo do ano, ele já havia escrito que outro técnico, Felipe Conceição, "tem que ser demitido" porque "não tem condições". Na ocasião, a demissão demorou cinco dias para sair.

A frase em que nega influência, porém, mostra que ele está, sim, ganhando relevância dentro do clube. Ao dizer que tenta ajudar o máximo possível, ele usa um capital que está bem acima daquele que o Botafogo tem. Some o número de inscritos em seu canal, com seus seguidores no Twitter e no Facebook. São mais de 30 milhões de fãs. Agora, compare com o número de torcedores botafoguenses. Em 2014, segundo o Ibope, eram cerca de 4 milhões. Entendeu porque Felipe Neto, mesmo sendo um patrocinador menor, é gigante dentro do Botafogo?

Jorge Rodrigues/Eleven/Estadão Conteúdo Jorge Rodrigues/Eleven/Estadão Conteúdo

O que o Botafogo dá para Felipe Neto

Um influenciador digital apostando na mídia tradicional é um fenômeno dos tempos atuais identificado por Cássio Politi, especialista em marketing de conteúdo. Felipe Neto explodiu no Youtube em 2010 com o quadro "Não Faz Sentido", que se prestava basicamente a falar mal de celebridades e produtos culturais. A lógica se inverteu no ano passado, com a produção de vídeos mais fofos e infantis que o tornaram ícone de uma geração.

"Influenciadores começaram a se tornar players de mídia também. Um veículo forma audiência, cria um público usando conteúdo para isso e, a partir de então, explora comercialmente sua audiência, vendendo publicidade. O influenciador descobriu que, ao formar um público fiel, ele tem o jeito dele de fazer dinheiro, caminhando para ser algo parecido a um garoto-propaganda. Ele empresta sua imagem e sua audiência. É um fenômeno que vai se intensificar muito. Não é mais tendência, é uma realidade bem concreta que está quebrando os parâmetros: alguém que tem audiência no mundo digital e dá um passo ao lado até a mídia tradicional. Ainda mais um patrocínio de camisa, a coisa mais offline que existe", argumenta Politi.

De acordo com uma pesquisa de 2016, 45% das pessoas antes de tomarem uma decisão de compra consideram o que alguém falou sobre o produto. É o símbolo da era dos influenciadores. Até no futebol.

Vitor Silva/SSPress/Botafogo Vitor Silva/SSPress/Botafogo

Vinculou irmão

A série de ações integradas entre Botafogo e Felipe Neto também colocou em evidência Luccas Neto, irmão e sócio de Felipe na franquia de coxinhas. Há ações de Luccas, que é ainda mais familiarizado com o público infantil, no estádio Nilton Santos, com brinquedos, food trucks e um tour pelo local. O número de crianças que aderiram ao evento foi grandioso.

Reprodução/Facebook Reprodução/Facebook

Ampliou negócio

A franquia Neto's está se estruturando para abrir o primeiro quiosque fora do Rio de Janeiro. A empresa nasceu de um projeto embrionário em um shopping da Zona Norte do Rio de Janeiro e hoje possui cinco pontos de venda, inclusive no estádio do Botafogo. A ideia é estar em quase todos os Estados do país até o ano de 2020, de acordo com os empresários.

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O que Felipe Neto dá para o Botafogo

O mais interessante da relação de Felipe com o Botafogo é justamente esse novo público que Felipe começou a cativar nos últimos anos: as crianças. Nos primeiros dias do patrocínio, o clube anunciou um aumento de 500% nas vendas de uniformes infantis. "A venda segue em alta até hoje. E, sempre que uma criança pede o uniforme, faz questão do logo da Neto's no ombro, que não é obrigatório", conta Márcio Padilha, vice-presidente de comunicação do clube.

Ou seja: Felipe Neto está criando toda uma nova geração de botafoguenses. "Conseguimos ver isso, também, nas postagens na Botafogo TV. Muitas crianças estão comentando e curtindo os nossos vídeos. E temos uma série de projetos em parceria para aumentar ainda mais essa interação", completa Padilha. Uma das apostas é oferecer uma experiência compartilhada, em que o público pode pagar para assistir a uma partida ao lado do youtuber.

Outra ajuda está no poder de comunicação do clube. Antes de Felipe, a Botafogo TV tinha menos de 60 mil inscritos. Hoje, está perto de bater 120 mil.

Vitor Silva/SSPress/Botafogo Vitor Silva/SSPress/Botafogo

Bancou reforço

Felipe Neto ajudou financeiramente o Botafogo a contratar um jogador neste ano. O clube devia pagar 250 mil dólares (cerca de R$ 800 mil na cotação da época) à Udinese (ITA) pelo reforço do atacante uruguaio Rodrigo Aguirre, e um grupo de torcedores se juntou para bancar a compra. O youtuber fez parte deste coletivo e foi à apresentação do jogador.

divulgação/Botafogo divulgação/Botafogo

Bombou Botafogo

A aproximação com Felipe Neto fez o Botafogo bombar nos mundos digital e físico. Como já foi dito, o clube mais do que dobrou o número de inscritos em seu canal no Youtube e ativou uma série de parcerias na internet. Além disso, a venda de camisas infantis aumentou , reforçando a ideia de cativar este público e renovar sua torcida no futuro.

Daniel Vorley/AGIF Daniel Vorley/AGIF

Dívida deixa Botafogo em posição delicada

A dívida total do Botafogo gira em torno de R$ 700 milhões. As parcelas do Profut e do Ato Trabalhista, que entrou em vigor em 2014 para centralizar o pagamento do clube aos credores e aumenta a cada temporada, diminuem a capacidade de ação no mercado. O maior patrocínio da atualidade é da Caixa Econômica Federal, que paga R$ 10 milhões por ano.

Cercred (barra frontal da camisa), Pega Carga (barra traseira) e Tim (números) são outros patrocinadores. O investimento da Neto's (omoplata), além de acordos pontuais, completa a conta. As empresas ajudam no fluxo de caixa, mas os gastos são altos.

Apesar de ser um fenômeno em dimensões bem inferiores de Unimed no Fluminense ou Crefisa no Palmeiras, o clube sabe que há suposições de ingerências na administração do departamento de futebol, a exemplo da teoria criada por internautas de que Felipe Neto demitiu Marcos Paquetá. Apesar disso, há pouco o que fazer. Ainda não há previsão de um novo contrato entre a franquia de coxinhas e o Botafogo a partir de 2019.

O Botafogo não tem um manual de conduta para patrocinadores. O bom senso é a régua.

Pessoa física ou pessoa jurídica?

Divulgação Divulgação

Celso Barros

Amparado pelo forte patrocínio da Unimed, foi quem deu as cartas no departamento de futebol do Fluminense durante 15 anos. Entrou com o time na Série C do Campeonato Brasileiro e despediu-se no fim de 2014. Ele bancava direitos de imagem, detinha direitos econômicos de jogadores e foi até candidato derrotado à presidência do clube em 2016.

Cesar Greco/Fotoarena Cesar Greco/Fotoarena

Leila Pereira

Por meio da Crefisa e da Faculdade das Américas, desembarcou no Palmeiras em janeiro de 2015, pouco após o clube se salvar do rebaixamento no Campeonato Brasileiro. Parceria está em vigor e a empresária também é conselheira, eleita em votação recorde em 2017. Ela poderá concorrer à presidência do clube em 2021.

"Boas práticas" não contemplam atitude de youtuber

A "cornetada de torcedor" publicada por alguém que é, também, patrocinador de um clube não é um procedimento bem visto no universo do marketing esportivo. Ainda mais por alguém com tanta influência quanto Felipe.

"As boas práticas, pelo menos do século passado antes do mundo digital, eram de que um patrocinador não deveria se envolver com aspectos técnicos e esportivos do time. Ele usa o esporte como veículo de comunicação, deve se ausentar de questões específicas da atividade fim do clube", alerta o consultor João Henrique Areias, que foi diretor de marketing do Clube dos 13 nos anos 80 e já prestou serviços a clubes como Flamengo, Fluminense, Avaí e Grêmio.

"Não cabe ao patrocinador avaliar algo que não é a atividade dele. É melhor criar o próprio time e administrar da maneira que quiser, então. O Botafogo dá um espaço que não deveria dar, porque pode afetar a imagem do clube. Está havendo uma mistura de mensagens e acho que não é positivo. Nem para o patrocinador, que tem outros objetivos, e nem para o clube. Se o patrocinador misturar pessoa jurídica e pessoa física é possível ter problemas no futuro", critica o especialista.

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