Viúvas de Chapecó

Esposas mostram amor incondicional aos maridos e relatam dor e preconceito após o acidente da Chape

Adriano Wilkson e Luiza Oliveira Do UOL, em São Paulo (SP) e Chapecó (SC)

É preciso ter força

A queda do avião da Chapecoense deixou 71 pessoas mortas na Colômbia e outras centenas – entre amigos, familiares e torcedores – despedaçadas no Brasil. As viúvas dos profissionais que estavam naquele voo estão entre as que passaram pelos maiores sofrimentos no ano que seguiu à tragédia.

Algumas se sentiram desemparadas no meio da comoção internacional em torno do acidente. Esquecidas pelas instituições a que seus maridos dedicaram a vida, elas tiveram que ser fortes para elaborar seu luto, reestruturar sua família e encarar o preconceito de quem deveria lhe oferecer apoio.

O UOL Esporte conversou com nove dessas mulheres. A maioria foi casada com profissionais que não eram jogadores da Chape, mas atuavam nos bastidores. Viúvas de médico, preparador físico, massagista, fisiologista e jornalistas contam como enfrentaram o pior ano de suas vidas e como isso se refletiu também na vida de seus filhos.

Viúvas da Chape

"Ele apontou o lápis bem apontadinho e se machucou todo"

O luto ainda está latente para Ulrike Ohlweiler. Tão duro quanto a dor de perder o amor da sua vida é ver os filhos Jordie, de 12 anos, e Johann, de 10, sofrerem a morte do pai, o preparador físico Anderson Paixão. O estado emocional dos dois ainda oscila – principalmente o do mais velho.

"Ele não falava que tinha saudade, que estava doendo, que estava se sentindo mal. Mas na escola, ele apontou o lápis bem apontadinho e se machucou todo. A gente perguntou por quê. 'Ah, porque está doendo muito, mamãe. Eu queria que parasse de doer. E eu queria fazer uma outra coisa doer para ver se o coração parava de doer'."

"É muito difícil ver alguém que tu ama sofrendo e não poder fazer nada para mudar. Não há o que eu possa fazer. Jamais vou substituir o pai, por mais que tente, por mais que seja uma mãe e meia. Nunca vou substituir o que o Anderson fazia por eles", diz Ulrike.

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Jordie e Johann fazem terapia desde dezembro. As sessões foram mais frequentes na época do acidente. Hoje, foram reduzidas a uma vez por semana. O menor ainda consegue se expressar mais, mas também sofre. "Ele chora, tem dor de barriga, no braço, na cabeça. Ele sempre tem alguma dor".

Um dos maiores desafios de Uli é tentar tirar um peso das costas de Jordie. "Eu percebo que ele tenta me proteger, tenta não mostrar que está sofrendo, que está com saudade porque sabe que eu também estou. E aí ele percebe que a vida não está fácil e tenta me apoiar. Eu percebo que ele tenta mostrar que está bem, que está forte e que vai ficar tudo bem. A gente está tentando tirar isso porque não é uma obrigação para ele com doze anos. Faz parte sentir saudades."

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"Onde o pai está tem celular?"

Bárbara Monteiro, viúva do atacante Ananias, viveu uma situação tão delicada quanto a de Ulrike. Desde a morte do marido, ela criou uma rotina agitada para o filho Enzo, de 6 anos, com escola, natação, igreja, atividades sociais e terapia. Mas nada ameniza.

"É uma montanha russa. A psicologia diz que o conceito de morte se fecha na cabeça da criança entre 5 e 7 anos. Até aí eles não têm um conceito de morte fechado. Ele entendeu uma parte. Mas diz que quer morrer para encontrar o pai. É uma forma de dizer que sente saudade. Ele pergunta: 'Onde o pai está? Tem celular para falar com o pai? Quero morrer para ficar com o papai'."

"É uma facada no peito. A mãe tem o desejo de proteger, blindar, de só fazer feliz. E de repente se depara com morte trágica, não tenho como protegê-lo do luto. Tenho como apoiá-lo. Faço tudo o que eu posso. Ajudo a enfrentar o luto dele."

"Mãe, se eu morrer vou ver meu pai?"

Tatiana, viúva do cinegrafista da Fox Sports Rodrigo Gonçalves, encara o mesmo problema. Os filhos Guilherme, de 16 anos, e Gabriel, de 12, caíram de rendimento na escola, mesmo com o apoio da instituição de ensino e ajuda de terapeutas.

"O Gabriel caiu muito do Dia dos Pais para cá. É muito difícil. Ele chorava e falava: 'Mãe, se eu morrer eu vou ver meu pai?' Poxa é triste demais. Não desejo para o meu pior inimigo", conta.

"O Rodrigo era um paizão, muito presente. Faz muita falta, é um buraco que será insubstituível", conta. "Quando a gente está ficando forte, vem tudo de novo, é o primeiro Dia dos Pais, primeiro Dia das Mães, primeiro Dia das Crianças, primeiro Natal."

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O bebê de 4 meses rodeado de fotos do pai

Tiago Filho tem apenas quatro meses, mas a mãe, Graziele de Aquino Alves, já sabe o que ele vai fazer quando crescer: "Quero que ele siga o legado que o pai deixou. Seguir os caminhos do futebol e levar como exemplo sempre. Se o pai dele estivesse aqui, o desejo do coração dele seria esse, então quero poder tornar esse desejo uma realidade”.

Seu pai é o atacante Tiaguinho, que morreu apenas cinco dias depois de descobrir que a mulher estava grávida. Tiago Filho não enfrenta os mesmos problemas que outras crianças. Mas isso não quer dizer que Tiaguinho não será uma figura constante em sua vida.

"Tenho certeza que ele não vai sentir tristeza, mas muito orgulho do pai. Quero mostrar a cada dia o quanto o pai dele foi maravilhoso, um guerreiro, um verdadeiro herói. A nossa casa é rodeada de fotos. Ele não está fisicamente conosco, mas eu quero, com as fotos, fazer ele permanecer vivo dentro da nossa casa, do nosso coração sempre. E quando ele perguntar, mostrar: 'Esse é o seu pai, o seu herói, que vai te proteger para sempre, meu filho.'"

"Eu acho que Deus e o meu marido me deram uma sabedoria suficiente para ser mãe e pai do meu filho. O pilar da nossa casa era o Tiago, mas hoje o pilar da casa sou eu. Tenho apenas 20 anos, mas parece que já vivi muito mais. Tenho uma maturidade para poder auxiliar tudo, cuidar da casa e do meu filho tudo ao mesmo tempo e sozinha. Antes de fazer qualquer coisa, eu penso como o meu marido gostaria que fosse e levo seguindo a minha vida com Deus no controle e minha família me dando auxílio e me ajudando sempre", conclui.

"Sensação de que devolviam meu marido em pedaços"

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