Mago de sangue quente

Briga com Renato Gaúcho tirou Djalminha do Flamengo, mas o ajudou a fazer magia na Europa

Adriano Wilkson e Vanderlei Lima Do UOL, em São Paulo

No dia em que completou 47 anos, Djalma Feitosa Dias recebeu uma homenagem incomum. O perfil do Campeonato Espanhol no Twitter publicou um vídeo da cena que marcou sua carreira como jogador de futebol. Ali se via Djalminha vestindo a camiseta alviazul do Deportivo La Coruña. Ele tem cinco jogadores do Real Madrid à sua frente, bloqueando seu caminho rumo ao gol. Para ultrapassá-los, inventa uma solução única, jamais vista no mundo real longe dos videogames.

A lambreta

Ele passa na frente da bola, deixando-a atrás de seus pés. Antes que os defensores possam processar a dinâmica da jogada, Djalminha levanta a bola com um de seus calcanhares e a arremessa para o alto. A bola descreve uma parábola no ar, supera os marcadores e cai nos pés de um atacante do Deportivo dentro da área, surpreendendo a defesa e deixando a torcida entre atônita e maravilhada. Ali, naqueles poucos metros de gramado do estádio Riazor, em La Coruña, estava apresentada ao mundo a lambreta.

Ou, como preferem os ingleses, o drible do arco-íris.

Segundos depois, o La Coruña faria o primeiro gol da partida, que terminaria em goleada por 5 a 2 sobre os galácticos do Real Madrid, no ano 2000. Ao fim da temporada, o time da Galícia conquistaria seu único título do Campeonato Espanhol, com “o mago” Djalminha no comando técnico. Sua capacidade de jogar futebol de maneira plástica e criativa encantou os europeus.

Mas isso só foi possível porque o meia protagonizou, sete anos antes, uma troca de empurrões e xingamentos com Renato Gaúcho, quando os dois estavam no Flamengo. Nesta entrevista, Djalminha, hoje comentarista da ESPN, conta como sua saída da Gávea contribuiu para o desabrochar de sua carreira e fala de outros momentos em que seu sangue quente ferveu.

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Sombra de Zico atrapalhou começo no Flamengo

Filho de Djalma Dias, zagueiro com passagem pelo Palmeiras, Santos e seleção brasileira, Djalminha nasceu em Santos, mas logo se mudou para o Rio. Começou nas categorias de base do Flamengo, e só deixou o clube depois do desentendimento com Renato Gaúcho.

Ele acredita que a sombra de Zico prejudicou muitos meias habilidosos que surgiram na Gávea depois que o Galinho de Quintino se aposentou.

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Ataque dos 102 gols e o time mágico

Depois de brilhar no Guarani e passar pelo Japão, Djalminha chegou ao Palmeiras para fazer história. Sob o comando de Vanderlei Luxemburgo e com patrocínio da Parmalat, o clube alviverde atropelou seus adversários no Paulista de 1996 e alcançou o recorde de 102 gols na campanha campeã.

"Cavadinha não era para humilhar"

Se Djalminha não inventou o pênalti com cavadinha, ele foi um dos grandes responsáveis por popularizar o truque no Brasil. Começou a enganar os goleiros ainda no Guarani, mas fez muitos gols batendo fraco no meio pelo Palmeiras: “Goleiro não gosta. Mas qual é a diferença entre a bola entrar no canto ou no meio? Não entendo esse aborrecimento."

Algumas vezes, precisou explicar para o próprio treinador que não fazia aquilo para humilhar o oponente. Vanderlei Luxemburgo, que dirigiu o Palmeiras nos tempos áureos, era um que não gostava da cavadinha. Uma vez, já vencendo por goleada, Djalminha resolveu esticar o placar batendo um pênalti dessa forma. Acabou recebendo uma bronca no vestiário.

”Ele achou que foi desrespeito. Depois, com muito custo, o convenci que não estava batendo para humilhar. Ele entendeu, mas não queria”, disse Djalminha.

Ele era um jogador que não costumava ouvir calado orientações com as quais não concordava.

Eu lembro de treinar com o Vanderlei e eu tocando muito com o exterior do pé naqueles dois toques. Ele parou e disse que não queria. Eu explicava que a bola estava na frente e que era mais fácil tocar assim do que virar meu corpo. Era pra dar mais velocidade ao jogo. Ele entendeu perfeitamente e seguiu. Tem que ter argumento para convencer.” 

Briga com treinador tirou Djalminha da Copa do penta

O temperamento de Djalminha marcou outro momento de sua carreira. Um dos melhores de sua posição, campeão espanhol e da Copa América com a seleção, o camisa 10 era bem cotado para estar no elenco que viajaria à Ásia para a Copa de 2002. Mas durante um treino, ele ameaçou agredir o técnico Javier Irureta e a briga colocou fim na trajetória do meia na Espanha e na seleção.

Djalminha foi emprestado a um clube na Áustria e não foi convocado por Luiz Felipe Scolari, que depois admitiria que o episódio com Irureta foi fundamental em sua decisão. “Aquilo chegou como uma bomba no Brasil”, lamenta Djalminha, que nunca disputou um Mundial.

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O que Djalminha pensa sobre:

  • Javier Irureta, técnico do La Coruña

    Eu não concordava com as ideias futebolísticas dele. Eu jogava, mas não concordava. Achava que nosso time poderia ser mais ofensivo, tinha jogadores para isso. Ele, como era um treinador de mentalidade pequena, chegar em quarto, quinto ou terceiro, estava excelente.

    Imagem: Divulgação/Atlético de Madrid
  • Roberto Carlos, rival no Espanhol

    O Roberto Carlos me conhecia. Num jogo, ele ficou louco que eu bati um pênalti de cavadinha no Casillas. Ele tava avisando, e o Casillas não viu. Eu bati, o Casillas pulou e ele ficou louco. Os caras ficavam marcando, sabiam que eu fazia as coisas.

    Imagem: REUTERS/Fatih Saribas
  • Denilson, comentarista da Band

    Denilson é bem mais novo que eu, mas tinha mais experiência em TV. Ele me deu um toque, chegou e disse: "Djalma, tem que ser natural, quem você é". O Denilson é daquele jeito, eu jamais conseguiria fazer um personagem. É o jeito dele.

    Imagem: Paulo Camilo/UOL
  • Relação com a imprensa

    Sempre coloquei na minha cabeça sobre qualquer crítica: "Eu só tenho uma arma, que é o futebol". Eu jogando bem, não adianta. O cara da imprensa pode me odiar, mas vai falar bem porque eu joguei bem. Minha arma é essa: entrar em campo e jogar bem.

    Imagem: Getty Images/iStockphoto
  • Amoroso e Luizão, colegas de Guarani

    Na minha vida, o Amoroso é um irmão. Nos damos muito bem. O Luizão é meu compadre, sou padrinho do filho dele. Fomos juntos para o Palmeiras, juntos para o La Coruña e estamos aí até hoje.

    Imagem: Priscila Gomes
  • Copa do Mundo

    Acho que tinha condições, de ter ido. Mas não sinto falta. Em uma carreira de 18 anos, não posso querer tudo. A Copa do Mundo seria o máximo. O que todo mundo almeja, eu não cheguei, mas não posso me lamentar por causa disso.

    Imagem: Matthias Hangst/Getty Images

"Fair play é maravilhoso, mas o futebol é um jogo de engano"

Aposentadoria aos 34 anos foi por "falta de tesão"

Fui perdendo o tesão, enchendo o saco. Eu reclamava de treino físico, de concentração, parecia aqueles velhos ranzinzas. Não esperei estar em baixa para parar. Parei tranquilamente. Quando voltei para o Brasil, recebi algumas propostas, inclusive uma meio indecorosa do Palmeiras, mas já não queria saber de bola.

Djalminha, sobre fim da carreira no América-MEX em 2004

Wagner Meier/AGIF Wagner Meier/AGIF

"Gostava de tomar minha cervejinha e fazer churrasco"

Quando estava no América do México, Djalminha sofreu com lesões e resolveu se aposentar aos 34 anos. Os primeiros meses com as chuteiras penduradas foram intensos.

“Fui para a praia. Pedi uma caixa de cerveja sem me preocupar com nada. Exagerei nos dois meses, achava que o mundo ia acabar”, disse ele. Quando jogava, o canhoto precisava conciliar a atração pela vida boêmia com o equilíbrio de um jogador profissional.

“Eu aprendi direitinho, escutava os mais velhos. O maestro Júnior sempre falava: ‘Dá para fazer tudo, mas tudo tem sua hora’. Na hora de folga, você pode curtir. Você não vê o Neymar? E o profissional que ele é, alguém sabe? O quanto ele se dedica? E não deixa de curtir a vida. Dá para fazer tudo, mas não todo dia, toda hora. Eu gostava de ir para festa, tomar minha cerveja, churrasco com os amigos, isso é coisa deliciosa. Eu sempre defendo o atleta profissional porque os caras são jovens e precisam viver no momento que dá.”

Mesmo nesse ritmo de curtição, Djalminha procurava responder em campo, para não receber cobrança da torcida, da comissão técnica ou da diretoria:

“O que não pode é estar mal fisicamente, chegar bêbado para treinar. Você tem que saber seus limites também para não extrapolar. Entre todos os clubes que eu joguei, eu sempre estive entre os sete melhores fisicamente. Pelas características do meu jogo, achavam que eu não gostava de correr. Mas eu gostava de correr mais para frente do que para trás, disso não tenha dúvida.” 

Mais Djalminha

Se você curtiu a entrevista, confira na íntegra a entrevista exclusiva de Djalminha no canal do YouTube do UOL Esporte.

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