
Walter Casagrande Júnior chega usando uma camiseta dos Blue Brothers e um chamativo anel de caveira. Ele está acompanhado. Depois de alguns minutos de conversa, entendo que se trata de sua amiga e terapeuta, Graziela. Ela assiste a toda a entrevista, que dura mais de uma hora. Os dois vão comer algo depois. O fato não é novidade para quem leu seus livros, nos quais ele se refere com muito respeito às suas terapeutas, que o ajudaram a superar uma fase crítica.
Casão é um cara do futebol à moda antiga. Ele mesmo marcou a entrevista, que foi feita de peito aberto. Sem restrições. Sem esquivas burocráticas. Só diretos.
É impossível não lembrar da primeira entrevista do ESPORTE(ponto final), há alguns anos, com sua eterna dupla, o camisa 8. Sócrates sentou-se e disse: "vamos falar sobre o que vocês quiserem, economia, crise mundial..."
Com o camisa 9 também foi assim. Discutimos sobre os mais variados assuntos: o seu maior momento no esporte, ser um alvo da polícia em tempos de ditadura, a relação atual com jogadores popstars, a exposição na mídia e nas redes sociais.
Quando falamos do Doutor, é notório que o Magrão adorava a vida, era um observador do comportamento humano e um insatisfeito com muitas coisas em nosso país, característica de muitos pensadores.
Então, uma pergunta foi inevitável sobre o velho amigo: "Sócrates foi um cara feliz?"
Casagrande respondeu com muita propriedade.
Fui campeão paulista em 1982 com 19 anos e fui artilheiro do campeonato, com a Democracia Corinthiana. Todo mundo que era a favor da ditadura estava contra. Foi uma vitória não só do futebol, mas uma vitória da democracia, a primeira vitória da democracia.
A Democracia venceu o campeonato e os problemas seriam maiores, dali em diante, pra todo mundo e principalmente pra mim, porque eu era mais jovem. Os ataques de quem era contra a democracia iriam aumentar. E a gente ia virar foco. Eu ia virar um foco pesado.
Corintiano de coração, Casagrande chegou à base do Parque São Jorge, o tradicional “terrão”, aos 13 anos. Subiu para o profissional em 1980, mas logo de cara brigou com Oswaldo Brandão, um dos maiores treinadores da história do clube, e com o folclórico presidente Vicente Matheus.
Acabou emprestado à Caldense. As boas atuações no futebol mineiro o credenciaram a retornar ao Corinthians, em 1982. Na estreia com a camisa 9 alvinegra, anotou quatro gols na goleada por 5 a 1 sobre o Guará, no Pacaembu.
Com 18 para 19 anos, encarou com naturalidade a responsabilidade de atuar ao lado do capitão da seleção brasileira.
“Não ficava pensando muito: pô, é o Sócrates! Nada disso. Eu entrava em campo pra jogar, foda-se! Fumava minha maconha no sábado à noite, concentrava no domingo, ia lá, jogava, e não estava nem aí. Por isso, a parceria funcionou. Eu ser muito louco naquela época, com 19 anos, me ajudou a não ficar pensando na dificuldade de jogar com um gênio ao lado”, conta, em seu livro Sócrates & Casagrande, escrito junto com o jornalista Gilvan Ribeiro.
De cara, a gente se ligou um no outro. O Magrão me ajudou a evoluir como pessoa, me ajudou a concluir pensamentos políticos, de comportamento. Eu passava pra ele aquela impulsividade do cara jovem. E ele me passou a coisa de ponderar. Aprendi muita coisa nesse sentido.
Quando a bola vinha para o Sócrates, ele já tinha na cabeça quatro jogadas para fazer, porque ele era genial. Eu não era genial, eu era um ser humano comum. Precisava tentar adivinhar o que o Sócrates ia fazer. Esse tipo de comportamento dentro de campo me fez evoluir no raciocínio.
A afinidade de Casagrande com Sócrates foi instantânea. E logo eles foram para a mesa do bar. Comemoravam as vitórias na balada, ao lado de artistas, como ocorreu na noite cearense, na companhia do cantor e compositor Fagner, após uma vitória por 4 a 2 sobre o Fortaleza – foi o primeiro jogo em que atuaram juntos.
No Parque São Jorge, frequentavam o Bar da Torre. Críticos da oposição não digeriam o fato de dois jogadores profissionais tomarem cerveja dentro do clube, logo após os treinos.
E foi no boteco que ganhou corpo a ideia de implantar no Corinthians uma gestão com a participação dos atletas, que poderiam votar para definir temas referentes ao dia a dia do time. Surgia ali o movimento da Democracia Corintiana, que também saiu às ruas no combate ao aparelho repressivo instalado pela ditadura militar.
Casagrande vive no mundo do futebol há quatro décadas. Pendurou a chuteira há mais de 20 anos, porém segue no meio, atualmente como principal comentarista de futebol da Rede Globo.
Frequenta os bastidores dos clubes, a concentração da seleção brasileira... E tem contato com os atletas de hoje.
Na verdade, esse contato está cada vez mais raro. Casão diz que os jogadores brasileiros se acham "popstars" e é difícil manter uma relação com eles.
Na Copa de 2002, eu entrava no elevador com o Ronaldo e nos cumprimentávamos. Hoje em dia, faço jogos da seleção e raramente encontro algum jogador. Se eu encontro, o cara está com aquele fone de ouvido que significa 'não quero conversar'.
O meio de comunicação está impulsivo. O cara de um blog vê o Casagrande entrando num bar, tira uma foto e não reflete: 'o que o Casagrande está fazendo no bar?'. Não dá mais tempo. O cara manda pro ar. Em um segundo, todo mundo está sabendo.
A cobrança da exposição é muito difícil. Hoje o maior peso que o jogador de futebol tem é a cabeça, porque ele é visto o tempo todo, as coisas do cara saem o tempo todo... Isso aí pesa muito!
A entrevista com Walter Casagrande Júnior foi realizada pelo ESPORTE(ponto final), um canal onde personalidades do esporte falam sobre os grandes momentos que viveram.
A cada semana, episódios inéditos serão lançados em esporte.uol.com.br/esportepontofinal. E você também pode acompanhar nas mídias sociais: youtube.com/esportepontofinal e facebook.com/esportepontofinal.