"Ainda não acabou"

Aos 37 anos e sem clube, zagueiro Rodrigo não quer acabar a carreira marcado por uma "dedada" no adversário

Karla Torralba e Marcello de Vico Do UOL, em Campinas (SP)
UOL

"Aquele não sou eu"

O Rodrigo que falou com o UOL Esporte não é o mesmo homem que virou símbolo do rebaixamento da Ponte Preta à Série B em 2017. Não é o mesmo que foi criticado por um cartão vermelho em um jogo decisivo. E, principalmente, não é o mesmo que foi marcado pela ‘dedada’ no rival Tréllez, a última grande polêmica do último Brasileirão, que recomeça no sábado (14).

Com o sorriso no rosto, o zagueiro falou com a reportagem por mais de 2 horas, aberto para discutir os assuntos mais delicados da carreira. Ele não pediu para pular nenhuma pergunta. Respondeu sobre seu último jogo pela Ponte Preta, o relacionamento com o ex-técnico Milton Mendes, a saída difícil do Vasco, os inimigos que fez no futebol e Tréllez.

Aos 37 anos e sem clube, Rodrigo continua em Campinas. A rotina tem saídas para a academia e encontros com o amigo Luis Fabiano, que também vive na cidade. Mas falta algo. “Eu não queria parar da forma que está. Acho que não seria bom, até pelo o que fiz no futebol, o que eu ganhei. Seria bacana parar em um clube. Estou com mais vontade, porque jogaram muito na minha conta. Aquele não sou eu”.

"Passei a mão na bunda dele? Passei"

"Eu fui juvenil. Ele, esperto"

O zagueiro não busca justificar seu gesto. Quando você pergunta se ele se arrepende de ter agredido o colombiano Tréllez como fez, ele responde que sim. Mas acha que as coisas não precisavam ter sido assim. 

“Dizem que eu provoquei e puxam só as minhas imagens. Estávamos ganhando o jogo por 2 a 0, não tinha motivo para provocar. Naquele momento, eu fui o juvenil e ele foi o esperto. A verdade foi essa”, diz.

Sua explicação é que houve agressão mútua. Mas só a sua foi levada em conta pelo árbitro Ricardo Marques Ribeiro. “Eu já provoquei muitos jogadores e me dei bem. Dessa vez eu me dei mal. Pode ver: quando ele pisa no meu pé, ninguém reclama. O árbitro está atrás, mas cada um vai para o seu canto. O que eu lembro do lance é que eu estava conversando com o Aranha e vi o árbitro”, explica.

Você acha que rebaixou a Ponte?

O importante é que estou com a consciência tranquila. Cada um fala o que quer, mas eu vejo futebol de outra forma. De 38 rodadas, ganhamos uma partida fora de casa. Eu tive influência no jogo? Tive. Eu deixei o time com 2 a 0. Mas e o resto? 38 rodadas na minha conta?

Sobre a culpa no rebaixamento da Ponte, que caiu após a virada do Vitória, que venceu por 3 a 2

O dia seguinte

O Yago foi o único do grupo que ligou, um dia depois. Ele estava comigo na Ponte, mas eu não esperava. Apesar das concentrações, acho que só fiquei duas ou três vezes com ele. É um cara de coração bom e torço muito por ele. Aquilo ali me fez muito bem

Sobre o apoio que recebeu do também zagueiro

Ele falou: "Não fica assim. São coisas do futebol, poderia acontecer comigo. Não foi só você que teve culpa, foi o grupo, os dirigentes, todo mundo. Rodrigo, fica com a cabeça boa. Você é um cara profissional, nunca faltou". O Sheik falou também, mas três dias depois

Lembrando da mensagem do companheiro Yago

De torcedor, recebi aquelas mensagens que sabia que ia receber... Descobriram meu telefone e ligaram. Engraçado é que eu acabei entrando num grupo do Vasco também, com gente pedindo para eu voltar. Mas eu troquei o número, claro

Contando que a torcida não teve a mesma reação dos companheiros

Friedemann Vogel/Getty Images Friedemann Vogel/Getty Images

O plano era encerrar carreira no Vasco

A maior das polêmicas de Rodrigo aconteceu na Ponte Preta. Mas, se dependesse do zagueiro, nada daquilo teria acontecido. Seu plano era encerrar a carreira no Vasco, clube que defendeu entre 2014 e 2017. Ele queria jogar mais alguns anos, aproveitar o status que tinha com a torcida e deixar o futebol em alta.

Os dois anos defendendo o cruzmaltino, porém, acabaram após uma conversa com o então presidente Eurico Miranda. O cartola explicou que o treinador do clube no momento, Milton Mendes, tinha pedido sua saída. E que ele não poderia fazer nada a respeito.

"Tenho um carinho muito grande pelo Vasco. O meu contrato era até o final do ano passado. Queria terminar a minha carreira lá".

Sobre Milton Mendes: "Eu te respeitei e você não me respeita?"

Relação com Euriquinho: "não existe mais"

Em seu período no Vasco, Rodrigo se aproximou (muito) de Eurico Brandão, o Euriquinho, ex-vice-presidente do clube e filho de Eurico Miranda. O zagueiro acreditava ter construído uma amizade fora de campo com o dirigente, forjada graças às visitas frequentes ao vestiário do time. A relação, porém, acabou com o pedido de Milton Mendes para que Rodrigo fosse negociado.

Buscando explicações sobre as atitudes do treinador, o zagueiro foi falar primeiro com a pessoa mais próxima que tinha na direção do clube, Euriquinho. “Ele dizia que depois falava comigo e nada”, conta. Rodrigo percebeu, então, que a relação dos dois não era exatamente amizade, mas uma necessidade profissional.

“O que deu a entender foi isso: ‘Preciso de você, ótimo. Não preciso mais, tchau’. Por mais que o cara seja vice-presidente, ele é homem. Vivemos o inferno, aguentei muita pancada por causa da família (de Eurico Miranda). Dentro do vestiário, ajudei muito. O que eu precisava dele eu ouvi do pai. Não dele. Não tenho rancor, mas para mim não existe mais”.

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São Paulo, o clube em que foi feliz

Rodrigo jovem e Rodrigo experiente. No São Paulo, o zagueiro foi ambos. O jovem de 24 anos conquistou o Campeonato Paulista e acabou vendido por 5 milhões de euros ao Dínamo de Kiev. Se tivesse ficado no clube, teria sido parte do grupo campeão da Libertadores e do Mundial de Clubes em 2005.

“O São Paulo representa tudo. Foi onde comecei, o lugar que me proporcionou ir para fora. Poderia ter proporcionado mais. É um lugar que eu quero frequentar quando parar. Eu vivi muitos momentos bons, amizades, joguei com um cara como o Rogério Ceni. Ele era fera”.

Rodrigo voltou três anos depois para comemorar o título brasileiro de 2008 – quando uma passagem com o técnico Muricy Ramalho o marcou. O São Paulo estava a 11 pontos do primeiro colocado, o Grêmio. “Nunca vi um treinador fazer isso até hoje. Não estávamos encaixando. O time estava horroroso. Ele parou um treino e disse: ‘para, para, para. Pode todo mundo ir embora! Não quero ninguém no clube. Quando vocês resolverem treinar e fazer o negócio sério, vocês voltam’”, conta.

“Todo mundo olhou. Sentamos naqueles bancos do campo que tem a arquibancada. Lembro que o Miranda falou: ‘Tá feio, bicho. Eu vou embora para minha casa’. Todo mundo foi embora. No outro dia, começamos a ganhar”.

Rubens Chiri / saopaulofc.net Rubens Chiri / saopaulofc.net

O vestiário do São Paulo após o título de 2008

Em 2008, o São Paulo conquistou o título do Brasileirão após vitória por 1 a 0 sobre o Goiás. Era o terceiro título nacional seguido para a maioria daquele grupo de jogadores, mas o primeiro de Rodrigo.

“Fomos jogar em Brasília contra o Goiás. Ganhamos com gol do Borges. Aí falei: ‘vamos comemorar o primeiro título brasileiro’. Cheguei no vestiário e parecia que todo mundo estava pensando em outra coisa. ‘Vou pegar o voo daqui para não sei onde’. Metade do time foi embora. Ninguém comemorava mais”.

“Parecia que eu estava vibrando por todo mundo. Os caras estavam vindo de Mundial, de Brasileiro. Nem conseguiam comemorar mais”, conta. “Fomos para uma churrascaria perto do CT. Olhei e só tinha a comissão técnica, torcedor. O Jorge Wagner estava porque a família dele foi. Dos 30 jogadores do time, tinha sete”, brinca.

Nada, porém, que atrapalhasse o sabor da conquista. “Foi o meu melhor final de ano da vida”, completa.

Luis Fabiano foi "fiador" da BMW de Rodrigo

Paulo Fernandes / Flickr do Vasco Paulo Fernandes / Flickr do Vasco

Luis Fabiano foi para o Vasco por causa de Rodrigo

Pô, Luis, eu quero encerrar a carreira com você. Começamos juntos, vamos parar juntos. Vem para o Vasco, porque para sair daqui não dá, tenho estrutura, a torcida gosta de mim e eu quero parar no fim do ano

Sobre como convenceu o amigo a ir para o Vasco

Minha saída aconteceu depois que ele chegou. Se eu tivesse saído antes, ele não iria. Mas esperaram ele assinar [para mandar Rodrigo embora]. O Luis falou que ia embora, mas eu disse para ele ficar, porque ia amar

Dizendo que se sentiu usado pelo clube

Folha Imagem Folha Imagem

"Eu perdi o timing da seleção brasileira"

Rodrigo faturou duas Bolas de Prata ao longo da carreira: em 2004, jogando pelo São Paulo, e em 2013, já vestindo a camisa do Goiás. Em sua primeira passagem pelo clube paulista, antes de seguir para a Ucrânia, atuou em alto nível ao lado de Lugano e Fabão. Segundo ele, esteve perto de ser convocado para a seleção brasileira.

“Eu perdi o timing da seleção”, analisa. “Eu tive decisões na carreira em que fui muito mal. Não tinha um empresário que falava para ter calma. Apareceu muita coisa que eu não soube levar. Na época, veio a proposta do Dínamo e o Juca [Pacheco, assessor de imprensa] disse: ‘não vai porque você será convocado’. Pensei que ele estava louco. Ele disse que iriam Grafite, Cicinho, Josué, Mineiro e eu. Todos foram na despedida do Romário, no Pacaembu [em 27 de abril de 2005, um 3 a 0 contra a Guatemala]”, recorda Rodrigo.

“Eu tinha saído dois meses antes e não fui convocado. Mas não me arrependo. Joguei Champions League e vivi uma vida bacana. Nessa época, o Juca também falou que o Real Madrid estava me olhando e que levaria eu e o Cicinho. O Luxemburgo estava lá. A verdade é que eu não acreditava nas coisas”.

Joka Madruga/Futura Press Joka Madruga/Futura Press

O amigo Kleber Gladiador e o frio na Ucrânia

Na Ucrânia, Rodrigo contou com a ajuda de Kleber Gladiador, um dos poucos amigos que tem. A fama do atacante foi, de certa forma, justificada pelo zagueiro: “Todo mundo criticava o Kleber por cotoveladas. Mas ele ficou sete anos na Ucrânia jogando só com nego gigante. Era o estilo de jogo de lá. Ele falava: ‘Ou eu apanho ou a hora que vou bater, os caras dão falta’. Ele ficava irritado. Sofreu um pouco na volta ao Brasil. Mais do que eu”.

Foi com ele que Rodrigo viveu uma das histórias mais hilárias de sua passagem pela Ucrânia: “Quando eu cheguei no primeiro jogo, vi uma bola laranja e outra branca. Eu perguntava para o Kleber por que era assim e ele dizia que era caso furasse uma. O jogo passava ao vivo na TV e aí vi tudo branco, a bola alaranjada. Não dava para ver a neve caindo. Nisso, vem o Kleber com um tufo de gelo na cabeça. Pensei: ‘O quê? Não vou entrar nessa coisa aí, não’. Aí me disseram: ‘Rodrigo, você vai entrar’. Eu disse que não estava passando bem e falei para o treinador que me assustei. Foi a pior coisa que fiz, porque comecei a ir para o time B para me adaptar".

"O que é ser bad boy?"

Reprodução/Twitter Reprodução/Twitter

Rodrigo treinou escondido no Corinthians (e foi embora)

Rodrigo quase foi parar no Corinthians em 2006, quando ainda tinha vínculo com o Dínamo. Na época, o time paulista era parceiro da MSI, dirigida pelo empresário Kia Joorabchian. Foi por causa de Kia que o zagueiro passou alguns meses treinando escondido no Corinthians.

“Eu não treinava no CT do Corinthians. Naquela época, aquilo era só contêiner. Não tinha campo e nem nada. O elenco treinava na marginal [Parque São Jorge]. Eu só treinava no clube quando o elenco viajava”.

Ele só não ficou no Corinthians porque o clube e Kia tiveram um problema com outra contratação. “Eu me machuquei e não deu mais pra ficar no Dínamo. O campeonato era muito fraco. Tentamos ir para a Espanha, mas não deu certo. Então fui treinar no contêiner. O Kia ia me comprar, mas deu um rolo com a contratação do Nilmar. Precisaram pagar e não deu certo”, lembra.

Nelson Perez/Fluminense FC Nelson Perez/Fluminense FC

Fred, a maior inimizade

Fred é a maior inimizade que Rodrigo construiu no futebol. Não por uma entrada desleal, mas por um comentário a respeito da embolia pulmonar sofrida pelo zagueiro em 2009. "Depois de um jogo, ele foi para o vestiário, tomou banho, ficou tranquilo, voltou e falou da minha vida pessoal [Fred disse que Rodrigo estava aposentado e deveria aproveitar sua segunda chance]. Ele não sabe o que eu passei. Um ano sem jogar bola, médico fazendo exame da cabeça aos pés. Esse cara, para mim, não existe". E marcar Fred, era difícil? "É nada. O jogador mais fácil que eu já marquei na vida".

Paulo Fernandes / Site oficial do Vasco Paulo Fernandes / Site oficial do Vasco

Jorginho e as desculpas

A polêmica com Jorginho, ex-técnico do Vasco, foi diferente. "Foi o único cara com quem faltei com respeito. Pedi para um companheiro treinar sério. O Jorginho não gostou: "Quem manda aqui sou eu". Eu falei: "Pô, Jorginho. Realmente, mil desculpas". Tinha muita gente no treinamento que viu. Saí do treino e fui embora. Senti que não tinha mais condições. Depois conversamos e ele saiu chateado, falando que jamais trabalharia comigo de novo. Mas quando ele saiu do Vasco, um mês depois, um amigo, gerente de futebol, perguntou dele. Eu disse que poderia levar de olho fechado.

Reprodução Reprodução

"Jogador que vê programa de debate não joga mais"

Assistir a programas de debate na televisão é algo que não faz parte do dia a dia de Rodrigo. Segundo ele, acompanhá-los é prejudicial. “Eu gosto muito da Fox, com o Benja. São entrevistas individuais, que falam mais da carreira do cara. Programa de debate eu não gosto de assistir. Não sei, não me sinto bem”.

“O jogador que assiste a um programa de TV, principalmente de debate, não joga mais”, fala. “Eu sofria muito. No meu último ano no Vasco, que é o que caímos, era muita pancada em mim. Tudo o que acontecia era eu. Lembro que eu e o Nenê éramos os caras mais ligados, mas diziam que eu era brigado com ele. Chegou uma hora em que deixamos os caras falarem. Eu pensava: ‘Será que eles não veem que nós saímos para jantar?’”

Jeremias Wernek/UOL Esporte Jeremias Wernek/UOL Esporte

No Grêmio, Rodrigo conviveu com câncer da mãe

Nenhum momento na carreira foi tão complicado como o que Rodrigo viveu em 2010, no Grêmio. Nesse ano, a mãe do zagueiro estava com câncer terminal. “Eu quase não treinava. Saía do Sul, vinha para Campinas e pegava um carro para ver minha mãe. Eu perdia quase três treinos na semana”.

O desgaste emocional (e o clima nada amigável com a diretoria do Grêmio) acabou em um desentendimento com a nutricionista do clube. “Eu estava entrando no hotel e minha irmã ligou dizendo que a mãe tinha voltado para o hospital. Eu estava na mesa e o Victor, goleiro, que estava na minha frente, pediu uma Coca-Cola. Ela falou que não estava liberado refrigerante. Eu disse: ‘Pô, não pode liberar nada?’. Na hora em que eu me mexi, caiu uma taça. Nesse mesmo dia, pedi desculpas [à nutricionista]. Meses depois, em uma entrevista, disseram que eu joguei guaraná na cara dela”.

Se a relação com a mãe era próxima, o contato com o pai é respeitoso, mas restrito. Rodrigo assumiu o papel de homem da casa aos 13 anos, depois dos pais se separarem. “Com meu pai eu tenho respeito. Só que é engraçado. Não temos uma relação de ficar ligando, só o vejo em datas assim… Acho que todos os pais imaginam ligar para o filho e perguntar se está bem. Isso eu nunca tive. Minha mãe quem fazia isso”, conta. 

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