Ela aguenta porrada

Como é ser Cris Cyborg, campeã do UFC que encara ataques de haters, críticas de rivais e piadas de superiores

Brunno Carvalho e Jorge Corrêa Do UOL, em São Paulo
Lucas Lima/UOL

Força da natureza x sensibilidade

Cris Cyborg em ação no octógono é uma força da natureza. Invicta há 12 anos, ela é, provavelmente, a mais dominante lutadora da história do MMA. Só que Cyborg não é só porrada.

Atrás do estilo arrasador de luta, há uma pessoa sensível que enfrenta preconceitos tão fortes quanto seus chutes. Como você lidaria com as críticas constantes de suas rivais? Como aguentaria haters, comediantes e até seu chefe questionando sua feminilidade?

A brasileira enfrentou tudo isso - nem sempre de cabeça fria. Sua troca de farpas com Ronda Rousey é famosa. Há pouco tempo, brigou com uma rival no meio de uma festa do UFC. Há, também, o caso de doping.

Em entrevista ao UOL Esporte, Cyborg abriu o coração. Falou de Ronda, Dana, do câncer do pai, do divórcio, de feminilidade, do doping, de bullying...

O que VOCÊ faria se ouvisse isso?

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Ronda Rousey

"Essa garota tem usado esteroides e tem tomado injeções há tanto tempo que ela não é mais uma mulher. É uma 'coisa' e isso não é bom para a divisão feminina".

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Dana White

"Quando eu vi Cyborg no MMA Awards, parecia Wanderlei Silva em um vestido. Ela estava subindo as escadas e parecia Wanderlei Silva em um vestido e salto".

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Joe Rogan

Em um podcast com o também comediante Tony Hinchcliffe, os dois brincaram que a lutadora "é a única pessoa que corta peso cortando o pênis fora".

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Lutadora tem de provar diariamente que é mulher

As pessoas acham que você não tem família. Só que você tem. O Joe Rogan fez uma brincadeira, é comediante. Mas fazer comédia com uma coisa séria dessas? Se é um homossexual que fez uma cirurgia de pênis, não é comédia. É crime.

Então, quando você fala que uma pessoa precisa cortar o pênis pra poder lutar em tal categoria, também seria um crime, não é? Só não é crime porque eu não fiz operação nenhuma. Mas que continua sendo errado.

Imagina um pai lendo isso sobre a própria filha? Meu pai me chama de Bebê. Ele acha que eu sou a princesinha dele. Eu posso bater nas pessoas para viver, mas para o meu pai eu serei sempre o bebê dele. Então, antes de ridicularizar uma pessoa, você tem de lembrar que o seu alvo também tem família, pode ter filho, mãe e pai.

A brincadeira que pareço um homem, que pareço o Wanderlei de vestido, eu escuto há anos e não me incomoda. Eu até brincava que o Wanderlei é meu irmão gêmeo. Eu tento mudar o sentido do comentário e levar para o lado comédia

Sobre as críticas sobre aparência

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Não tem conversa: com haters, é block

As piadas em relação à aparência física fizeram de Cris Cyborg alvo de “haters”. Para não se estressar, a lutadora tem uma atitude simples: bloqueia nas redes sociais. “A maioria deles está bloqueada. Se quiserem seguir Cris Cyborg, a campeã do UFC, vão ter que fazer outro perfil. Ou vão ter que me odiar para sempre”.

Mesmo dizendo não se abalar com os comentários, a lutadora admite que evitar entrar nas redes sociais antes de seus combates. “Não dá para ler antes da luta. Às vezes é uma criança de seis anos te criticando, você lê e aquilo fica na sua cabeça. Então é melhor não ler. Ou ler e bloquear, para nunca mais escrever no seu Instagram”.

Ela deu um soco em uma hater (que também luta MMA)

No final de maio de 2017, uma nova polêmica recolocou o nome da brasileira no holofote: ela deu um soco na também lutadora Angela Magaña, em uma festa do UFC em Las Vegas (EUA). Por que? Porque a rival era, também, uma das haters que Cyborg conhece bem.

Nas redes sociais, Magaña havia compartilhado uma foto da brasileira durante uma visita em um hospital infantil em Curitiba. E a comparou com um personagem do filme “Jogos Mortais”.

Em um vídeo reproduzido nas redes sociais, as duas aparecem discutindo até que Cyborg se irrita e acerta um soco em Magaña. A norte-americana chegou a prestar queixa contra a brasileira. O caso ainda corre na Justiça, mas Cyborg não corre risco de ser presa.

A explicação para a briga com Magaña

Rigel Salazar/Ag. Fight Rigel Salazar/Ag. Fight

Ronda atacou Cyborg para aparecer?

Por anos, a expectativa de um duelo entre Cyborg e Ronda Rousey dominava as notícias do MMA feminino. Elas nunca se encontraram e a luta nunca aconteceu, mas cada provocação era um prato cheio para aumentar as especulações sobre o combate.

O irônico é que o discurso de Ronda era parecido com o dos haters que Cyborg costuma bloquear. Mas era impossível bloquear uma atleta famosa como a norte-americana. “Ela usou a estratégia de me criticar para que as pessoas soubessem quem era a Ronda. Todo mundo sabia quem era a Cyborg, ninguém sabia quem era a Ronda”.

Cyborg diz não ter nada pessoal com Ronda, mas não esconde o incômodo com os comentários feitos pela norte-americana – incluindo aquele sobre ser um homem lutando entre mulheres. “Não concordo com muitas coisas que ela fez. Você não precisa ridicularizar alguém para crescer”.

Depois de duas derrotas, para Holly Holm e Amanda Nunes, Ronda Rousey não dá indícios de que um dia voltará ao MMA. Com isso, a luta entre as duas não deve, mesmo, acontecer.

Primeiro, a troca de farpas...

Cris Cyborg está totalmente fora dos planos. Teve a chance dela e não aproveitou. Mas o mundo não vai parar por isso. Na verdade, ninguém sabe quem é ela

Dana White

Dana White, em 2013, sobre uma luta de Cyborg com Ronda.

Cyborg é irrelevante hoje. Ela que tente vencer em algum lugar. Que recupere a fama, mantenha-se limpa e reconstrua a carreira. Então, podemos voltar a conversar

também Dana

também Dana, quando ?liberou? Cyborg para lutar em outra organização.

O que Dana White quer é que eu lute com Ronda com ambas as mãos atadas atrás das costas. Para calar a boca de todos, eu lutarei com uma mão amarrada nas costas e pesando até 63,5 kg. E ainda vou chutar a bunda dela para provar que sou a campeã real

Cris Cyborg

Cris Cyborg, respondendo a Dana White, que negava uma luta entre Cyborg e Ronda Rousey

Josh Hedges/Zuffa LLC/Zuffa LLC via Getty Images Josh Hedges/Zuffa LLC/Zuffa LLC via Getty Images

...depois, o pedido de desculpas

A relação de Cris Cyborg com Dana White sempre foi complicada. Anos antes de a brasileira assinar com o UFC, os dois já trocavam farpas sobre uma possível luta com Ronda Rousey. A tensão chegou ao máximo quando o dirigente a chamou de “Wanderlei Silva de saias”.

Os atritos entre os dois deram uma trégua em junho. Ao anunciar que a brasileira lutaria pelo cinturão dos penas do UFC, admitiu que errou com ela.

“Realmente, cometemos alguns erros com relação a Cris Cyborg. Não foi fácil para ela aqui até o momento. Ela não ficou feliz com algumas das coisas que foram ditas e feitas. E, para ser honesto com você, ela está certa. Então, o mínimo que podemos fazer é consertar essa m… toda e dar ela uma luta pelo título”, disse o chefão.

Com o pedido de desculpas do chefão, Cyborg vê a questão resolvida. “Não somos melhores amigos, mas o respeito como patrão e ele me respeita como atleta. Assim que ele admitiu que errou, a mágoa que eu tinha foi embora”. 

Cris admite erro em caso de doping

Eu sempre tive problema para perder peso. Durante toda a minha carreira lutei contra isso. Antes de uma luta, não estava conseguindo perder peso e conversei com um amigo. Ele me deu algo para tomar. “Não cai no doping, meus atletas usam e não acontece nada”. Mas aconteceu. Caí no doping.

Perdi meu cinturão e acabou com a minha vida. Errei por ter confiado em uma pessoa e por não ter consultado um médico. Errei, é lógico. Pô, fiquei um ano sem lutar, fora o que escutei por seis anos. E ainda sigo escutando.

Mas não me arrependo do que aconteceu: aprendi muito. Melhorei como atleta e como pessoa. Eu valorizava demais meu cinturão, achava que ele era tudo. E não era nada. As pessoas ao seu redor ão que são especiais para você. O caso do doping serviu para eu valorizar as coisas que eu deveria valorizar. Mudou os valores da minha vida.

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Como virar "mãe postiça" ajudou na superação

A suspensão de um ano do MMA por causa do doping veio ao mesmo tempo em que Cris passava pelo processo de divórcio com o também lutador Evangelista Santos. Um período difícil em que a brasileira foi salva por um “plano” da mãe.

“Durante a suspensão, eu estava morando nos Estados Unidos. Minha mãe, sempre preocupada, mandou minha sobrinha Gabi para morar comigo nos últimos seis meses. Eu ocupava minha cabeça pegando ela na escola, fazendo almoço. Às vezes ela falava: ‘Por que você está chorando?’. Foi minha psicóloga. E só tinha seis anos”.

Eu nem tinha percebido a estratégia da minha mãe. Foi uma ideia dela para que eu não ficasse sozinha. Eu tive seis meses de mãezona”.

Mãe não queria que ela lutasse

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Pai ficou revoltado com bullying

Uma das pessoas que mais sofre com as provocações é o pai de Cyborg, seu Jurandir. Cris conta que precisou acalmá-lo durante a repercussão do comentário de Joe Rogan.

“O meu pai ficou chateado, minha mãe chorou, mas tentei mostrar para ele que aquilo não me atingiu. Para um pai, ler isso na internet não é legal. Meu pai ainda me chama de ‘bebê’. Vou sempre ser o bebê dele”.

A postura resistente perante o bullying, porém, desaparecia quando a lutadora ficava sozinha. “Sempre mostrei para ele que estava tudo bem, mas quando você está sozinha, sabe que aquilo te chateou. Eu me perguntava da razão disso tudo. Nunca fiz mal para ninguém, nunca xinguei ninguém. Por que merecia que fizessem esse tipo de brincadeira comigo?”.

Atualmente, seu Jurandir luta contra o câncer.

Quando Cyborg vira Cris Justino

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Cyborg cogitou aposentar apelido após separação

Cris Justino virou Cris Cyborg para o mundo da luta por causa do casamento com Evangelista Santos, o "Cyborg". Em 2011, o casal colocou ponto final em uma relação de seis anos. "Pensei em deixar o apelido quando me separei. Ia até fazer uma enquete com meus fãs para definir um novo nome". O ex-marido, porém, deu a benção para que ela continuasse com a alcunha e o apelido permaneceu. Assim como a amizade com ele. "Converso sempre com ele. Ele me conhece como a palma da mão dele. Fazíamos tudo juntos e o casamento foi desgastando. Então, resolvemos ir um para cada lado".

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Americano com jeitão brasileiro virou namorado

Desde 2014, Cyborg namora o ex-lutador Ray Elbe. A relação teve início em um mês de férias na Tailândia. "Ele também estava de férias e acabamos nos conhecendo. Ele gosta das mesmas coisas que eu e acabamos ficando três meses na Tailândia. Nos divertimos muito". O namoro se tornou oficial quando Elbe deixou o Kuwait e voltou a morar nos EUA. E ganha corpo a cada visita ao Brasil. "Ele gosta muito de vir para o Brasil. Todo mundo acha que ele é brasileiro. Ele sempre anda com camisa do Brasil, gosta do feijão", brinca. "Quando falam com ele, ele responde 'tudo bem'. É uma das poucas palavras que fala português".

Lutadora do UFC e atriz de novela

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A campeã feminista

Cris Cyborg não se cala quando o assunto é feminismo. “Quando você levanta uma bandeira para melhorar as condições das mulheres no esporte ou em outros lugares, querendo ou não, você é feminista”, explica. “Não quero ser lembrada apenas como a campeã do mundo. Quero fazer diferença. Mostrar que as mulheres podem lutar do mesmo jeito que os homens, ter a mesma audiência deles”.

Antes de sua primeira luta no UFC, Cyborg brigava para que a organização de Dana White tivesse mais categorias femininas. Atualmente, o Ultimate conta com quatro divisões para as mulheres: pena, mosca, galo e palha. Os homens se dividem em oito.

“Acho que falta união para as mulheres do MMA. Somos rivais dentro do octógono, mas fora dele podemos mudar muita coisa. Mas juntas. Quando todas estão juntas, é mais fácil para lutar para melhorar o esporte”.

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O momento certo do cinturão

Na luta que coroaria sua carreira no MMA, Cris Cyborg demorou mais do que o normal para vencer. Contra Tonya Evinger, a brasileira voltou a lutar três rounds após quatro anos de vitórias esmagadoras. O combate longo, contudo, fazia parte da estratégia da nova campeã do UFC.

“Fiquei muito feliz com a chance de poder mostrar meu jogo. Foi o momento certo de ser campeã do UFC, porque consegui manter a tranquilidade e acertar os golpes na hora certa. E isso você só consegue com o tempo”.

Em 11 anos de carreira, Cyborg coleciona os cinturões do Strikeforce, Invicta FC e UFC, as três principais organizações que já contaram com divisões femininas. E a brasileira já tinha um lugar especial para quando completasse a trindade de títulos.

Eu tenho uma prateleira com os cinturões das outras organizações. E o do UFC tinha um espaço lá em cima, porque eu estava esperando por ele”. 

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Cris não gosta do estilo falastrão

Em um momento em que o estilo falastrão de Conor McGregor ganha cada vez mais destaque no MMA, Cyborg diz não ser fã do “trash talking”. “Não gosto de falar muito. Gosto de entrar lá e resolver”. Para ela, seu estilo de luta é suficiente para atrair fãs para os seus combates. “Eu consegui o carinho das pessoas assim. Mas tem atletas que precisam falar para a luta acontecer. Eu não julgo. Cada um tem seu jeito de se vender. Eu vou ser sempre essa Cris Cyborg que vocês estão vendo”.

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"Não temo a derrota"

Cyborg não perde há 12 anos, mas não teme que um novo revés a desestabilize - como aconteceu com Ronda Rousey. “Quando entro para lutar, não tenho medo de perder. Quero sempre fazer a melhor luta da noite. Se perder, terei dado meu melhor. A vitória é consequência”.

Se eu perder hoje, em breve vou querer lutar de novo. Isso é o esporte: um dia você perde, um dia você ganha. Não dá para deixar se abater por causa disso”.

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