Eles estão entre nós

"Geração Playstation", redes sociais, escolinhas...Clubes europeus conseguirão roubar torcida dos brasileiros?

Adriano Wilkson Do UOL, em São Paulo

Eles estão no meio de nós. Na TV, nas tardes dos dias de semana e nas manhãs de domingo. Nas vitrines das lojas e no videogame. No Twitter, no Facebook e nas conversas de bar. Na home do UOL e em festinhas de aniversário. Hoje mais que ontem e amanhã mais que hoje. Os clubes europeus vêm a cada dia consolidando seu lugar cativo na vida (e no bolso) do torcedor brasileiro.

Uma pesquisa inédita da consultoria Ibope/Repucom mostrou que, em 2016, 72% dos jovens usuários de internet disseram torcer por um time europeu. Esse número representa um aumento de oito pontos percentuais em relação ao que se viu três anos antes.

Com uma estratégia agressiva de marketing que os transformou em organizações globais, os gigantes europeus se valem de uma presença maciça na internet, do engajamento com seus fãs estrangeiros e dos melhores jogadores do planeta à sua disposição para angariar cada vez mais torcida fora do velho continente. Mas será que esse movimento se constitui em uma ameaça aos times brasileiros?

Em um ensaio que se tornou clássico, o historiador inglês Erich Hobsbawn, torcedor do Arsenal, disse que o futebol encarna como poucos o drama da globalização, a dicotomia entre a identidade local e os afetos transnacionais. A seguir, o UOL Esporte mostra como os clubes têm conquistado o coração do torcedor brasileiro. 

Arquivo pessoal Arquivo pessoal

Estrelas globais, como Neymar, criam torcida no mundo inteiro

Andrea Assis já se acostumou com a rotina do filho Danilo, de cinco anos. “Ele liga a TV e fica o dia inteiro caçando jogo de futebol europeu”, diz ela. O garoto paulista virou corintiano por influência do pai, mas desde muito cedo já mostrou sinais de sofrer da febre catalã que invadiu o Brasil há alguns anos.

O tema de seu aniversário de quatro anos foi o Corinthians. O de cinco, claro, o Barcelona. Fotos de Messi, Neymar e Suárez adornaram os objetos da decoração, feita por um buffet da cidade e complementada pela própria mãe. “Tive que comprar camisa do Barcelona para a família toda”, conta ela, que é coordenadora de Recursos Humanos.

O fascínio de Danilo pelas estrelas do futebol europeu representa bem os resultados de uma política de construção de marca dessas equipes em mercados tão distantes como o brasileiro. Mas a presença de jogadores como Neymar ajuda. “Quando o Neymar saiu do Barcelona, o Danilo ficou triste”, relata Andréa. “Mas no dia seguinte já pediu camisa do outro time lá de Paris.”

O futebol internacional já é uma realidade no dia a dia do brasileiro. Os produtos licenciados possuem um papel importante no sortimento, atendendo diferentes ocasiões de uso e faixas de preço

Diego Freitas, diretor de futebol da Centauro

Fãs-clubes: torcidas organizadas (e não só na internet)

No dia da final da última Liga dos Campeões, dezenas de brasileiros se reuniram no Circollo Italiano, um prédio antigo no centro de São Paulo, para assistir ao jogo entre Juventus e Real Madrid. A iniciativa foi de um fã clube da Juve formado por moradores de São Paulo.

Além da exibição da partida em um telão, o evento teve comida italiana e o sorteio promocional distribuído por representantes do clube no Brasil. O incentivo a fãs-clubes ao redor do mundo foi uma forma que os principais times da Europa encontraram de estender seus tentáculos a mercados distantes da sede.

A princípio, pela dificuldade imposta pela distância física, esses grupos se comunicam apenas virtualmente. Mas não são poucos os que se tornaram torcidas de verdade. A torcida do Borussia Dortmund em São Paulo, por exemplo, é uma das mais ativas e costuma se reunir em um bar na cidade para ver as partidas principais.

Os clubes costumam manter um contato próximo com esses grupos, enviando material e exibindo suas informações de contato em seus canais de comunicação. 

Como nasce o fanatismo por um time europeu?

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Manchester City fez evento com participação de Elano para torcida no Rio

Europeus sabem jogar na rede

O Manchester City recentemente lançou um aplicativo para celular para aproximar seus torcedores estrangeiros uns dos outros e também do dia a dia do clube. Com ele, um brasileiro de São Paulo poderá saber onde um grupo de torcedores vai se reunir para assistir à próxima partida e tentar se juntar a eles.

O aplicativo também oferecerá viagens a Manchester, além de recolher as informações de cada usuário para melhor “se comunicar” com ele, o que em linguagem de marketing digital significa oferecer produtos e serviços que possam interessar a cada torcedor/consumidor.

Mas o City não está sozinho. A maioria dos gigantes europeus têm funcionários que produzem conteúdo específico para cada país em que eles pretendem consolidar posição. Os mercados preferenciais são aqueles em que o futebol local não tem times fortes, como os Estados Unidos e o sudeste asiático. Mas o Brasil também está no radar.

A liga francesa criou uma conta no Twitter em português no dia em que Neymar assinou contrato com o PSG. Outros clubes, como o Barcelona, têm em seu quadro profissionais brasileiros que produzem conteúdo específico para o público do país.

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Geração Playstation: nos games, Brasil toma 7 a 1 de gringos

Mas talvez não haja janela mais direta para o coração da geração Z (aqueles nascidos em meados dos anos 90 e que não sabem e que é viver longe da tecnologia) do que o videogame. Simuladores de futebol têm sido o primeiro contato com o esporte para muitas crianças e adolescentes. E nesses jogos, os times europeus com seus jogadores e estádios de ponta, reinam quase absolutos.

Por problemas de licenciamento, o Fifa, líder de mercado, não disponibiliza os times brasileiros, apesar de contar com a maioria dos europeus. Já o Pro Evolution Soccer, que tem um acordo com a CBF, até mostra as equipes que disputam a Série A do Brasileiro, mas muitos de seus jogadores estão fora.

A Konami, produtora do jogo, precisa negociar individualmente com cada atleta real o licenciamento de sua imagem virtual.

O problema são os sindicatos que travam os jogadores. Fora do Brasil, a Fifpro, o sindicato de atletas, negocia a imagem e repassa o valor. No Brasil eles não podem fazer isso. Se os jogadores entrassem em acordo, facilitaria as coisas. Temos todo o interesse em contar com a parceira deles.” 
André Bronzoni, o gerente de marca do PES nas Américas

Há alguns anos, atletas brasileiros insatisfeitos começaram a processar os produtores dos jogos entendendo que sua imagem estava sendo explorada indevidamente. Sem a participação de muitos jogadores, a maioria dos times virtuais no PES mescla atletas reais com genéricos. A exceção são Corinthians, Flamengo e Vasco, que assinaram acordos individuais com a Konami.

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Escolhinha para gringo ver

A Juventus e o Barcelona são dois que mantêm sessões de treinamento regulares para crianças e adolescentes no Brasil. Conhecidos como “camps”, esses eventos trazem ao país treinadores europeus para ministrar aulas de futebol e oferecer uma “experiência europeia” a meninos e meninas de classe média e alta brasileiros.

O espanhol Eduardo Lomas trabalha na Juventus há sete anos e comanda as ações do time na América Latina.

Ensinamos ao garoto brasileiro o mesmo que ensinamos a um menino italiano, a fazer o gesto técnico e o tático. Mas não estamos aqui para observar jogadores ou contratar. Nosso objetivo é educativo e criar identidade, que as pessoas no Brasil saibam que a Juventus exista, que torçam pela Juve.”
Eduardo Lomas, coordenador da Juventus

Efeito Neymar: escolinhas do PSG registram "boom" de alunos

A contratação de Neymar fez a escolinha de futebol do PSG acelerar o programa de expansão no Brasil. O país já é o segundo no mundo com mais unidades - atrás somente da França. A quarta escolinha foi inaugurada no último sábado (23) em São Paulo.

A previsão é saltar dos atuais 800 alunos no Brasil para 2 mil no final do próximo ano, diz o sócio-diretor, o francês François Marot. Ele acrescenta que o aumento do interesse não ocorre somente no país natal de Neymar.

"Acelerou a expansão da PSG Academy completamente. No Brasil e no mundo. O time usa a imagem dele em todos os países", declarou o sócio-diretor.

Mas ele ressalta que o impacto é maior no Brasil. A escolinha do PSG é uma franquia e o número de interessados triplicou. François conta que eram cinco sondagens por semana até a contratação, agora são 15. 

Veja algumas respostas

  • Arsenal

    Apresentou formas de assistir partidas pela internet e comprar produtos oficiais. Em uma detalhada apresentação, focou na história do clube: "O Arsenal nasceu quando um grupo de trabalhadores da fábrica de armamentos Dial Square em Woolwich decidiu formar um time de futebol para quebrar a monotonia da vida na fábrica."

  • Barcelona

    Mandou convite para se tornar um "penyista", um membro do fã-clube brasileiro: "Tornando-se membro, você ganha uma carteirinha de identificação, o que lhe garante algumas vantagens e descontos."

  • Bayern de Munique

    Em um e-mail curto, mostrou o link com o contato de seus fãs-clubes no Brasil.

  • Chelsea

    Após citar seus principais títulos, o Chelsea mencionou uma fundação que faz caridade mundo afora. "A Fundação Chelsea tem uma das mais extensas iniciativas comunitárias no esporte, atuando em 30 países e ajudando a melhorar a vida de mais de 900 mil crianças e jovens todo ano." Também anexou uma cópia de sua política de fãs clubes com orientação para fundar um grupo local.

  • Southampton

    "Obrigado por seu amável e-mail. Sabemos de um grupo de torcedores brasileiros no Facebook, talvez você queira dar uma olhada. Se você passar seu endereço, nós enviamos uma grande bandeira do Southampton, assim você pode mostrar sua torcida no Brasil!!!" (Após poucos dias, mandaram mesmo.)

  • Sunderland

    Disse que não tem torcida organizada no Brasil, mas se mostrou interessado em começar uma.

  • Real Madrid

    Enviou apenas um link com o contato de seus fãs clubes no Brasil.

Brasileiros contra-atacam

Vinicius Azevedo é gerente de marketing do Corinthians. Ele anda preocupado com a cada vez maior presença dos estrangeiros, que disputam espaço no imaginário dos jovens torcedores do Brasil.

“A gente discute isso quase todo dia”, disse ele. “Todos os clubes brasileiros enfrentam esse desafio. O mercado de futebol aqui tem visão de curto prazo, imediatista. É um negócio que daqui a dez anos vai estar todo mundo chorando.” Diante de desejos que alguns diretores têm de internacionalizar a marca de seus clubes, ele costuma responder com ceticismo:

“É uma balela falar de internacionalização. O mercado brasileiro está numa situação de atacar internamente. Se a gente vivesse num tabuleiro de War, tinha que colocar todos os nossos exércitos no Brasil, para fazer frente com a força que os clubes europeus vêm vindo. Se eu não consigo brigar com os caras aqui imagina na China, onde eles já estão consolidados há muito mais tempo.”

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"Os europeus sabem construir sua marca"

Alan Adler, especialista em marketing esportivo e presidente da IMM

Lá eles fazem um trabalho melhor, se é que tem algum trabalho sendo feito do lado de cá. Mas é um reflexo da situação do nosso futebol. Os times europeus são muito mais maduros em relação a vários aspectos que envolvem a construção de uma marca: os torneios deles são um sucesso, a liga tem governança, o calendário é bem estruturado, os times têm seus estádios, os jogos são lotados, têm os melhores jogadores. Tudo isso se reflete na percepção da marca.

Aqui você não tem público muito grande nos estádios, a média é baixa. O patrocínio ainda depende muito de uma estatal, a situação financeira dos clubes não é boa. A presença forte dos europeus passa a ser uma ameaça porque a percepção do produto é de lá muito boa. Preferimos um jogo de alto nível do que um na Ilha do Governador ou em São Januário onde a própria paisagem é um horror.

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"Colhem o que plantaram lá atrás"

Marcio Flores, diretor do grupo Manga

O futebol lá fora entendeu que o cara sentado ali é um consumidor da marca, e ele pode consumir de tudo. Eles criaram um padrão, e isso criou uma aspiração tão gigante que qualquer pessoa quer consumir as mesmas coisas que os caras consomem.

Aqui se pensa de maneira muito cartesiana. Os gestores pensam em fazer o máximo que podem no tempo de mandato, e ninguém faz a gestão de marca. Na Europa eles estão colhendo de braçada o que plantaram lá atrás. Os clubes brasileiros ou se mexem ou vão quebrar.

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"Só a paixão salvará o futebol brasileiro"

José Colagrossi, diretor do Ibope/Repucom

Existe um abismo de diferença entre futebol europeu e brasileiro no que se refere ao marketing. A cultura de licenciamento do futebol brasileiro é: 'Quanto eu vou ganhar na assinatura de contrato?' Não tem parceria com a marca, não tem canais de distribuição.

O que vai salvar o futebol brasileiro, apesar de anos de ineficiência, é a paixão. Quem se diz torcedor de time europeu na verdade é muito mais simpatizante, paixão verdadeira não existe ainda, não existe rivalidade. É muito difícil exercitar uma paixão quando não se tem uma presença local.

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