Toque de Midas do penta

Há 15 anos, título de 2002 mudou percepção sobre atletas, afetou cultura pop e nunca saiu de nossas cabeças

Juca Varella / Folhapress
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Festa que não vai acabar nunca

Seus melhores momentos ainda estão na memória, os personagens daquela história são revisitados quase semanalmente e não faltou quem saísse ganhando com a conquista, dentro e fora de campo. Como se repetisse a mitologia grega do rei Midas, que transformava tudo que tocava em ouro, o penta completa 15 anos com o legado de ter transformado tudo à sua volta em ouro.

O futebol jogado por Ronaldo e Rivaldo, a perseguição a Denílson, a cambalhota de Vampeta, a festa em Brasília, as músicas de Ivete e Zeca Pagodinho... Se você acordou de madrugada para torcer pela Família Scolari em 2002, não são só memórias.

Aquela viagem pela Ásia separou bons jogadores de craques históricos, artistas populares de fenômenos de audiência e boleiros comuns de gigantes da resenha. Nem a Fátima Bernardes passou ilesa pelo penta, pode apostar. Uma década e meia depois de Cafu declarar amor ao Jardim Irene e à sua esposa, o último título mundial é um ícone pop.

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Quando Ronaldo voltou a ser o "Fenômeno"

O protesto do torcedor, no último amistoso da seleção antes da viagem rumo à Àsia, é sintomático. Não que todos pensassem como ele, mas Ronaldo, quatro anos e muitas lesões depois da convulsão de 1998, não era nem de longe uma unanimidade. A história fala por si só. É difícil encontrar, e não apenas no esporte, uma jornada de redenção de proporção similar à que Ronaldo fez em 2002. 

Campeão da Copa aos 17 anos, ele carregou certa fama de "amarelão" quando Felipão fez sua aposta. Ronaldo chegava ao Mundial de sua vida após reconstruir o joelho, a carreira e o estilo de atuar. Foram oito gols e um papel decisivo na conquista, com direito a dois gols na final. No caminho, ainda lançou moda com o cabelo "Cascão" em uma jogada de gênio fora de campo.  

Ronaldo virou o exemplo de brasileiro que "não desiste nunca" e passou a ser visto como "infalível". Tão infalível que falharia diferentes vezes na carreira dali em diante, 2006 que o diga, mas sem nunca perder o rótulo popular que ganhou ao fazer a bola passar duas vezes por Oliver Kahn há 15 anos.

Minha virilha estava doendo. Eu estava apenas 60% do que podia. Então, raspei a cabeça para as pessoas pararem de falar do problema físico

Ronaldo

Ronaldo, Artilheiro da Copa de 2002, explicando ao jornal "The Sun" a origem do penteado "Cascão"

Tirei um peso dos meus ombros. Me sinto livre

Ronaldo

Ronaldo, Ainda no gramado de Yokohama, sobre o que representava o título conquistado diante da Alemanha

#CopaFacts: O que você lembra de 2002?

  • #Chutou ou #Cruzou?

    Bem antes de a discussão "vestido azul e preto x vestido branco e dourado" ter congestionado a internet, a Copa de 2002 teve um lance que até hoje fomenta debate. Brasil e Inglaterra se encontraram nas quartas de final e empatavam por 1 a 1 até Ronaldinho anotar o gol que deu a vitória aos sul-americanos. O meia cobrou falta de muito longe e surpreendeu o goleiro Seaman, que não esperava um tiro direto. A questão: tentou o chute ou só queria cruzar?

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  • #Acorda, Noronha!

    Você pode até se lembrar do Noronha como o porteiro do comercial com a apresentadora Patricia Poeta. Em 2002, porém, o sobrenome ficou famoso por outro motivo: Noronha, o Sérgio, comentarista da TV Globo, apareceu cochilando em um programa ancorado por Luís Roberto. Como a Copa acontecia na Ásia, jogos e mesas redondas iam ao ar na madrugada brasileira. A sorte dele: aconteceu quando não era tão fácil gravar e jogar em redes sociais...

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  • #Fora, Kahn!

    Por falar em redes sociais, numa época em que ninguém usava o Twitter, é seguro dizer que o alemão Oliver Kahn foi um dos primeiros trending topics mundiais. O goleiro foi eleito pela Fifa o melhor jogador da Copa de 2002, mas a escolha aconteceu antes da decisão. No jogo em que o Brasil venceu por 2 a 0 e ficou com a taça, ele falhou em um dos gols de Ronaldo.

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  • #Capitão SQN

    Felipão tinha escolhido Emerson para usar a braçadeira de capitão da seleção na Copa de 2002. Só não contava com a (falta de) competência do volante ao jogar no gol em um treino recreativo na véspera da estreia. Resultado: em vez de defesas, a brincadeira acabou em lesão no ombro direito e corte do jogador, substituído por Ricardinho.

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  • #Denilson no mim acher

    O Brasil venceu a Turquia por 1 a 0 na semifinal da Copa de 2002, mas o lance mais emblemático não teve nada a ver com o placar. Aos 44min do segundo tempo, quando Ronaldo já havia marcado de bico, Denilson resolveu fazer jogada individual para gastar o tempo. Caminhou com a bola na direção da linha de fundo e foi perseguido por quatro marcadores. Se fosse hoje, teria virado meme.

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  • #SenegalZebra

    Atual campeã, a França era uma das maiores favoritas à conquista da Copa do Mundo, mas mostrou logo na estreia que não seria bem assim. A derrota para Senegal, do meia El-Hadji Diouf, frustrou quem acordou cedo para ver Zidane e companhia. O astro nem jogou, lesionado, e só voltaria no terceiro jogo para ver sua seleção cair de forma prematura na primeira fase.

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Não foi só Ronaldo

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Cafu colocou o Jardim Irene na história das Copas. Personagem emblemático da conquista, tornou-se exemplo de liderança: em 2014, apenas Neymar faturou mais do que ele em anúncios publicitários relacionados ao Mundial. Herança do penta. Até a véspera da estreia na Ásia, Felipão pretendia dar a braçadeira ao volante Emerson, que sofreu uma lesão e acabou cortado.

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Rivaldo já tinha título de melhor do mundo e uma grande Copa de 1998 no currículo. Até 2002, no entanto, convivia com críticas por render mais no clube do que na seleção. Foi vaiado nas Eliminatórias, perdeu a posição em várias partidas e chegou a dizer que não defenderia mais a equipe nacional. Para sorte de Felipão (e de todo o país), mudou de ideia a tempo de ser decisivo.

O Rivaldo foi o jogador mais importante da Copa de 2002. Disparado!

Luiz Felipe Scolari

Luiz Felipe Scolari, Técnico da seleção brasileira no Mundial, dizendo ao jornal "Zero Hora" o que ele achou sobre destaques individuais do pentacampeonato

A Copa é pop!

Os sucessos do Brasil do penta

Chico Barney, especial para UOL Esporte

Deu tudo certo para o Brasil em 2002. Estávamos felizes e tínhamos plena ciência disso, talvez até por conta de tanta cerveja ingerida às 6 da manhã durante os jogos do Brasil. Mas o fato é que as boas vibrações da vitória na Copa de 2002 contagiaram o antes, o durante e o depois, fazendo daquele ano digno de um livro do Laurentino Gomes.

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Zeca Pagodinho, Ivete e Tribalistas embalaram a taça

Se a disputa entre seleções foi dividida entre dois países, a trilha sonora da conquista também ficou dividida entre dois artistas de proporções continentais.

Zeca Pagodinho desfrutava da abrangência que seus discos ao vivo alcançaram na virada do século e contou com o auxílio de Oliver Kahn para que “Deixa a vida me levar” se tornasse a mais relevante crônica sobre ser brasileiro. Nenhuma outra obra diagnosticou de maneira tão contundente os motivos que nos fazem deixar a declaração do imposto de renda para o último dia.

E há quem diga que Cafu deveria ter escrito “100% Ivete” naquela camiseta branca que estampou as capas de jornal na esteira do título. A homenagem seria bem vinda: “Festa” embalou esquentas, bebedeiras e ressacas ao longo daquele ano inteiro. E nos 15 anos que vieram depois. Os Tribalistas se reuniram pela primeira vez em disco no ano de 2002. E essa informação está entre as boas notícias porque foi também a última vez.

 

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Encontro com Fátima estreou na Copa de 2002

Tudo era tão intenso que a Globo chegou a produzir uma edição do BBB em cada semestre. A primeira, com a vitória do Kléber Bambam, foi tão bem avaliada que poucos meses depois já estreava a segunda, premiando aquele caubói que ninguém lembra o nome. Era tanta realidade na TV que os roteiristas chegaram a pensar que ficariam sem emprego.

A pioneira experiência de confinamento do Silvio Santos também foi em dose dupla: Casa dos Artistas 2 apresentou ícones como Feiticeira, Vitor Belfort, Ellen Rocche e Cigano Igor, além da Carola Scarpa --que também teve chance em dobro, ao participar da terceira edição pouco tempo depois. Não levou nenhuma.

Não podemos esquecer da formação do Rouge, que surgiu também em um reality show do SBT. Quer dizer, seria sacanagem esquecer de novo. Eis que o ano da Copa também ficou marcado pela estreia do Sabadaço, apresentado por Gilberto Barros nas tardes de sábado da Band. Com espaço cativo para MC Serginho, Lacraia e nobre elenco, a atração seria imortalizada 4 anos depois graças à participação do conjunto de música eletrônica Kasino.

Fundamental frisar que nada foi mais importante na TV brasileira do que a estreia do Encontro com Fátima Bernardes durante a Copa. O programa pode ter começado de fato apenas 10 anos depois, mas foi aquela viagem ao Japão e Coréia que transformou a leitora de teleprompter mais célebre do Brasil em algo mais.

A energia no país era tão fantástica que foi em 2002 que Maísa Silva nasceu. Com 4 anos na época, Dudu Camargo provavelmente cobriu a Copa do Mundo em flashes ao vivo nas reuniões familiares.
 

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Cinema brasileiro também já foi penta

O cinema nacional também emplacou uma dobradinha formidável. De acordo com minhas pesquisas, foi o único ano em que tivemos 2 filmes brasileiros bons --e foram justamente os melhores.Cidade de Deus nos fez retomar o orgulho dos bordões brasileiros, com todos aqueles palavrões que a Escolinha do Professor Raimundo, já fora da grade, jamais poderia exibir. O filmaço influenciou toda a produção audiovisual no país desde então, com seus efeitos e truques de roteiro se tornando nosso Matrix.

E ainda mais fascinante foi o documentário Edifício Master, do glorioso diretor Eduardo Coutinho, que não desviou o olhar ao observar as intimidades de moradores de um prédio de pequenos apartamentos em Copacabana.Tanto na música, quanto na TV e no cinema, podemos dizer que ainda somos os mesmos e vivemos como 15 anos atrás. Mas agora dá pra curtir tudo isso pelo celular.

Gostaria até de dizer que 2002 foi o ano que não acabou, mas só poderia ter certeza voltando a beber às 6 da manhã.

Marcos sobre o penta: rivalidade com Dida e Ceni ajudou

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Gigantes da resenha

Agora pense nos boleiros que mais contam histórias na atualidade. Pense naquelas personalidades divertidas, que poderiam segurar programas de auditório sozinhas se não fossem jogadores. Com nomes como Marcos, Vampeta, Edilson e até Ronaldo, a seleção campeã do mundo em 2002 também serviu para criar ícones da resenha.

Vampeta, é claro, é o melhor exemplo. O volante do Corinthians de 2002 teve participação diminuta na Copa, mas foi protagonista na comemoração. A cena dele dando uma cambalhota na rampa do Congresso é provavelmente uma das imagens mais importantes de toda aquela campanha.

Você já deve ter ouvido a história da cambalhota. Já deve saber que Vampeta usava uma camisa do Corinthians porque havia trocado com um torcedor na rua, durante desfile em carro aberto, e que acabou forçando Marcos a vestir um uniforme do Palmeiras também.

Depois de 2002, Vampeta se especializou em contar histórias. Hoje trabalha como comentarista em uma rádio de São Paulo, mas também se apresenta em palestras e shows de stand up comedy. Marcos não seguiu o mesmo caminho, mas não por falta de talento – o goleiro de longa história no Palmeiras é outro personagem marcado pela autenticidade e pelas boas histórias.

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Família Scolari fez diferença

Julio Gomes, especial para UOL Esporte

Rivaldo e Ronaldo. Ronaldo e Rivaldo. Aquela seleção de 2002 tinha dois jogadores gigantescos. Até hoje, é difícil achar consenso sobre quem foi melhor naquela Copa. Antes da viagem para a Ásia, o Brasil passou pela Catalunha. E lá começou um sistema de entrevistas que se manteria por todo o Mundial. Todos os jogadores falavam todo os dias nas zonas mistas. Rivaldo era sempre acompanhado por Rodrigo Paiva, então assessor de imprensa da CBF e ex-assessor (e amigo pessoal) de Ronaldo. Já Ronaldo dava entrevistas dia sim, dia não.

Um tinha a regalia. O outro tinha o status. Pequenas coisas como essas são parte da formação de um time campeão. É nos detalhes que moram as vitórias. Ao conseguir que Ronaldo e Rivaldo, de personalidades, estilos e momentos tão distintos, convivessem bem, se ajudassem e não buscassem protagonismo, o Brasil deu um enorme passo para o penta.

Em 2002, cobri minha primeira Copa. O UOL também. Por um acordo, na época, entre CBF e BOL, eu me hospedava nos mesmos andares da comitiva da seleção. Andava escondido, porque não queria que houvesse confusão. Eu não era parte da seleção. Eu era jornalista, independente, cobrindo para o UOL. Não pude deixar de ler, no entanto, mensagens que eram deixadas nos halls dos elevadores. E lembro bem de uma reportagem que fiz sobre os tais vídeos motivacionais que Felipão gostava de mostrar.

Eu tinha a convicção de que o Brasil iria ganhar a Copa, pois achava Luiz Felipe Scolari o sujeito mais sortudo e estrelado do planeta. Porque era uma seleção saudável e o tal clima de família era realmente palpável. Não era conversinha. Era fato. Talvez houvesse jogadores melhores para algumas posições do que os que estavam lá. Mas a Copa de 2002 provou que, em uma competição assim, ter um ótimo ambiente e jogadores que joguem uns pelos outros é o fator mais importante. Foi assim também com a Itália, a Espanha e a Alemanha, que ganharam os Mundiais seguintes.

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Os furacões da Copa

Sabe o Cristiano Ronaldo? Quando ele chegou ao Manchester United, era Kleberson a principal estrela da apresentação. Titular surpreendente do time campeão mundial de 2002, o volante revelado pelo Atlético-PR nunca conseguiu se manter no mesmo patamar do português, mas ter dividido holofotes com um dos maiores artilheiros da história dá a medida do que foi o penta. 

Kleberson foi só um dos furacões da Copa, só não teve a mesma sorte que seus colegas. A partir da conquista, Gilberto Silva, Kaká, Edmilson, Belletti, Anderson Polga e vários outros construiriam carreiras de maior ou menor sucesso no futebol europeu, sempre com o selo de campeões mundiais. 

 

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Campeões comemoram 15 anos depois

Hoje, dia 30/06/2017, faz 15 anos que eu realizei o sonho de ser campeão do mundo. Foi um dos momentos mais especiais que vivi. Deus é Fiel

Rivaldo

Rivaldo

15 anos da conquista da Copa do Mundo de 2002. Bom relembrar momentos marcantes na minha vida e na dos brasileiros

Ronaldinho Gaúcho

Ronaldinho Gaúcho

15 anos de uma conquista histórica

Kaká

Kaká

Sempre lute com garra e determinação pelos seus ideais. Os verdadeiros Campeões são aqueles que acreditam na Vitória!

Gilberto Silva

Gilberto Silva

15 anos da conquista do Penta! Não éramos favoritos, mas com muito trabalho e dedicação nos tornamos os melhores. Nosso país merecia!

Belletti

Belletti

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