"Grande Liquidação", 1968: O disco inaugural
O disco traz "São São Paulo, Meu Amor", uma das canções que marcariam a carreira de Tom Zé, ganhando com ela o festival da canção da Record em 1968, grande trampolim para um artista. "Porém com todo defeito/ Te carrego no meu peito/ São, São Paulo/ Quanta dor/ São, São Paulo/ Meu amor", cantava o músico.
"Se eu vim morar em São Paulo, tenho que contar a história de São Paulo. Quando eu tava na Bahia, fazia música sobre as coisas que eram reportagens. Por isso eu dizia que era jornalismo cantado. Quando eu vim para São Paulo, eu dizia: 'Bom, agora eu tenho que aprender o que tem aqui'. Aí entrei no cinema para ver "São Paulo S/A", do Luís Sérgio Person. Saí de lá tremendo de frio porque o filme era tudo o que eu precisava ver para entender onde estava.
Naquele tempo, quando uma pessoa queria fazer compra, ia para casa, trocava de roupa, passava perfume e ia para o centro de São Paulo comprar. Então, o assunto do crediário foi o primeiro que rabisquei. Outra coisa: São Paulo é uma cidade muito famosa por trabalhar. É quase um orgulho da cidade.
Na época, quando encontrava uma pessoa que não conhecia, a boa maneira era no primeiro, segundo ou terceiro assunto ela começar a falar mal de São Paulo. Eu nunca tive esse hábito. Aí comecei a registrar e dizer que todo mundo tem que falar mal de São Paulo para saber que está por dentro das coisas. Falar mal de São Paulo era estar por dentro.
Uma vez estava num táxi, indo para a casa de Caetano [Veloso, que também morava em São Paulo] e vi um adesivo num carro da frente: "Não buzine que eu estou paquerando". Eu disse: "Meu Deus, numa cidade dessa, onde trabalho é tido como orgulho e marca registrada, esse cara vai ser agredido na rua!". É claro que não foi, o mundo estava mudando na minha presença.
Eu comecei a pegar coisas que eram da civilização, da maneira como o valor monetário circulava. O disco é todo sobre isso."
"Estudando o Samba", 1976: O disco redentor
Depois do esquecimento de quase duas décadas, o disco foi o responsável pelo resgate do artista. Seu salva-vidas foi um músico com cara meio de doidão, chamado David Byrne, fundador da banda Talking Heads, que lançou Tom Zé mundialmente no fim dos anos 1980]. Thanks, man!
"Tudo o que eu faço são estudos. 'Estudando o Samba' foi por acaso. Eu comecei a gravar um disco em 1975, fiquei em dúvida no nome. Tinha 'Estudando o Samba' ou 'Entortando o Samba'. Achei entortando muito sofisticado. Preferi o estudando porque aquilo era popular. Eu tinha quase certeza de que o que eu estava fazendo tinha valor. Um dia peguei 'Estudando o Samba' e disse que fiz de qualquer jeito para fazer [o poeta e crítico] Décio Pignatari escutar e falar mal. Aí ele me disse que não viu nada demais, que não era tão ruim.
Quando descobri que estava fazendo um disco bom, porque não sou tão louco, pensei em fazer uma armadilha na capa. Tive a ideia de fazer um rodapé de corda e arame farpado na capa. Porque o samba vive chefiado, guardado, protegido por grandes intelectuais sambistas. É o Rio de Janeiro, o Carnaval.
Fui lá, comprei corda e arame farpado. No mais, disse que não colocaria fotografia minha, não colocaria quase meu nome. David Byrne entrou numa loja de disco e ele queria fazer um disco com duas músicas de samba de cada pessoa. Aí viu e estranhou arame, corda e comprou. Era o único que tinha na loja. Aí fui salvo. Aí eu tô respondendo se sou anticultura.
Eu vivo assim, jogando armadilhas. Foi como fiz uma pessoa encontrar minha garrafa no oceano. É isso, a armadilha era um anzol. David Byrne mordeu o anzol.