
Apresentador, cantor, compositor, ator, aviador, sommelier, empresário, publicitário. Deu nome aos Mutantes. Foi apelidado de “pequeno príncipe” por Hebe Camargo. Desenganado por médicos, quase sucumbiu à eutanásia. Em termos de feitos e histórias, Ronaldo Nogueira, vulgo “tio” Ronnie Von, 72, encontra paralelo talvez apenas em Forrest Gump.
“Essa pluralidade toda que você descreve tem um único vetor: a minha curiosidade. Sou uma pessoa muito, muito curiosa”, argumenta Ronnie, apreciador das artes plásticas, da cartografia e de todo e qualquer tipo de música que já tenha sido praticada na face da Terra. Assim diz ele em sua habitual elegância diplomática.
“Meu pai era diplomata. Eu tenho muita dificuldade em dizer ‘não'. Faço muita força, o que é desesperador, porque na minha área, a comunicação, eu preciso falar com um número cada vez maior de pessoas”, anseia o apresentador, que, antes de gravar o programa “Todo Seu”, na TV Gazeta, concordou em ser todo do UOL por uma hora em sua mansão na zona sul de São Paulo.
Um parêntese antes de o papo começar. Ronnie Von não é da Jovem Guarda. Embora fosse essa a moda de 1966, quando estreou com “Meu Bem”, ele nunca foi da trupe. Descoberto por João Araújo, pai de Cazuza, Ronnie tinha seu programa na TV Record, “O Pequeno Mundo de Ronnie Von”, “berço” tropicalista, enquanto Roberto Carlos, Erasmo e Wanderléa tinham o deles, “Jovem Guarda”, com as brasas do iê-iê-iê.
“Vivemos no país mais rotulador que existe. Antes, [ser associado à Jovem Guarda] me incomodava, mas hoje não mais. Ninguém pode ser plural e multifacetado no Brasil. Você acaba caindo na vala do senso comum.”
No começo, eu não tinha suporte familiar. Estavam me criando para ser o sucessor dos negócios da família. Não gosto do curso acadêmico que fiz, de ciências econômicas. Jamais exerci a profissão. Disseram que haviam criado uma cobra, que aquele menino iria jogar o nome da família na lama."
Saí do Rio, vim para São Paulo e de repente me vi morando no hotel na praça Júlio Mesquita. Era perto de onde hoje é a cracolância. Não recomendo esse lugar a moças de boa índole. Uma área cheia de rufiões e moças de vida difícil. Havia tiro, confusão. Tudo isso era uma grande novidade para mim."
Meu negócio era o sanduíche de mortadela ou ovo frito com pão francês. Coisas que, embora tenha me envolvido com gastronomia depois, ainda amo perdidamente. Não troco ovo frito com pão francês por nada. A diferença é que hoje eu raspo um pouquinho de tartufo nero por cima."
Belo, articulado e popular, Roonie Von já havia lançado “Meu Bem” e “A Praça” quando percebeu que havia criado um “monstro”. Aconteceu na saída de seu programa, no teatro da TV Record. “Eu saia sempre pela porta da frente porque todos me esperavam pelos fundos. E eu tinha um sósia que me ajudava a fazer isso. Todo mundo corria atrás dele para eu conseguir sair do outro lado.”
“Um dia, esse sósia não foi, e eu acabei tendo de sair pela porta dos artistas. A moçada me viu. Foi a maior confusão. Tinha polícia militar, segurança, guarda civil. E nada adiantou. Elas arrancaram minha roupa e me deixaram completamente nu. Meia, cueca. Levaram tudo. Tive que sentar na sarjeta, desesperado, em posição fetal.”
Ronnie Von jamais escondeu o desejo de reaver o icônico terno listrado que usava nos anos 1960, mas ele nunca explicou por quê. Até hoje. “Eu fui voluntário na enfermaria infantil do hospital do câncer. Fazia amiguinhos lá e depois ia para casa chorar. E tinha um menininho que tinha um sarcoma brabo e estava com os dias contatos. Chamava-se Lineu. Ele era doido por mim e pelo meu terno listrado.”
“Levei o Lineu ao meu programa de TV e, no dia, me apresentei com o terno. Então ele fez um desenho meu com o terno e escreveu ‘tio Ronnie’. Para retribuir, fui atrás do tecido e mandei fazer um terninho igual para ele. Ele morreu e foi sepultado com esse terno. Nunca contei essa história, me emociona demais.”
"Eu fazia parte de duas esquerdas. A francesa e a escocesa. A escocesa porque a gente se reunia na cobertura de Ipanema com livros de Marx, Engels, Simone de Beauvoir, Sartre e ficávamos tomando uísque 12 anos", diverte-se Ronnie.
"Já a francesa, pela qual eu tinha mais simpatia, se embriagava era com Dom Pérignon e com aquela visão 'ghost' da vida, com todos querendo resolver os problemas humanos. Você imagina como devem estar Marx e Engels no túmulo?"
Mas e a pecha de "careta", que ainda insiste em persegui-lo? "Não me incomoda. Na vida tudo é tão efêmero, menos a verdade, que é perene. Não é que eu seja certinho. Eu sou um ser humano comum, com todos os desejos, problemas, ansiedades de qualquer um da minha época."
Já passei por todas as ideologias, mas todas faliram. Hoje, só acredito no homem como verdade maior. Você vai para onde? Direita, esquerda, cima, baixo? Não. Está todo mundo procurando um líder no Brasil, não uma ideologia ou facção."
Sou profundamente incomodado com o politicamente correto, com o ecologicamente correto. Tudo hoje é 'ecochatice', 'politicochatice'. Converso muito com colegas humoristas que andam desesperados. Não existe mais redator de humor, porque nada pode. Tudo é levado para o lado do preconceito. Isso me irrita muito."
Nos anos 1970, Ronnie Von contraiu a chamada síndrome de Guillain-Barré, que ataca os sistemas imunológico e nervoso. Desenganado pelos médicos e com "dores de dente de siso” no corpo, ele chegou a considerar a eutanásia. “Fiquei um ano na cama. Perdi todos os movimentos. Fiquei pele e osso, porque as raízes nervosas alimentam a musculatura. Eles me mandaram para casa para que eu tivesse ‘conforto’, já que ia morrer mesmo”, diz Ronnie, que se curou sozinho e acabou imunizado pelo próprio vírus.
“Eu sabia que ia morrer. Não morri. Aí disseram: ‘Você não vai andar nunca mais’. Foi providenciada uma cadeira de rodas, mas nunca sentei nela. Fiz fisioterapia e reaprendi a andar. Mas fiquei com sequelas. Tive hérnias de disco aos montes e hoje não posso mais jogar tênis nem andar a cavalo. Também evito carro com embreagem.” “Costumo dizer que tudo isso me deu um enriquecimento interior, emocional, muito grande. Sou uma pessoa muito melhor hoje do que era naquela época. Foi meu encontro comigo mesmo.”
No mínimo, 1 milhão de vezes por dia. Mas eu adoro. Não me sinto velho. Adoro o 'tio Ronnie'. Só me senti uma vez velho, quando um amiguinho do meu filho chegou aqui em casa e falou 'Tio, minha mãe gosta muito do senhor'. Minha MÃE gosta muito do SENHOR (risos)."
É um artista que tem muito foco. Ele já me falou isto uma vez, que eu precisava ter uma prioridade na vida. A dele é a profissão. Mas eu nunca tive relação pessoal com o Roberto. Não deixavam me aproximar. Eu tentei muito, de todas as minhas formas. No início, eles me viam como um rival. Eu gosto dele.
Imagem: Reprodução/InstagramUm dos melhores seres humanos que conheci. Quando minha mãe morreu, aos 43 anos, saiu em vários jornais e rádios. Nenhum artista foi ao velório, e o primeiro a chegar foi o Jerry. Ele me ajudou a carregar o caixão até o túmulo. Foi o primeiro a chegar na missa de sétimo dia. Foi um irmão.
Imagem: ReproduçãoGosto muito dela. É uma irmãzinha. Ela se envolveu afetivamente com minha família. Meu pai batizou a filha dela. Eram compadres. Até hoje, ela fala do meu pai com imenso carinho [o pai de Ronnie Von morreu em 2015, aos 93 anos]. Ela é como uma parente, uma que chega e mete o pé na nossa porta.
Imagem: André Rodrigues/UOLAté falei isto com o João Gordo. O Kid Vinil, para mim, foi um verdadeiro mestre, um professor. Ele conseguiu transformar o rock em uma coisa mais divertida, mais gostosa de ouvir. Ele criou um texto que não existia antigamente. Ele mudou a história do nosso rock com o Magazine.
Imagem: DivulgaçãoÉ um menino ingênuo. Um bom caráter sem igual e um ser humano precioso. No episódio em que fiquei pelado, peguei uma camisa polo azul-calcinha dele na TV para me vestir e voltar pra casa. Imagina, uma camisa dele em mim é uma bata. O cara tem dois metros de altura. Eu guardava essa camisa há até pouco tempo, mas acabei perdendo muita coisa em mudanças.
Imagem: Junior Lago/UOLUm dos maiores poetas que tivemos no nosso país, seguramente. Quem me apresentou a ele foi a Vanusa, na época em que ela ia gravar "Paralelas". Ela leu a letra para mim. Eu disse: "Meu Deus do céu. O cara não é fácil". Ela falou: "Qualquer música que você ouve dele, você quer gravar". Aí comecei a comprar os textos dele, sem as músicas, como poeta.
Imagem: DivulgaçãoSei que, como músico, sou um produto. Mas hoje você vê o músico virando uma commodity. Hoje existe um investidor, que compra mídia, compra espaço, compra tudo. Tudo que você ouve é pago! Qual é o sentido disso se arte é, sei lá, o encontro do homem com a divindade?"
Nos anos 1980, gravei "Cachoeira" com o Roupa Nova na Som Livre, e uma rádio famosíssima do Rio adorava a música. Anos depois, vi uma cena absolutamente fora de propósito: um diretor de programação ganhando quatro BMWs e uma casa em Miami. Isso não faz sentido."
Não quero viajar mais, cansei dessa vida. Eu viajei por mais de 40 anos. Quando minha carreira foi para o exterior, fazia pelo menos quatro viagens por semana. Catorze horas de avião. No Brasil, não tem empresário, tem o cara que vende seus shows. E ele não quer saber."
Amante de vinhos franceses e café brasileiro levemente adocicado, Ronnie experimentou anfetaminas na faculdade. Hoje, é absolutamente contra as drogas —as ilícitas—, e isso nada tem a ver com uma suposta "caretice", mas com uma experiência traumatizante.
“Na época em que o Timothy Leary estava testando ácido lisérgico [o LSD], fui a uma dessas experiências, na casa de um amigo jornalista, com três psicólogos e um psiquiatra. Chegando lá, meu amigo começou a dizer que estava minando sangue da parede e que tinha um buraco com morcegos saindo de dentro. Bicho, eu fiquei todo arrepiado. Foi uma noite de terror.”
“Um tempo depois, saí dirigindo com esse mesmo amigo do lado, e deu nele o tal do 'flashback'. Ele começou a ver um monte de morcegos no carro. E eu achando aquilo engraçado, que ele estava brincando. Daí, no que ele me abre a porta do carro, ele se joga no meio da avenida. Tive que levá-lo ao hospital todo ensanguentado. Se você fala em ácido para mim, eu pego meu suspensório e saio correndo.”
Não penso em parar. Não é minha ideia. Meu pai trabalhou até 92 anos, me ensinando que o ser humano tem a idade mental de 25 anos para sempre. Acho uma bobagem você se sentir realizado. A vida é um prêmio. No momento que você diz que está realizado, você vira um comodista."