
O barulho em torno do cancelamento do show de Lady Gaga ficou silencioso diante de todas as mensagens que ganharam voz neste primeiro fim de semana do Rock in Rio 2017. Teve muita música, sim, e que veio para somar e embalar um festival de manifestações.
Um dos grandes legados olímpicos --ironicamente marcado por problemas envolvendo a obra--, o espaço onde foram realizados os Jogos de 2016 serviu como cenário para a edição mais politizada do Rock in Rio. Emblemático que a nova Cidade do Rock tenha sido construída neste lugar.
Em um momento em que se presencia o presidente Michel Temer decretar a extinção de uma reserva na Amazônia, o Rock in Rio se engajou em uma campanha pela preservação das florestas, tendo Gisele Bündchen como garota propaganda. A insatisfação a atual situação do país foi levada aos palcos em uma série de protestos e discursos de conscientização de artistas novos e veteranos.
O reflexo disso tudo: a trilha mais recorrente durante os três dias deste Rock in Rio foi o coro de "Fora, Temer".
Vocês (políticos) são piores que ladrão, vocês matam gente.
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Uma das bandas mais populares do rock brasileiro, o Skank chamou a atenção em um show tomado por mensagens politizadas. Samuel Rosa levou o público ao delírio ao detonar os políticos e a crise ética que assola o país.
"Fica difícil de acreditar no Brasil. Aliás, no Brasil eu acredito. É difícil acreditar na classe política. O nosso dinheiro está escorrendo pelo ralo, nesse leva e traz de malas. Dinheiro que deveria estar indo para hospitais e educação", disse o cantor.
Ninguém aqui no festival esqueceu que está rolando a Operação Lava Jato. Não podemos ser passivos. A presença do público LGBT também é importante para quebrar paradigmas. O tom político do festival é importante para não ser só pão e circo
Música e rock sempre foram manifestações de protesto. Se gritarmos, os políticos vão saber que estamos insatisfeitos. Artista não tem que agradar ninguém. A gente aplaude ou não, mas ele está na posição de influenciar. A arte é para incomodar
O tom político do festival me agrada. Já passei por muita coisa. O Collor já confiscou meu dinheiro. Já vi uma parte da ditadura. Infelizmente o país está em crise e acho que desta vez nossos parlamentares não vão retirar o presidente
As pessoas estão num grau de felicidade, elas estão muito em paz. É muito bonito. Elas estavam precisando disso. Me sinto muito orgulhoso de dar esse empurrão não só no Rock in Rio, no Rio de Janeiro.
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O show de hoje é uma grande reafirmação da nossa existência, do nosso lugar no mundo, dos nossos corpos, dos nossos afetos. É uma celebração da vida. A gente está aqui para anunciar que a vida venceu.
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Juntas há 11 anos, Larissa Dallabrida e Luiza disseram "sim" em meio ao Rock in Rio. Moradoras de Santa Catarina, elas foram um dos sete casais escolhidos dentre 13 mil inscritos em um concurso promovido pelo festival para subir ao altar durante o evento.
No fim, as noivas ainda jogaram bonecos de Santo Antônio para a plateia. "É importante [casar no festival] para dar visibilidade, para mostrar que não importa com quem você está, nós temos direitos iguais. O festival traduz essa diversidade, o respeito, ajuda a divulgar isso na mídia. E atrai gente de todas tribos", disse Larissa.
Além de Larissa e Luiza, também oficializaram a união na capela do Rock in Rio Maria Cecília e Marina, de São Paulo, e Cristiana e Leonardo.
O polêmico decreto do presidente Michel Temer em relação à exploração mineral na Amazônia despertou reações da classe artística do Brasil e de fora.
No primeiro dia do evento, na abertura do principal palco de shows do Rock in Rio, vimos a modelo Gisele Bündchen falar emocionada sobre a importância da conservação da Floresta Amazônica. O tema ganhou coro de Evandro Mesquita ("O governo Temer quer salvar o pescoço sucateando a Amazônia") e de Frejat ("A cambada do Planalto está querendo destruir a Amazônia").
Mas foi Alicia Keys a responsável por abrir o microfone para uma real representante do problema: a líder indígena Sonia Bone Guajajara tomou a frente para defender a questão. "Os povos indígenas e o meio ambiente estão sendo brutalmente atacados".
A Amazônia está seriamente ameaçada por políticos corruptos, mineradores e pecuaristas, que estão conseguindo diminuir as áreas indígenas e os parques por cobiça. O governo Temer quer salvar o pescoço sucateando a Amazônia. Levantem as mãos que a a nossa será forte e firme por um Brasil melhor.
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É um projeto muito bonito de plantar mais de 70 milhões de árvores na Amazônia. É muito bacana a gente poder colaborar com uma iniciativa dessa em um momento em que a cambada do Planalto está querendo destruir a Amazônia, a gente tem um projeto bonito desse fazendo o contrário.
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Por Alexandre Matias
O primeiro fim de semana do Rock in Rio deste ano foi marcado por protestos. Puxados principalmente pelos artistas, as manifestações eram reações diretas à onda conservadora que assola o mundo e especificamente aos desgovernos da gestão Temer. Ela é parente de uma outra indignação, a que reuniu jovens de todo o Brasil no primeiro Rock in Rio. Mas em 1985 o vetor estava invertido em comparação com 2017: a censura estava no fim, a ditadura também seguia pesarosa, os presos políticos tinham sido soltos e em pouco tempo todos os brasileiros poderiam voltar a votar. Em 2017 a ditadura se avizinha, bem como a repressão e as vozes de prisão.
O primeiro Rock in Rio é contemporâneo da recém-falecida Nova República, pacto nacional feito para ultrapassar a ditadura militar. O Rock in Rio 2017 pode ficar marcado como o último realizado durante este período da redemocratização - quando finalmente assumirmos que somos um país preconceituoso e autoritário e voltamos a viver em uma ditadura sem indisfarçada.
Blitz, Frejat e Skank fizeram discursos contra a classe política do Brasil; Alicia Keys trouxe uma líder indígena brasileira para falar sobre a destruição da Amazônia, Liniker e Johnny Hooker esfregaram que qualquer maneira de amor vale à pena na cara do conservadorismo e até a aparição-relâmpago de Pabllo Vitar no Palco Mundo pode ser entendida como um protesto e uma vingança contra a ausência de Anitta e de drag queens no festival.
É sintomático - e por um lado irônico - que o Rock in Rio funcione como catalisador desta indignação pública, que busca alternativas para sua sobrevivência. E por mais que o excesso de marcas e de lojas nos lembrasse constantemente que estávamos em um shopping center temático sobre rock, eram justamente os artistas que mostravam que um outro mundo era possível para além daquela redoma de irrealidade que paira sobre os diferentes palcos do festival.