Febre além da juventude

As aventuras de uma fã atrás de Paul McCartney no Brasil

Lucia Camargo Nunes Colaboração para o UOL
Lucas Lima/UOL

Sou fã de Paul McCartney desde o início da década de 80, quando me tornava uma adolescente que odiava os Menudos, a febre do momento. Naquela época, Paul não fazia turnês e minhas chances de vê-lo eram remotas. Passados 35 anos, eu quase cinquentona, me aventurei novamente na saga de ver o Paul, agora aos 75, mais de perto. E para um fã "de carteirinha" é preciso, além de grana e suor, ter planejamento, uma rede de amigos bem informados e confiáveis e uma boa dose de sorte.

Em maio, a produção de Paul McCartney anunciou que a turnê One on One passaria pelo Brasil em outubro. Pela primeira vez em muito tempo a sua vinda foi anunciada com antecedência razoável. Com quatro shows no país, consegui me programar melhor para poder ficar ausente do trabalho em duas sextas-feiras. O show de domingo, em São Paulo, onde moro, seria mais tranquilo e um no meio da semana, em Belo Horizonte, impossível. 

Aqui está a minha aventura atrás do Beatle pelo Brasil.

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O planejamento

Antes mesmo da venda dos ingressos eu já me antecipei e comprei passagens aéreas, já que as companhias, atentas à procura por um determinado destinado, aumentam os preços assim que detectam essa alta de demanda (ou mesmo sabendo que ali haverá show).

Depois, a missão foi pensar onde ficar. Perto do estádio é sempre uma opção viável, mas há uma estratégia que muitos fãs optam: ficar no mesmo hotel do ídolo. E como saber isso? Nem sempre é infalível. Em 1993 eu me hospedei no Maksoud Plaza, em São Paulo, onde Paul faria um show no Pacaembu. A decepção veio pela TV: ele chegou a São Paulo, foi para o Campo de Marte e decolou em um helicóptero rumo ao Guarujá, onde ficou por toda temporada, sem pisar no Maksoud. Toda sua produção e banda se hospedaram lá.

Agora em 2017, meus amigos disseram que o único hotel possível para o Paul ficar em Porto Alegre seria o Sheraton. “Comprei” essa aposta e fiz reserva. Deu certo! Em Salvador, ele poderia ficar nos arredores, em algum resort, então seria mais difícil arriscar. Assim como em São Paulo.

Quando eu disse "não" para o Paul

Na manhã do show em Porto Alegre (dia 13 de outubro), embora o clima estivesse tranquilo, o lobby do hotel reunia muitos fãs. Enquanto eu esperava a liberação de um quarto, observava o movimento de equipe (boa parte de caras conhecidas de outras turnês) e seguranças. Você precisa saber quem são as pessoas próximas e os hábitos de seu ídolo. Há mais de 20 anos Paul é escoltado por Mark Hamilton, um cara que parece o Clint Eastwood e virou seu apelido. Se o "Clint" estiver por ali certamente o Paul está.

Outros dois funcionários da escolta pessoal do Paul também podem dar bons indícios de que o "boss" (como eles o chamam) está por perto. A dupla Mike e Chris (dois grandalhões veteranos) também é velha conhecida e está sempre na cola de Paul. Já passava de meio-dia e seguranças do hotel iniciaram um cordão de isolamento próximo aos elevadores. No lobby surgiram Mike e Chris. Seguranças ficaram em volta e nenhum fã chegou perto. A essa altura já havia cerca de 30 pessoas por ali, muitos com camisetas de Paul e Beatles, segurando capas de discos e sempre com celulares e câmeras.

Os músicos da banda passaram pelo lobby sem interagir com o público. Lá fora já se formava uma aglomeração, separada por grades de contenção. Dentro do hotel, a tensão aumentava. Amigos de fãs hóspedes entravam sem grandes problemas e iam se enfileirando. A segurança do hotel já restringia a circulação de pessoas no corredor.

Somente essa inquietação denunciava que Paul deveria estar no hotel. Já tem sido praxe ele desfilar pelo lobby de onde está hospedado, numa espécie de ritual incomum a celebridades de sua categoria. É um protocolo que ele faz questão de cumprir antes do show, assim como abrir a janela do carro chegando ao estádio, devidamente escoltado por batedores da polícia, que chamam ainda mais a atenção.

A segurança então reforçou o isolamento dos fãs no lobby, criando cordões com fitas. A essa altura a ansiedade já era imensa. Um grupo de amigas bem informadas me convidou para almoçar em um restaurante ao lado do lobby. “Não saio daqui por nada”, disse a elas, que tranquilamente deram uma informação preciosa: conseguiram saber por uma camareira que Paul pedira almoço no quarto às 14h30, ou seja, antes das 15h ele não desceria.

Mas decidi ficar por ali mesmo, alimentando meu estresse. Outra informação relevante que as seguidoras mais assíduas de Paul em hotéis me falaram: enquanto os seguranças estivessem de camiseta, bermuda e moletom, o "boss" não desceria. “Eles precisam estar vestidos de terno, ou de camisa polo e calça. Nunca estão perto de Paul sem estarem mais bem vestidos", alertou-me uma delas. De repente os seguranças sumiram, o carro (um sedã Mercedes preto, usado por Paul um dia antes), parado na porta do hotel não estava mais ali e a desconfiança era de que ele tivesse decidido sair pela garagem.

A suspeita durou pouco tempo. Minutos depois surgiram Mike e Chris, agora sim, de camisas polo, calças sociais, todos de preto. O clima foi ficando ainda mais apreensivo, enquanto cerca de 50 a 60 fãs se aglomeravam no pequeno lobby. A segurança resolveu então trazer lá de fora algumas grades, iguais àquelas que colocam em shows, para isolar os fãs. Não havia mais dúvidas. Eu me coloquei em posição bem estratégica, quase na saída, e poderia me apoiar na grade.

Chamar a atenção do ídolo diante de tantos fãs não seria tarefa fácil. Levei um urso Rupert, que só um fã das antigas sabe que o Paul gosta. A ideia não era entregá-lo a Paul, queria apenas usá-lo para chamar a atenção. Já próximo das 16h um dos elevadores estava “estacionado” no 21º andar, o da suíte presidencial. Grande movimento de seguranças e isolamento anunciavam a passagem próxima de Paul pelo lobby. A gritaria veio ao abrir a porta do elevador e era preciso aproveitar todos os segundos.

Opto por não filmar, até porque todos em volta estavam com celulares a postos. Paul aparece a passos largos, iluminado pelos flashes. Passa pelo balcão e se aproxima de fãs, dando a mão a vários. Balanço freneticamente o urso vestido de vermelho e amarelo. Quando passa à minha frente, Paul vê o Rupert e o puxa pelo pescoço. "Para mim?", pergunta, em inglês. Digo que não, tento um autógrafo, mas ele apenas diz, “Não? Ok!”.

Foram milésimos de segundos que nunca esquecerei. Na sequência continua cumprimentando fãs e sai pela porta. Sim, esse foi o dia que eu disse “não” a Paul. Mas eu não quis dar o urso que comprei em Londres e guardo com tanto carinho. Já faz tempo que Paul aceita presentes, mas é sabido que ele os dispensa em uma caixa com tudo o que recebe pessoalmente. Alguns dizem que são doados, outros dizem que seguem para o lixo.

Mini show extra em SP

Em São Paulo a estratégia seria outra. Comprei um pacote VIP, chamado Hot Sound. Ele dá direito a um almoço e um kit de souvenires, mas o melhor de tudo, para um fã pelo menos, é poder ter um show extra. É possível, de longe, assistir à passagem de som de Paul com a banda, algumas músicas que ele não toca no show e gracinhas à parte. É um pacote caro para nossos padrões, varia de US$ 1.300 a US$ 1.500. E outra vantagem: esse público acessa a grade da pista Premium, ou seja, o melhor lugar do show, porque são os primeiros a acessar o gramado, antes da abertura dos portões ao restante do público.

Tive a chance de conhecer o Paul em 2011, no Engenhão, Rio, durante a passagem de som. Na ocasião, eu vendi um carro quase novo que tinha para ajudar a bancar a viagem e os ingressos VIP. A produção e o próprio Paul souberam da história e ele me chamou no palco, durante a passagem de som. Essa e outras brechas passaram a lotar os Hot Sounds de fãs na esperança de terem chance de conhecê-lo, mas as possibilidades são sempre remotas.

Logo após esse episódio, em outras vezes que Paul veio ao Brasil, o pacote VIP chegou a ter 200 pessoas. Uma decepção para muitos, que nem conseguiam ficar próximos à grade, dada a quantidade de pessoas que se aglomeravam à frente do microfone de Paul.

Em tempos de crise e tantos shows no país, o pacote Hot Sound atraiu menos fãs este ano. Em Porto Alegre foram 65. Em São Paulo, 115. Em Belo Horizonte, cerca de 40 pagaram pelo pacote. E em Salvador, minguados 14 fãs. A passagem de som em São Paulo começou por volta de 16h35, com Paul bem simpático e sinalizando para o público. Filmagens são proibidas, porque a produção alega que ali é um momento informal, o qual Paul vem “à paisana”, mais à vontade, para testar o som.

Ele cantou por volta de 40 minutos 12 canções e ficaria até mais se não fosse alertado por um assessor que ele precisava parar para a abertura dos portões. Assim que ele saiu, esse público VIP conseguiu ficar bem próximo do palco e garantir um show sem cabeças à frente. Enquanto muitos fãs que chegam logo na sequência ficaram dias na fila, alguns mais velhos, que nunca teriam disposição para uma fila, têm a chance de ver o espetáculo de muito perto.

A minha posição foi estratégica. Canhoto, Paul costuma observar mais os fãs à sua esquerda. Foi onde me posicionei. Durante o show ele interagiu com o público e faz a alegria de quem estava na grade. Eu levei uma faixa grafada “So glad to see you here” – duplo sentido da frase em si “tão feliz em vê-lo aqui”, que na verdade é o título de uma antiga música de sucesso, nunca cantada ao vivo. Logo no começo do show, em um momento mais calmo, abri a faixa em letras garrafais. Ele olhou, leu, acenou e pôs a mão no peito. Difícil adivinhar o que pensou, mas algo do tipo “Eu também”. Missão cumprida e um show maravilhoso. 

Um pouco de sorte em Salvador

Sem planos de Hot Sound ou de me hospedar no mesmo hotel de Paul em Salvador, fui para a Bahia com a família, para passar o fim de semana na praia e assistir ao show da pista Prime naquele mesmo dia. Quando estava a caminho do hotel dele (o Sheraton), uma amiga mandou a mensagem: “Venha logo, ele vai sair!”

Frio na barriga e certo desespero, porque além do trânsito eu não encontrei lugar para estacionar. Depois de meia hora avistei um “flanelinha” (ou quem sabe um anjo), que me ajudou a estacionar a menos de 300 metros do hotel e em local permitido. No hotel, notei uma calmaria incomum: ninguém na porta, nada. Uma amiga veio me receber na entrada (estavam barrando penetras).

Depois de um tempo, o movimento entre os seguranças (Clint, Mike e Chris) ficou mais intenso, com isolamentos e todo aquele já conhecido ritual. Concentrada, percebi que eles combinaram que Paul desceria pelo primeiro elevador. Olheu ao redor e vi tudo lotado, com fãs pelas escadas do lado oposto. Precisava me posicionar e só apostei na porta do elevador.

Foi tiro e queda. Minutos de tensão e espera, elevador parado no 12º andar até que a porta abriu e Sir Paul McCartney surgiu de óculos escuros saudando o público. Desta vez filmei, mas tremi e perdi o Paul de foco. Muito perto, muita emoção. Mais uma vez foram milésimos de segundos. Ele passou pelo lobby ao som de gritos e muitos flashes. E se foi. Dali para diante eu só queria curtir o show como uma fã comum, misturada ao povo baiano que lotou a Arena Fonte Nova.

E quem venham as próximas aventuras!

Quem é a fã?

  • Lucia Camargo Nunes

    47, jornalista, é fã de carteirinha desde 1982. Em 1990 ficou na primeira fila dos dois shows históricos de Paul McCartney no Maracanã. Contando Brasil e outros países já foi a 19 shows. Em 2011, subiu ao palco na passagem de som do Engenhão, no Rio, ganhou um abraço do ídolo e uma tatuagem com sua assinatura

    Imagem: Arquivo pessoal

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