Mais vivos do que nunca

Novo "Jurassic World" amplia franquia e deixa a pergunta: por que gostamos tanto de filmes de dinossauros?

Rodolfo Vicentini Do UOL, em São Paulo
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Em 1993, Steven Spielberg conseguiu um milagre: dar vida a criaturas extintas 65 milhões de anos atrás. Em “Jurassic Park: O Parque dos Dinossauros”, o diretor misturou animais mecânicos a efeitos especiais nunca vistos no cinema, movidos por um roteiro esperto e atuações cativantes. O resultado foi um estrondoso sucesso de público e crítica. O filme ganhou três Oscars e virou a maior bilheteria da história, até ser ultrapassado quatro anos depois por "Titanic".

25 anos e três filmes depois, a franquia ganha um novo capítulo. "Jurassic World: Reino Ameaçado", já em cartaz no Brasil, arrecadou quase US$ 400 milhões em duas semanas pelo mundo, mesmo sem ter estreado nos Estados Unidos. Assim, repete o sucesso de "Jurassic World", o filme que retomou a saga em 2015 e que rendeu mais de US$ 1,6 bilhão aos cofres da Universal. Mas, afinal, por que ainda ficamos tão cativados com filmes sobre dinossauros?

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Evolução na telona

O interesse do cinema por dinossauros não é novo. O primeiro registro dos lagartões na telona é um curta-metragem de 1914 chamado "Brute Force", que mostra o embate entre um homem das cavernas e um dinossauro.

Em 1925, "O Mundo Perdido" (foto), a versão cinematográfica do clássico de Arthur Conan Doyle, marcou época ao usar pela primeira vez a técnica do stop motion no cinema. Dizem, inclusive, que o escritor britânico foi à estreia e gostou do filme. 

Outra aparição memorável dos dinos nos primórdios do cinema foi em King Kong, de 1933, quando o gorilão teve que enfrentar um Tiranossauro Rex. Peter Jackson reproduziu a cena, com muito mais efeitos especiais, ao revisitar a história 72 anos depois.

Mas é inegável que "Parque dos Dinossauros", 25 anos atrás, consolidou a maneira como vemos os dinossauros. O trabalho minucioso da equipe de animação, que introduziu uma tecnologia incipiente e com um potencial gigantesco, aliado a robôs tão realistas que ainda impressionam, marcou uma geração com a história do parque idílico mais desejado da história.

Foi por causa de “Parque dos Dinossauros” que a paleontologia ganhou adeptos, enquanto livros e mais livros – a internet naquela época era tão pré-histórica quanto os dinossauros! – viraram best-sellers por explorar ainda mais o mundo dos períodos Jurássico, Triássico e Cretáceo.

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Por que "Parque dos Dinossauros" é um marco?

Nunca antes na história do cinema dinossauros estiveram tão reais. A emoção ao ver um Braquiossauro pela primeira vez, quando ele se apoia nas patas traseiras para alcançar galhos mais altos, continua tão grande quanto o sentido pelo Dr. Alan Grant (Sam Neil) e a Dra. Ellie Satler (Laura Dern), e é um marco da franquia, gerando memes, gifs e ainda muita zoeira na internet.

“Eu queria fazer um filme para todos os amantes de dinossauros”, definiu o cineasta Steven Spielberg. Para isso, ele precisava de um roteiro bom. E o livro de Michael Crichton estava logo ali. O próprio escritor adaptou a obra para o cinema, ao lado de David Koepp, sobre um fantástico parque em uma ilha da Costa Rica em que as atrações não seriam montanhas-russas radicais, mas, sim, dinossauros de carne e osso.

O problema era como fazer o público acreditar que os dinossauros na tela eram reais. A resposta: unir a velha tática dos animais mecânicos (que Spielberg já usara em "Tubarão", por exemplo) ao que havia de mais moderno na computação gráfica. 

“Nós trabalhamos muito para colocar tudo no lugar, dos músculos até as texturas, e quando vimos [o resultado final] foi chocante. Se me dissesse quatro meses antes que conseguiríamos isso, eu diria ‘provavelmente não’, mas depois fizemos os restos das cenas pelos próximos cinco meses”, relembra Dennis Muren, responsável pelo departamento de tecnologia do projeto.

Spielberg, mesmo procurando locações para “A Lista de Schindler”, seguiu de perto o que a equipe de efeitos visuais estava fazendo em teleconferências longas para debater o caminho que o filme tomaria. “Eles podiam me ouvir, e eu tinha as imagens para aprovar e fazer qualquer ajuste necessário”, disse o diretor.

Com tudo pronto, faltava a trilha sonora. E nada mais do que um gênio cuidou dessa área. John Williams, compositor de “Star Wars”, "ET: O Extraterrestre" e “Indiana Jones”, trabalhou no filme e em um mês já tinha tudo gravado, recorrendo a percussões, harpas, saxofone barítono e coral na orquestra. 

“O Parque dos Dinossauros” teve um gasto com publicidade de US$ 65 milhões, e valeu cada centavo. Na época, virou o filme com maior bilheteria da história. Atualmente, é a 28ª produção com melhor resultado do cinema.

Spielberg fala do legado de "O Parque dos Dinossauros"

Foi muito importante para mim ser uma criança e dirigir "Parque dos Dinossauros", porque minhas primeiras palavras longas, assim como as de muitas crianças, foram tricerátops e estegossauro. Meu pai me levava ao Museu de História Natural para ver os dinossauros, então realmente fiz o filme com essa cabeça de criança. Lembro da diversão que foi pensar em um dia conhecer um dinossauro sem ser devorado.

Steven Spielberg

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Dinossauros "reais"

Parecia de verdade. O Tiranossauro-Rex de seis metros de altura se impunha (e até assustava) no set de filmagens de "O Parque dos Dinossauros". O robô era comandado por profissionais, que usavam controles remotos para mexer cabeça, braços e tronco do animal. Em alguns momentos, as pernas da estrutura nem existiam, eram apenas duas rodas como uma grande empilhadeira. 

O curioso é que o fantoche montado não foi desenvolvido para receber água, então como gravar uma fuga épica de um T-Rex em pleno temporal no parque?

“O que acontece se eles ficarem molhados?”, Spielberg lembra de perguntar para o genial Stan Wiston, chefe da equipe de animatronics. “Eu não construí essas coisas para água, então...ninguém sabe”, respondeu o especialista. No final das contas, o boneco realista ficou encharcado, atrapalhando o peso calculado pela equipe para controlá-lo. Foi necessário tentar secar o lagartão entre uma tomada e outro, mas a cena ficou entre as mais antológicas do cinema.

Já a parte em que um velociraptor persegue a Dra. Ellie foi feita de maneira mais prosaica. Em vez de um robô, o animal era uma fantasia usada por um ator. “Era assustador, porque era muito claustrofóbico e você ficava meio cego dentro da roupa”, relembra Mark McCreery, o artista que desenhou a estrutura. Extremamente realista, a fantasia dos raptors era cuidadosa com a cor dos animais, a textura da pele seca, os olhos aterrorizantes e fileira de dentes do carnívoro.

O momento em que os irmãos Lex e Tim se escondem na cozinha enquanto são perseguidos por dois velociraptors é a união perfeita de animatronics e efeitos visuais. Atores usaram a roupa dos dinossauros, mas foi decisão da produção, inclusive de Kathleen Kennedy (agora chefona do Lucasfilm), em deixar os computadores darem um toque mais solto para os animais.

As lembranças dos atores

Ver o T-Rex pela primeira vez foi impactante. O tamanho dos dentes, a forma como os olhos se mexiam eram incríveis.

Ariana Richards

Ariana Richards

Uma coisa é ver um modelo grande. Outra é ver um modelo que se mexe, respira e te segue foi de outro mundo.

Sam Neil

Sam Neil

Jamais vou me esquecer da cena em que acendo as luzes no porão e esse cara vem por trás, me viro e vejo ele. Foi muito fácil ficar assustada.

Laura Dern

Laura Dern

Criando um dino para o cinema

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O boom na paleontologia

O sucesso de "Parque dos Dinossauros" fez a procura pela paleontologia aumentar. Quem garante é o paleontólogo Alexander Kellner, diretor do Museu Nacional, a mais antiga instituição científica do país.

Ele reavivou o interesse das pessoas e fez com que nós conseguíssemos surfar nessa onda. Acabou chamando a atenção para a paleontologia e passou uma noção do que a gente faz, mesmo com algumas distorções.

Aproveitando o hype, o Museu Nacional montou uma exposição no final da década de 1990 com foco total nas criaturas gigantes que andaram pela Terra há 65 milhões de anos. Foram mais de 240 mil visitantes e filas enormes.

“Essa exposição mudou a paleontologia no país, porque teve interesse da imprensa, e claro que isso foi consequência do filme. Isso significa que antes de 1999 não publicavam artigos sobre dinossauros no Brasil? Claro que publicavam, mas nunca nesta intensidade”, afirma Kellner.

Para o pesquisador, o grande problema da retomada da franquia com “Jurassic World” foi não atualizar as informações mais recentes da área da paleontologia, coisa feita por “O Parque dos Dinossauros”.

É burrice. Tem vários animais novos que você podia tentar colocar, com penas mesmo, poderia brincar mesmo. Na minha opinião não é legal. Não é inteligente.

Erros no filme

Paleontólogo Alexander Kellner explica as polêmicas do filme

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Parado na frente de um T-Rex

"O Parque dos Dinossauros" ensinou que, caso você se depare com um T-Rex, basta ficar parado que ele não vai te atacar. Foi assim que Dr. Grant e as crianças se safaram. Mas na vida real não é bem assim. "Eu duvido disso, é que nem ficar na frente um leão. Qualquer animal com aquele porte não iria simplesmente deixar de te atacar. Isso eu não imaginaria ser verdade".

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Braquiossauro em duas patas

"Essa é curiosa. Colocaram um barapassauro sobre duas pernas no Museu de História Natual em NY, protegendo o filhote enquanto era atacado. E com certeza adaptaram no filme por causa disso, porque é uma polêmica na paleontologia. Eu acho que [o braquiossauro] poderia ficar sob duas patas, porque ele não andou, só levantou".

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Dilifossauro cuspindo veneno

Em um dos momentos mais marcantes do filme de 1993, o pilantrão Dennis Nedry é atacado por um dilofossauro na floresta, que cospe um veneno, deixando o programador cego. "Isso aí é totalmente fora de questão, é forçar muito a barra. Aquela cabeça, com o formato como tem os camaleões, também não era nada disso. A produção chutou e errou".

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O tamanho dos velociraptors

"Naquela época, seria covardia cobrar que ele teria penas -- a ideia foi difundida no final dos anos 90. Mas o grande erro foi o tamanho do bicho. Naquele tempo, o velociraptor era metade daquele tamanho. Mas anos depois, um paleontólogo chamado James Kirkland achou um animal muito parecido e que por acaso tinha o tamanho semelhante ao do filme. Parece até que o cara teve uma premonição"

As cenas antológicas de todos os filmes

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A volta da saga

Após 2001, quando “Jurassic Park III” foi lançado, Spielberg tinha ideia para mais um longa, que seria uma trama paralela de “O Parque dos Dinossauros”. Mas o projeto morreu, talvez pela qualidade discutível do último filme da trilogia original. Apenas em 2010 um novo “Parque dos Dinossauros” começaria a sair do papel, com uma história nova e distante dos personagens amados da produção de 1993.

Para o projeto foi chamado o cineasta Colin Trevorrow, que tinha no currículo apenas um longa, o pouco conhecido "Sem Segurança Nenhuma". Partiu dele dele a decisão de colocar um outro título na franquia, já que “nomear um parque desse jeito após o desastre do primeiro seria péssimo para o marketing”. Fazia sentido.

Com roteiro de Derek Connolly, Amanda Silver, Rick Jaffa e do próprio cineasta, a franquia voltaria com personagens inéditos e energia renovada. O maior acerto de “Jurassic World” foi pinçar (mesmo que de forma envergonhada) a magia do filme original de 1993 em um blockbuster moderno, emocionante, recheado de cenas de ação e com um elenco de primeira.

Para o papel principal foi escolhido um dos queridinhos de Hollywood, Chris Pratt, que tinha revitalizado a carreira com a série cult “Parks and Recreation” e estava prestes a entrar no universo cinematográfico da Marvel como Peter Quill em "Guardiões da Galáxia". Bryce Dallas Howard seria o seu par romântico, em uma versão menos carismática do que Dr. Grant e Dra. Ellie do primeiro filme.

Com orçamento de US$ 150 milhões, o filme arrecadou apenas nos Estados Unidos US$ 652 milhões, sendo mais de US$ 1,6 bilhão no mundo inteiro. O sucesso gigantesco possibilitou mais um filme – e mais outro! “Jurassic World: Reino Ameaçado” traz a dupla protagonista mais entrosada, e agora com um novo desafio: salvar os anima da segunda extinção após desastre natural começar a sucumbir a llha Nublar.

Além disso, a sequência abre o caminho para uma interação totalmente nova com os dinossauros no próximo filme da saga, “Jurassic World 3”, que está marcado para chegar aos cinemas em junho de 2021. Ou seja, a magia dos lagartos gigantes seguirá no cinema. Talvez pelos próximos 65 milhões de anos. 

Trailer de "Jurassic World: Reino Ameaçado"

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