#MeToo, um ano depois

Após a onda de denúncias que abalou Hollywood, qual foi a real influência do movimento?

Beatriz Amendola Do UOL, em São Paulo
Eduardo Munoz Alvarez/AFP

Há um ano, uma onda sísmica abalou Hollywood: com poucos dias de diferença, o jornal "The New York Times" e a revista "The New Yorker" publicaram dossiês de denúncias contra o produtor Harvey Weinstein. O magnata, responsável por filmes como "Shakespeare Apaixonado" e "Pulp Fiction", foi acusado de estupro e assédio sexual. Nos dias seguintes, o número de casos só aumentou, e medalhões como o ator Kevin Spacey viram seus nomes entrarem para as páginas policiais.

O movimento tomou forma, adotou a hashtag #MeToo ('eu também', em tradução livre), ganhou as redes sociais e foi além, com um grande protesto no Globo de Ouro e a criação do Time's Up, uma entidade que visa lutar contra o assédio sexual e a discriminação. Mas nem tudo são flores: o #MeToo já foi abertamente criticado por nomes da indústria e teve sua credibilidade atacada com uma acusação de abuso sexual contra Asia Argento, uma das primeiras denunciantes.

Agora, Weisntein está a um mês da audiência que pode colocá-lo atrás das grades pelo resto da vida. E é hora de avaliar: qual foi a real influência do #MeToo? E, tão importante quanto, qual será o futuro do movimento?

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A origem

O comportamento de Harvey Weinstein era um dos segredos mais bem guardados de Hollywood. Por décadas, segundo relatos, o executivo usou o método do "teste do sofá" com jovens atrizes que tentavam conseguir sua grande chance nas telas. Quando contrariado, ele retaliava. Mira Sorvino, por exemplo, perdeu um papel em "O Senhor dos Anéis" após recusar as investidas de Weinstein --o que mais tarde foi confirmado pelo diretor Peter Jackson.

Mas as cortinas que resguardavam o magnata --e seus pares-- foram abertas de forma irreversível. Gwyneth Paltrow, Angelina Jolie e dezenas de atrizes relataram suas experiências com o produtor, que até hoje nega qualquer ato não-consensual, e foram acompanhadas por colegas como Reese Whiterspoon e Jennifer Lawrence, que também trouxeram a público os horrores que viveram nos bastidores do cinema.

Os relatos foram organizados no #MeToo quando a atriz Alyssa Milano (foto), em 15 de outubro de 2017, convocou mulheres que já tinham sido assediadas ou abusadas sexualmente a responder com um "eu também" --termo que havia sido criado mais de uma década antes pela ativista Tarana Burke. No dia seguinte, a hashtag já havia sido utilizada mais de 600 mil vezes, inclusive por famosas como Lady Gaga, Debra Messing e Evan Rachel Wood, de acordo com dados da agência Bloomberg.

Eles também

O movimento chegou também à ala masculina de Hollywood

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Anthony Rapp

O ator de "Star Trek: Discovery" revelou ter sido assediado por Kevin Spacey quando tinha apenas 14 anos. De forma semelhante ao que ocorreu com Weinstein, surgiu uma verdadeira torrente de denúncias contra o veterano (leia mais abaixo), que o tirou de "House of Cards" e fez com que ele fosse substituído no filme "Todo o Dinheiro do Mundo".

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Terry Crews

Mais conhecido dos brasileiros por "Todo Mundo Odeia o Chris", o ator denunciou um agente que colocou as mãos em seus genitais durante uma festa. Ele acabou fazendo um acordo com o homem, Adam Venit, após sofrer represálias e, por causa delas, deixou o filme "Mercenários 4".

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Resultados

Quando o #MeToo eclodiu, Hollywood falava como nunca de representação feminina: a Mulher-Maravilha havia acabado de ganhar sua primeira adaptação cinematográfica, pelas mãos da diretora Patty Jenkins, e duas séries centradas em questões femininas --"Big Little Lies" e "The Handmaid's Tale"-- haviam conquistado os prêmios máximos do Emmy, o Oscar da TV americana. Tudo isso em um ano que começou marcado por manifestações femininas contra o presidente Donald Trump e seu infame comentário sobre "pegar mulheres pela xoxota".

Foi um timing mais do que apropriado, o que talvez explique a força que o movimento ganhou nas redes sociais e fora delas --tanta força que, em dezembro, a revista "Time" elegeu as "silence breakers", as mulheres que denunciaram seus algozes, como suas pessoas do ano.

Os impactos foram sentidos bem longe de Hollywood. Segundo dados divulgados pela Equal Employment Opportunity Commission, a Comissão pela igualdade trabalhista nos Estados Unidos, o #MeToo resultou em um aumento de 50% de processos por assédio sexual no último ano. E o número de causas ganhas por discriminação aumentou em 20% em relação ao ano anterior.

Uma pesquisa do instituto Ipsos em parceria com o Buzzfeed News, divulgada no último dia 5, aponta para uma direção semelhante. De acordo com os dados, 71% dos americanos estão familiarizados com o #MeToo, e 38% afirmaram que o movimento mudou a forma como o assédio sexual é tratado em seus ambientes de trabalho. Outro dado: 24% das mulheres e 12% dos homens disseram que as manifestações os fizeram perceber que podem ter sido vítimas de abuso no passado.

Já a Time's Up, organização citada na abertura deste texto, criou um findo de defesa legal para ajudar mulheres em situação vulnerável a lidar com casos de assédio --e atendeu mais de 3.500 pessoas em todos os 50 estados norte-americanos, de acordo com o jornal "The New York Times". 

Os denunciados

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Harvey Weinstein

Acusado de abuso sexual por quase cem mulheres, Weinstein foi denunciado pela promotoria de Nova York por três crimes: um estupro em março de 2013 e felações forçadas em 2004 e 2006. Seu julgamento acontecerá na próxima quinta-feira (11). Banido de Hollywood, ele foi retirado de sua própria empresa, a The Weinstein Company.

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Kevin Spacey

O ator foi acusado por dezenas de homens, inclusive por funcionários da série "House of Cards", na Netflix. A promotoria de Los Angeles deixou de lado as acusações contra o astro, pois os crimes já teriam prescrito. No entanto, ele segue sendo investigado pela polícia britânica por um crime que teria ocorrido em Londres.

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Bill Cosby

O caso do ator e comediante se arrastava há anos, antes da criação do #MeToo. Simbolicamente, entretanto, ele foi condenado à prisão em setembro pelo estupro de Andrea Constand, uma das dezenas de mulheres que o denunciaram por abuso e assédio sexual.

REUTERS/Mike Blake REUTERS/Mike Blake

Jeffrey Tambor

Principal estrela da série "Transparent", ele foi acusado de assédio sexual por uma assistente e uma colega. O ator negou as acusações, mas a Amazon, que exibe a série, optou por demiti-lo após uma investigação interna. As coisas ficaram piores para o ator no meio deste ano, quando a atriz Jessica Walter chorou durante entrevista ao revelar que era verbalmente agredida por Tambor no set de "Arrested Development".

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E o futuro?

Os caminhos futuros para o #MeToo ainda são tortuosos. Por um lado, há uma longa luta à frente: a Justiça ainda precisa dar suas respostas às acusações contra Weinstein e Spacey, enquanto outros nomes citados ainda precisam ser formalmente denunciados a ela --o que nem sempre é possível por causa do tempo de prescrição dos crimes.

Por outro lado, o núcleo do movimento em Hollywood precisa lidar com suas questões internas e contradições. Rose McGowan (foto) disparou contra as colegas da classe artística ao dizer que foi excluída da Time's Up --uma acusação que já havia sido feita em abril pela atriz Thandie Newton. Segundo a estrela de "Westworld", ela não foi considerada "famosa o suficiente" para fazer parte da organização, mesmo sendo uma ativista pela causa há 20 anos, quando foi assediada por um diretor de cinema.

Questões como essas, invariavelmente, lançam uma sombra sobre a causa e a idoneidade de seus porta-vozes, o que é prejudicial quando se fala de um crime ainda pouco reportado.

Não há dúvidas, porém, de que o #MeToo se tornou maior do que Hollywood; e os números provam que coube ao movimento conscientizar mais pessoas sobre o assédio sexual. Este, no entanto, foi só o começo de um trabalho que será longo e árduo --e que não pode se perder em meio às velhas maneiras da indústria do cinema.

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