Marvel vs DC

A rixa entre as duas maiores editoras de HQs dos EUA chega aos cinemas

Roberto Sadovski Colaboração para o UOL

É guerra!

O ano mal começou e o cinema já virou palco de batalhas épicas. Numa espécie de luta de século, os estúdios escalaram seus melhores combatentes ao ringue. Em "Batman vs Superman: A Origem da Justiça", lançado em março, os heróis mais populares do planeta duelam em um filme cercado de polêmicas.

Em "Guerra Civil", que estreia nesta semana, é a vez de Capitão América e Homem de Ferro chegarem às vias de fato, reunindo de cada lado a maior quantidade de heróis vista por metro quadrado de celuloide desde os "Vingadores", de 2012.

Mas esqueça os quebra-paus em cena: o que está em jogo é a disputa bilionária entre dois dos maiores estúdios de Hollywood hoje, Warner e Disney, que reproduzem no cinema a briga travada no papel entre as editoras DC Comics e Marvel, há décadas disputando corações, mentes e bolsos de leitores de gibis de todas as idades.

Está aberta a temporada de apostas, com "marvetes" e "decenautas" digladiando-se em intermináveis discussões sobre qual dos dois lados é melhor, maior e mais forte.

E se os personagens da Marvel e DC saíssem no braço?

Superman, todo-poderoso. Batman, muito esperto. Flash, rapidíssimo. (...) Coringa, louco. Mr Myxzpltk, engraçado. Antimonitor... quantas vezes alguém derrotou esse cara? Mas o Galactus poderia chegar até a Terra DC, simplesmente devorá-la e sair feliz

Gabriel Pinto, usuário do fórum de internet Quora.com, especulando sobre vitória da Marvel

Thanos pode ter a manopla do infinito e varrer metade do universo em um estalar de dedos, mas quando confrontado com a habilidade do Bat-Mirim de alterar o tempo e as três dimensões, tenho de dar a vitória à DC, por ter o Bat-Mirim

Vincen Mathai, usuário do site Quora.com, defendendo a vitória da DC na briga

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Deuses de papel

Foi a DC Comics quem deu o pontapé inicial, ainda nos anos 30, com a criação do Superman, o primeiro super-herói dos quadrinhos. O personagem nasceu em 1938, obra de dois adolescentes judeus, Jerry Siegel e Joe Schuster, em uma América ainda se recuperando dos efeitos da Grande Depressão e mergulhando nos horrores da Segunda Guerra Mundial.

No ano seguinte, Bob Kane e Bill Finger apresentaram o Batman ao mundo – a "tríade" seria completada em 1941, quando William Moulton Marston (o inventor do polígrafo) publicou a Mulher Maravilha.

Os heróis da DC foram, por décadas, a opção de entretenimento em HQs para gerações de crianças e adolescentes. Eram personagens maiores que a vida.

Nos anos pós-Guerra, em que o "American Way of Life" espalhava-se pelo globo, Superman, Batman e cia. apresentavam-se não como homens comuns com habilidades extraordinárias, e sim como verdadeiros deuses, figuras fantásticas que buscavam servir de inspiração para meros mortais.

Os anos 60

O mundo mudou. Nixon caiu com o escândalo de Watergate. O globo estava dividido com a Guerra Fria e não trazia mais absolutos de preto e branco. A contra-cultura e a revolução sexual apontavam a mente dos jovens para outras direções. Nesse caldeirão de mudanças, o roteirista Stan Lee, já um veterano do lápis, criou o Quarteto Fantástico com o artista supremo Jack Kirby. Foi o começo da Era Marvel, que introduziu uma nova maneira de enxergar os super-heróis. Sucesso absoluto. 

Enquanto na concorrência a mudança dos tempos não trouxe necessariamente uma mudança de foco narrativo, a Marvel fez de seus heróis homens comuns, imperfeitos, em sintonia com o mundo.

Havia tensão após a Guerra da Coreia? Surge o Homem de Ferro, um vendedor de armas ferido por suas próprias invenções.

O terror nuclear assombrava o mundo? Aparece o Hulk, uma variação de Jeckyl e Hyde criada sob a fúria de uma explosão atômica.

A luta pelos direitos civis explode em campos ideológicos antagônicos? Os mutantes X-Men dão as caras como uma minoria oprimida, defendendo aqueles que insistem em derrubá-los.

Todos os heróis são adultos, enquanto a base dos leitores mal faz a barba? Eles então ganham um espelho com o Homem-Aranha, adolescente, com poderes incríveis, uma matraca impossível de fechar e problemas pessoais no colégio, uma tia doente, falta de grana, sem namorada, mas fazendo o certo porque grandes poderes trazem grandes responsabilidades.

Reprodução/DC Comics Reprodução/DC Comics

Embora o clima nos bastidores entre artistas e editoras de quadrinhos, salvo exceções, era de camaradagem, a luta pela supremacia era feroz. A DC tinha a seu lado a iconografia de personagens que já haviam transcendido as páginas dos gibis. Superman fora centro de uma série de TV nos anos 50, assim como o Batman nos anos 60, em um programa que se tornou símbolo de um estilo gráfico e narrativo inovador, e a Mulher Maravilha nos anos 70, na série que fez da atriz Lynda Carter um dos ícones do movimento feminista da época.

Já a Marvel não tinha medo de inovar, abordando em suas páginas temas considerados tabu como o consumo de drogas e a Guerra do Vietnã. Os leitores passaram a se enxergar nas páginas dos gibis, e as vendas dispararam.

Com a explosão da Marvel entre 1961 e 1968, a DC perdeu a liderança e nunca mais a recuperou - ano passado a Marvel abocanhou 47% de todas as vendas de gibis nos EUA, com a DC em 2º lugar, batendo os 27%.

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Abatida, mas longe de estar morta, a DC reagiu na virada dos anos 70 para os 80 quando levou aos cinemas "Superman", de Richard Donner, até hoje considerado um dos melhores filmes de super-heróis já feitos.

Em paralelo, nos gibis, publicou obras como "O Cavaleiro das Trevas", de Frank Miller, e "Watchmen", de Alan Moore, provando que HQs de super-heróis poderiam ser densas e dirigidas a um público mais maduro.

Foi esse público que compareceu em peso aos cinemas em 1989 para ver o "Batman" gótico de Tim Burton, transformando-o num fenômeno de massas, o prenúncio do que viriam a ser as adaptações dos gibis para a tela grande nas décadas seguintes.

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Bat-dependência

Parte do conglomerado de mídia TimeWarner, a DC Comics conseguiu, durante anos, manter-se à frente da batalha dos super-heróis no cinema. Mas o século 21 trouxe uma mudança no jogo. Em sua quarta tentativa seguida de lucrar com a mesma franquia no cinema, a DC viu seu "Batman & Robin", de 1997, tornar-se um fracasso de crítica e público.

Em 2005, quando ainda tentava se recuperar do fiasco de "Batman & Robin", a Warner tomou sua melhor decisão e entregou as chaves do reino a um cineasta promissor, Christopher Nolan. "Batman Begins" reiniciou a série do Homem-Morcego em um filme distante da fantasia dos produtos do rival, firmando-se em um realismo inesperado para um super-herói.

Com "Batman – o Cavaleiro das Trevas", de 2008, o diretor fugiu às amarras do gênero e entregou um drama policial sério e robusto, um thriller sobre medo, controle, paranoia, caos e loucura.

Bateu em US$ 1 bilhão nas bilheterias, deu um Oscar (póstumo) a Heath Ledger e tornou-se a baliza do que um filme sobre adultos fantasiados combatendo o crime poderia se tornar.

Infelizmente, o encerramento da trilogia, em que Christian Bale aposenta a armadura do Batman, não manteve o mesmo padrão estratosférico de qualidade. Ainda assim, "O Cavaleiro das Trevas Ressurge", de 2012, foi mais um sucesso nas bilheterias.

Toma lá, dá cá

[O universo da DC] É mais mítico, mais grandioso e um pouco mais realista. Por isso, os filmes não podem ser engraçados ou rasos como os da Marvel

Ben Affleck, Ator que já foi Demolidor e agora encarna o Homem-Morcego em "Batman vs Superman"

Eles têm Batman e Superman e não sabem o que fazer com isso. É como se você fosse um ator pornô com um pau gigante e não deixasse ele subir. Que %*#@ é essa?

Joe Quesada, Editor de quadrinhos da Marvel, citado no livro "Marvel Comics - A História Secreta", de Sean Howe

Reprodução

A Marvel tinha um plano

O grande problema da DC foi ancorar-se, por anos, em um único personagem: o Batman. O plano da Marvel, por outro lado, era mais paciente - e ambicioso. 

Com duas décadas de atraso em relação à rival, a Marvel começou a fechar parcerias com produtoras e estúdios em 1998 para lançar seus filmes. Fez "Blade", em 1998, pela produtora New Line, e "X-Men", em 2000, pela Fox, transformando Hugh Jackman, o Wolverine, em astro.

O primeiro grande fenômeno veio em 2002, com "Homem-Aranha", depois de uma década de brigas judiciais da Sony para levar o herói à tela grande. O filme foi um estouro, eclipsando o Episódio II de "Star Wars", lançado no mesmo ano.

Ainda sem estúdio próprio, a Marvel seguiu fechando parcerias com grandes produtoras para colocar nos cinemas longas como "Hulk" (de Ang Lee, lançado pela Universal em 2003), "Demolidor" (também de 2003, com Ben Affleck como o advogado cego), "Quarteto Fantástico" (dois filmes pela Fox, em 2005 e 2007) etc.

De X-Men a Deadpool, todos os filmes da Marvel em um só vídeo

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A mudança começou quando a Marvel buscou um aporte de capital para se tornar um estúdio independente, sem depender das majors. Com US$ 500 milhões em caixa, e um acordo de distribuição com a Paramount lançou, em 2008, "Homem de Ferro".

Mas a grande decisão foi escolher Robert Downey Jr. como protagonista. Poucas vezes, intérprete e personagem casaram de forma tão perfeita. "Homem de Ferro" foi um sucesso, fortaleceu a marca Marvel e foi a deixa para a Marvel repetir no cinema uma de suas grandes características dos quadrinhos: o universo compartilhado.

A ideia é que os heróis habitam o mesmo mundo e, eventualmente, cruzam os caminhos. 

A tapeçaria e a apresentação de novos personagens foi tecida ao longo de quatro outros filmes ("O Incrível Hulk", 2008; "Homem de Ferro 2", 2010; "Thor", 2011; "Capitão América: O Primeiro Vingador", 2011) e desaguou em "Os Vingadores", que terminou como o terceiro – e maior – fenômeno do gênero no cinema moderno, ultrapassando US$ 1 bilhão em todo o mundo.

A grande revolução, porém, estava nos bastidores, já que em 2009 a Disney havia comprado a Marvel (a empresa inteira, pela bagatela de US$ 4 bilhões), garantindo distribuição e marketing de primeira. O sucesso absoluto de "Vingadores" alavancou a marca Marvel e anabolizou os lançamentos em seguida. "Homem de Ferro 3", um segundo "Thor" e um segundo "Capitão América" foram além das bilheterias de seus antecessores. Os US$ 780 milhões faturados pelos desconhecidos "Guardiões da Galáxia" provaram a força do branding. A essa altura, a Marvel já havia estabelecido uma rede intrincada de filmes e personagens, que funcionam de maneira independente e complementam-se entre si. O resultado é uma série de sucessos de público e crítica de uma empresa que, até o momento, parece imbatível com sua fórmula pop.

6 heróis que são a cara da DC

  • Superman

    Criado por Jerry Siegel e Joe Schuster em 1938, o Homem de Aço foi o primeiro super-herói. Em mais de sete décadas, o personagem foi o retrato da "verdade, justiça e do estilo de vida americano", um escoteiro poderoso que, aos poucos, adequou-se a cada momento no tempo nos quadrinhos, cinema e TV.

    Imagem: Reprodução
  • Batman

    Bob Kane ficou com o crédito por dar vida ao Cavaleiro das Trevas, mas recentemente teve seu crédito dividido com Bill Finger, artista que definiu seu visual ainda no fim dos anos 30, quando ele ganhou os quadrinhos. E não ficou por aí, tornando-se uma das criações fictícias mais famosas do mundo - ainda que em constante renovação.

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  • Mulher-Maravilha

    É curioso como o terceiro personagem mais popular da DC - graças em boa parte à série de TV protagonizada por Lynda Carter nos anos 70 - parece nunca ter a atenção devida. A criação de William Moulton Marston publicada em 1941 só foi ganhar uma versão para cinema este ano com Gal Gadot, numa ponta em "Batman vs Superman". Falha corrigida: ano que vem ela ganha um filme para chamar de seu.

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  • Flash

    O homem mais rápido da Terra é o símbolo da Era de Prata dos quadrinhos. O herói foi capa da edição 4 da revista "Showcase", que modernizou uma geração de personagens nos anos 50. Dono de um dos uniformes mais reconhecíveis dos quadrinhos, o Flash protagonizou sua série de TV nos anos 90 e aparece brevemente em "Batman vs Superman". Mas rapidinho mesmo, mal dá para perceber. Como um raio...

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  • Lanterna Verde

    O policial espacial é o maior representante da mudança de tom experimentada pela DC nos anos 50. Criado como portador de um anel mágico, o herói abraçou a ficção científica quando foi reformulado para ser parte de uma tropa de guardiões da paz interestelar. Sua identidade é Hal Jordan, piloto de testes arrogante, escolhido por um alien moribundo a portar o anel.

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  • John Constantine

    Alan Moore criou John Constantine como coadjuvante na série do "Monstro do Pântano" em 1985 - o primeiro passo para legitimizar as HQs voltadas para um público mais adulto. Constantine é um mago que foge do estereótipo, um sujeito com ligação com o oculto que o encara com a mesma dose de respeito e zombaria.

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6 heróis que são a cara da Marvel

  • Homem-Aranha

    Quando Stan Lee e Steve Ditko criaram o Homem-Aranha, não havia nada parecido nos quadrinhos de super-heróis. Ele era uma adolescente com problemas de adolescentes, que tinha em seus poderes mais um fardo do que uma benção. Logo o Homem-Aranha se tornou o maior símbolo da Marvel e também o mapa de sua longevidade.

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  • Capitão América

    Capitão América estreou acertando um cruzado no queixo de Adolf Hitler logo na capa de seu primeiro gibi, em 1941, quase um ano antes de o país entrar na Segunda Guerra Mundial. Era claramente uma peça de propaganda, que perdeu sua utilidade quando o conflito terminou. A segunda chance veio em "Vingadores", em 1964, numa história em que o Capitão havia sido congelado e trazido de volta a um mundo moderno que ele não compreende totalmente.

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  • Homem de Ferro

    Stan Lee não fugia de temas polêmicos, e usou a Guerra Fria como pano de fundo para dar vida ao industrial que revê suas práticas armamentistas ao ser vítima de suas criações. Sempre no "time b" da Marvel, o Homem de Ferro teve várias interpretações, mas não é exagero dizer que sua versão definitiva é criação do diretor Jon Favreau e de Robert Downey Jr., que o catapultaram para o mega estrelato com "Homem de Ferro", filme de 2008.

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  • Wolverine

    Criado para a edição 181 de "O Incrível Hulk", em 1974, Wolverine logo ele se tornou um dos maiores personagens da Marvel. O grande charme do Wolverine, que faz parte da segunda geração dos X-Men, é o mistério em torno de sua origem, e nem sua revelação numa série de 2001 manchou sua popularidade. No cinema, Hugh Jackman lhe deu vida em 2000, e ano que vem se despede do personagem em seu terceiro filme-solo.

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  • Demolidor

    O advogado cego da Cozinha do Inferno, bairro casca grossa de Nova York, foi o típico super-herói, com vilões exagerados e tramas coloridas, até a chegada de Frank Miller à revista em 1979, quando a série do Demolidor passou a ser um neo-noir diferente de tudo que era produzido na época. O sucesso foi gigante, e até hoje o herói navega nessa herança.

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  • Quarteto Fantástico

    Stan Lee e Jack Kirby deram inicio ao universo Marvel nos quadrinhos com "Quarteto Fantástico", a HQ de 1961 que começou tudo. A "inspiração" foi "Liga da Justiça", série da DC de grandes vendas que trazia uma reunião de heróis. Mas Lee e Kirby foram além e criaram uma família de aventureiros e exploradores, transformados por exposição a raios cósmicos. Mais sci-fi impossível!

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