Maravilhosa

Demorou 75 anos, mas filme da Mulher-Maravilha chega no melhor momento possível

Natalia Engler Do UOL, em Los Angeles (EUA)

Era dezembro de 1941 quando a Mulher-Maravilha invadiu o mundo masculino dos quadrinhos e se tornou um sucesso imediato, alcançando 10 milhões de leitores em apenas três anos. Com as HQs, animações e a clássica série de TV protagonizada por Lynda Carter, a princesa das Amazonas conquistou com facilidade seu posto ao lado de Superman e Batman, formando a tríade dos principais heróis da DC Comics.

Nas telas

A Mulher-Maravilha teve algumas versões na TV e como animação antes de chegar ao cinema

Ao longo de mais de 75 anos, ela manteve seu lugar de destaque na cultura pop mundial, a ponto de ser eleita pela revista Entertainment Weekly no ano passado como a mais poderosa entre todos os super-heróis — por sua originalidade (foi a primeira heroína não derivada de um herói masculino), força física, personalidade, mitologia e, principalmente, impacto cultural.

Afinal, não é para qualquer uma ser o principal símbolo de independência e força para pelo menos metade da população mundial, copiada de fantasias do Halloween norte-americano ao Carnaval brasileiro, e amada por meninas — e meninos — do mundo todo.

E tudo isso com uma grande desvantagem em relação a seus colegas da DC: se Batman e Superman já tiveram seus nomes no título de 15 longas, no total, até este dia 1º de junho de 2017, a Mulher-Maravilha não tinha um filme para chamar de seu.

Não que tenham faltado tentativas.

A própria diretora Patty Jenkins foi uma das que tentaram, há mais de dez anos, depois de dirigir “Monster: Desejo Assassino” (2003), mas — como nas tentativas de Ivan Reitman, Joel Silver e Joss Whedon, entre outros (veja a seguir), o filme não vingou.

"Não acho que tenha havido uma razão única [para um filme da Mulher-Maravilha não ter sido produzido antes], e não acho que houvesse alguma conspiração", disse a cineasta ao UOL. "Eu queria fazer porque ninguém estava fazendo. Depois [da primeira tentativa] o estúdio me mandou um roteiro, achando que ia rolar, e me pediu para reescrever e dirigir, mas eu estava grávida, não podia fazer naquele momento".

É maluco que esta personagem icônica exista há 75 anos e nunca tenhamos visto a história da sua origem [no cinema].

Gal Gadot,

Gal Gadot, , atriz israelense que estreou como Mulher-Maravilha em "Batman vs Superman" (2016).

"É louco! Homens e meninos, quando eram crianças, tinham Superman, Batman, Homem-Aranha e muitos outros para se inspirar", disse Gadot ao UOL. "Tivemos a série da Lynda Carter, mas não tínhamos figuras femininas fortes para nos espelhar no cinema. Apenas estou feliz de finalmente estar acontecendo, e de eu ser a pessoa que vai contar a história", comemora.

Clay Enos/Warner Bros. Clay Enos/Warner Bros.

A diretora Patty Jenkins, que entrou no projeto em 2015, depois que "diferenças criativas" com o estúdio levaram Michelle MacLaren a deixar o filme, tem uma responsabilidade e tanto pela frente. Ela é a primeira mulher a dirigir um filme de super-herói desde “O Justiceiro: Em Zona de Guerra” (2008), de Lexi Alexander, não que seja possível comparar “Mulher-Maravilha” com a produção de US$ 35 milhões.

É também a primeira vez que uma heroína tem seu nome estampado no centro dos outdoors desde "Elektra" (2005) e "Mulher-Gato" (2004), ambos fracassos de crítica e público, que ajudaram a cristalizar a ideia de que ninguém queria ver heroínas na telona.

Mas a maré finalmente começou a mudar nos anos 2010, com o sucesso de franquias de ação centradas em mulheres, como "Jogos Vorazes" (2012). “Isso ajudou as pessoas a entenderem que há um público”, admitiu recentemente a produtora Deborah Snyder à revista Empire.

Os números comprovam essa tendência. Nos últimos dez anos, vem crescendo a quantidade de filmes com protagonistas femininas entre as maiores bilheterias de cada ano, com franquias de ação e fantasia puxando o carro, ao lado de animações como "Frozen" (veja abaixo). Esses filmes bateram um recorde em 2015, quando três produções no top 10 mundial somaram US$ 3,58 bilhões: "Star Wars: O Despertar da Força", "Divertida Mente" e "Jogos Vorazes: A Esperança - Parte  2".

Ao mesmo tempo que as bilheterias cresciam, as mulheres também passaram a ser maioria nas salas norte-americanas (não temos informações sobre o gênero do público no Brasil), onde hoje são 52% das pessoas que frequentam cinemas, o que certamente fez os estúdios repensarem seu foco em protagonistas masculinos.

Por quase 30 anos, a indústria de estúdios foi dominada pela ideia de blockbusters e pela crença de que são os garotos adolescentes que impulsionam as bilheterias. Isso ditou muitas coisas que estão mudando profundamente agora.

diz Patty Jenkins, diretora de "Mulher Maravilha"

"Claro que deve haver outras razões deprimentes, mas é a grana que move o mundo nesse caso", continua Jenkins. "Todos os tipos de pessoas estão começando a se aventurar nessas outras grandes fontes de financiamento, como a Netflix e a Amazon. Os estúdios estão percebendo agora: 'Ah, existe um público gigantesco que quer ver todos os tipos de pessoas [no cinema]'".

Se por um lado havia público para uma heroína, por outro havia a vontade da Warner e da DC de expandir seu universo no cinema depois que Zack Snyder apertou o botão reset com "Homem de Aço", em 2013, levando o estúdio a apostar em sua única grande personagem órfã de um filme, com a determinação de ter uma mulher no comando.

O resultado foi uma aposta alta — um orçamento de US$ 150 milhões, o maior de um filme comandado por uma mulher —, em uma diretora com único longa no currículo ("Monster", de 2003), além de episódios de séries como "The Killing", "Arrested Development" e "Entourage". O risco era inevitável, já que talvez a única cineasta no mercado com experiência em filmes de ação seja Kathryn Bigelow (“Guerra ao Terror”, 2008), embora Jenkins tenha chegado perto em 2011, quando foi contratada para dirigir "Thor: O Mundo Sombrio", projeto que acabou deixando quando percebeu que seria “problemático”, e que um fracasso seu poderia se transformar em um estigma para todas as diretoras.

A aposta valeu a pena e "Mulher-Maravilha" deve passar dos US$ 100 milhões na estreia apenas nos Estados Unidos, com uma aprovação de 93% no agregador de críticas Rotten Tomatoes, e uma visão cheia de frescor para o já desgastado gênero de filmes de super-heróis, visto aqui, finalmente, por olhos femininos.

Resta saber se esse novo ponto de vista vai superar aquele que, paradoxalmente, deve ser o verdadeiro desafio de "Mulher-Maravilha", algo que nenhum blockbusters do gênero conseguiu antes: atrair o público feminino em massa. Se elas já são maioria entre o público das maiores bilheterias dos últimos anos (veja abaixo), mesmo os filmes de ação e fantasia com protagonistas mulheres (como "Rogue One") ainda atraem um público majoritariamente masculino.

Abrindo caminho

Se a resposta das bilheterias for realmente positiva, Jenkins pode abrir caminho para outras diretoras se aventurarem em blockbusters, o que em parte já vem acontecendo — com Gina Prince-Bythewood contratada para "Silver & Black", spin-off de "Homem-Aranha" centrado na Gata Negra e na Sabre de Prata, além de Anna Boden como codiretora de "Capitã Marvel", primeiro filme da concorrente da DC centrado em uma mulher, programado para 2019.

O sucesso financeiro será o começo. Grandes corporações são um modelo que demora muito para mudar.

Patty Jenkins

Arte/UOL Arte/UOL

"Nos sentimos assim [mal representadas] há anos, mas é impressionante que só quando colocamos nossa visão no mundo e isso vai bem financeiramente é que as pessoas são forçadas a mudar. São forçadas a abrir os olhos. E acho que isso está sim acontecendo", continua a diretora.

"É óbvio que quero que o filme seja bem-sucedido por razões egoístas. Ao mesmo tempo, tem uma parte de mim que está observando de fora, que ouviu as pessoas falarem que ninguém iria assistir a um filme assim por muito tempo, que está sentada assistindo e dizendo: 'Espero que a gente prove que eles estavam errados pra cacete’. Espero que se torne algo que eles nunca esperaram, e que seja uma surpresa, da mesma forma que eu me senti satisfeita quando 'Jogos Vorazes' fez sucesso, ou quando qualquer filme impulsionado por um público que eles não esperavam mostra a força dessa audiência", completa.

E Jenkins e todo o elenco estão contando com o público para provar que as crenças dos estúdios estavam sim erradas.

Heroína para homens e mulheres

Alex Bailey/Warner Bros. Alex Bailey/Warner Bros.

Connie Nielsen (Hipólita)

"Espero que todo mundo pegue seus filhos e vá ver esse filme. Se fizerem isso, estarão ajudando a promover mudanças. Eu quero um público ativista, que nos ajude a provar isso. E não é difícil, porque o filme é incrível. Minha preocupação é que isto aqui se torne algum tipo de 'unicórnio'. A questão de toda a discussão sobre estereótipos e sobre ser a única personagem feminina é exatamente que não deveria ser a única, e não deveria ser um 'unicórnio', deveria ser normal. Sim, tem todas essas coisas inovadoras, mas é simplesmente uma experiência incrível de assistir, um ótimo filme".

Alex Bailey/Warner Bros. Alex Bailey/Warner Bros.

Robin Wright (Antíope)

"Falamos muito sobre nos livrar da conotação negativa que o feminismo ganhou nos anos 1970 e 1980, quando havia muita agressividade. Não queremos disparidade entre os gêneros, apenas inclusão. Queremos apenas reeducar os garotinhos que querem ver 'Mulher-Maravilha' tanto quanto as meninas, para que seja pelas mesmas razões: coragem, força, justiça e amor. É isso que ela representa. Não é só uma personagem tendenciosa em relação ao gênero, como quando dizemos super-heroína feminina ou ícone feminista, não é isso. Ela fala sobre as mesmas coisas que Nelson Mandela falava".

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