CCXP rima com HQ

Fã de quadrinho que é fã não vai à convenção só pelos filmes e séries

Ramon Vitral Colaboração para o UOL

Quem já foi a alguma das edições anteriores da Comic Con Experience sabe como é fácil se perder em meio aos muitos estandes, painéis com celebridades de Hollywood e lojas vendendo aquele action figure exclusivo que ficaria lindão na sala de casa. O visitante desatento pode inclusive deixar de passar por uma das principais atrações do festival: o Artist’s Alley, espaço destinado aos autores de histórias em quadrinhos - sem as quais, no final das contas, nada disso estaria acontecendo.

A edição de 2017 da CCXP, que vai de quinta (7) até o próximo domingo, no Centro de Exposições Imigrantes, em SP, contará com a presença de 520 quadrinistas e ilustradores, espalhados por um espaço de 3.300 m². Junto com figurões da indústria americana de HQs como Bill Sienkiewicz, Simon Bisley e Glenn Fabry estarão alguns dos grandes nomes dos quadrinhos independentes feitos no Brasil, já com carreiras consagradas aqui e lá fora, como Gabriel Bá e Fábio Moon.

Mas é sobre os nomes e trabalhos ainda pouco conhecidos, mas promissores, que a gente se debruça nas páginas a seguir.

Alice à brasileira

O quadrinista Wagner Willian idealizou "O Maestro, O Cuco e A Lenda" como um livro infantil de 32 páginas. A obra ganhou vida própria e estará à venda em sua mesa na Comic Con Experience em formato de HQ e com 208 páginas. O álbum é o primeiro trabalho do autor após o sucesso de "Bulldogma", publicada em 2016, finalista do Prêmio Jabuti 2017 e vencedora do tradicional prêmio HQMix 2017 na categoria Novo Talento - Roteirista. Após publicar seus títulos anteriores por duas das principais editoras de HQs do país, Willian inaugura agora sua editora própria, a Texugo.

"O Maestro, O Cuco e A Lenda" é integralmente em preto e branco e narra a ida de um rapaz à fazenda na qual foi criado após a morte de seu avô. Com ares de "Alice no País das Maravilhas", o quadrinho trata de temas como memória, amizades de infância e traumas familiares. Uma proposta quase oposta à trama urbana com tom sci-fi de "Bulldogma" e outras obras do mesmo autor. "A beleza e até eficiência de uma linguagem está em alinhar o conteúdo da história à forma em que ela é contada. Se para isso tiver que mudar radicalmente meu estilo, não só de desenho mas de narrativa também, eu o farei", diz o quadrinista.

Começou na Comic Con...

A quadrinista Aline Zouvi esteve na edição de 2016 da CCXP como parte do público do evento. Na sua mochila, ela levou algumas cópias de zines pessoais para distribuir para autores e editores que admirava. Um ano depois, ela retorna ao evento com uma mesa própria, para lançar sua primeira HQ. "Síncope" tem 64 páginas e narra um dia na vida de uma pessoa com ansiedade. O quadrinho foi produzido ao longo de um ano, desde o início das pesquisas até a entrega da obra na gráfica.

"Eu tinha dúvidas se o perfil da CCXP enquanto evento combinaria com o tipo de quadrinho que produzo, que é visto como 'alternativo', por mais sem sentido que hoje esse termo pareça", diz Zouvi. "Minha maior expectativa pro evento é poder fazer meu trabalho chegar a mais pessoas, e pra isso eu aposto na pluralidade do público que atenderá à Comic Con", afirma a artista.

Meninas que brigam

A quadrinista Bianca Pinheiro é famosa pela versatilidade de seu trabalho. Ela intercala publicações infanto-juvenis publicadas por grandes editoras, como a graphic novel "Mônica - Força", protagonizada pela personagem de Maurício de Sousa, e a série "Bear", com obras autorais de terror como a independente "Meu Pai é Um Homem das Montanhas" e "Dora". Na CCXP 2017 ela estará lançando "Alho-Poró". O álbum foi bancado com o investimento de 424 pessoas no site de financiamento coletivo Catarse.

A ideia do livro surgiu durante uma conversa com seus colegas do coletivo de quadrinistas La Gougotte sobre brigas de meninos na época da escola. "Eu pensei, 'caramba, as meninas não eram muito de sair no soco na minha escola'… e comecei a desenvolver a ideia pra história a partir daí. Não vou contar muito pra não dar spoilers", diz em meio a risos a quadrinista, nascida no Rio e residente em Curitiba.

Consumir, produzir, consumir

O quadrinho que o autor Felipe Parucci estará lançando em sua mesa na Comic Con Experience 2017 também foi bancado via financiamento coletivo na internet. Após o sucesso da campanha de "Já Era", ele levou alguns meses para finalizar o livro e, às vésperas do lançamento, recebeu uma proposta da editora Lote 42 para que a publicação fosse editada e distribuída por eles. Depois de duas publicações independentes, o quadrinista está vivendo pela primeira vez a experiência de não precisar se orçar, estocar, produzir, editar, divulgar e distribuir por conta própria. "É muito difícil manter uma produção frequente com tanta atividade que envolve lançar um livro", analisa.

"Já Era" é uma crítica à sociedade moderna e aos nossos hábitos de consumo e ostentação. Uma jovem publicitária decepcionada com a profissão abandona o emprego, compra um barco e acaba em uma viagem interplanetária. "Acho bizarro como o consumismo evolui hoje em dia, principalmente nas artes", diz o autor. "Tudo que faz sucesso me parece mega padronizado, e o artista que tenta fugir do padrão normalmente morre pobre ou é descoberto por um mega empresário que transforma seu trabalho numa nova tendência que vai virar padrão. É um ciclo vicioso que cresce como uma bola de neve", afirma.

Eu... quem?!

O traço do quadrinista Luciano Salles é peculiar, assim como as tramas e os títulos de suas publicações. "Eudaimonia", novo projeto do autor, com lançamento na CCXP, não foge à regra. A publicação é protagonizada por um caçador solitário chamado Piwl-Pa-Col. Após falhar na tentativa de abater sua presa, ele consegue uma segunda chance em sua empreitada e ganha a companhia da dona de um bar em sua missão. O preto e branco do projeto evidencia o estilo singular do autor.

Autor de outras quatro HQs, Salles bancou três delas do próprio bolso, enquanto "L’Amour: 12 Oz" saiu por uma editora. "Eudaimonia" foi impressa graças a uma campanha virtual de financiamento coletivo. "Eu gosto de ser independente pois curto o todo o processo, da ideia para uma HQ até a pós-venda da revista. Gosto de ser o gestor de todos os processos", diz o autor.

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