Travessuras ou gostosuras?

"Halloween" faz 40 anos com Michael Myers ainda mais assustador

Rodolfo Vicentini Do UOL, em São Paulo
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Uma saga de 40 anos

No dia 25 de outubro de 1978, "Halloween: A Noite do Terror" estreava nos cinemas norte-americanos sem muito alarde. Com um custo de US$ 325 mil, o projeto não atraía tanta expectativa. Apenas quem estava preocupado era o diretor John Carpenter, que precisava arrematar bilheterias após os fracassos de "Dark Star" (1974) e "Assalto à 13ª DP" (1976), que ainda não tinham atingido o status de cult. E quando recebeu a incumbência de contar uma história sobre um assassino de babás, o cineasta mudou algumas coisas e deu sua cara para o filme.

"Terminou muito diferente do que seria originalmente", disse Carpenter em uma entrevista em 2013 para o jornal inglês "Telegraph". "[O serial killer de babás] Ainda estava lá, mas eu tive total controle criativo, segui meus instintos e coloquei todo o conhecimento que tinha sobre filmes de terror. Todas as coisas que eu gostaria de ver, a organização, as coisas mais silenciosas, o clima que você pode criar. É o que é: um filme simples".

Só no período que ficou em cartaz, "Halloween" arrecadou mais de US$ 70 milhões, virou um clássico do terror e revitalizou o gênero slasher, que mais tarde viveria o auge com "Sexta-feira 13" (1980), "Chamas da Morte" (1981) e "A Hora do Pesadelo" (1984). A trama centrada no vilão Michael Myers influenciou uma geração de cineastas e continua sendo até hoje tão importante quanto foi nos anos de 1970.

Apesar de tantos filmes da franquia, um novo "Halloween" chega nesta quinta-feira (25) aos cinemas como uma sequência direta dos acontecimentos da noite das bruxas em que Laurie Strode salvou sua pele em Haddonfield. O projeto, que serve também como homenagem aos 40 anos da produção original, traz novamente Jamie Lee Curtis como a heroína e Nick Castle como o aterrorizante inimigo.

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A criação do filme

Sem Irwin Yablans não haveria "Halloween". O fundador da pequena distribuidora Compass Internacional Pictures viu "Assalto à 13ª DP" e pensou em John Carpenter para tocar o primeiro filme produzido originalmente pela companhia. Sua ideia baseava-se em um serial killer que caçava babás, e Irwin ainda sugeriu que todos os eventos se passassem em 31 de outubro.

O braço direito de Carpenter durante o filme foi Debra Hill, então namorada do diretor, que dividiu todo processo criativo. "Eu queria [que o filme acontecesse] em uma cidade silenciosa. O que me intriga tanto sobre filmes de terror é que eles acontecem sempre em cidades pequenas que não têm grandes forças policiais", brincou a produtora e roteirista no livro "Reel Terror: The Scary, Bloody, Gory, Hundred-Year History of Classic Horror."

Com um roteiro finalizado em dez dias, a dupla tinha em mãos uma história original que iria aterrorizar quem fosse ao cinema. "A ideia é que você não pode matar o mal, e foi assim que pensamos na história. Nós retomamos o conceito do Samhain, de que Halloween é a noite em que as almas dos mortos perturbam os vivos, e então surgiu a história da criança mais malévola que já viveu. E quando John [Carpenter] aparece com essa lenda de um mal que retorna para uma cidade, foi isso que fez 'Halloween' funcionar", disse Hill ao "The Guardian".

O orçamento modesto não dava espaço para atores do primeiro escalão de Hollywood serem escalados, tanto que a protagonista era uma estreante. Jamie Lee Curtis não tinha nem 20 anos quando encarnou Laurie Strode pela primeira vez, e ela foi fundamental para o sucesso comercial.

Curtis é filha de Tony Curtis e Janet Leigh, atriz que ficou marcada pela clássica cena do chuveiro em "Psicose" (1960). Claro que ter a filha da protagonista do clássico de Alfred Hitchcock seria bom para os negócios, e sua inexperiência seria compensada com o veterano Donald Pleasence, intérprete do psiquiatra Samuel Loomis. O curioso é que o ator só topou participar do filme porque a filha tinha adorado "Assalto à 13º DP".

Já a famosa máscara usada por Myers foi criação de Tommy Lee Wallace, que se inspirou em um molde usado por William Shatner (o Capitão Kirk da série "Star Trek") no filme de terror "The Devil's Rain" (1975). As gravações aconteceram em apenas 20 dias e Carpenter não filmou tudo cronologicamente, dando dicas aos atores sobre a escala de medo de 1 a 10 que eles deveriam interpretar para a cena que gravariam no dia.

O vilão

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Michael Myers disputa faca a faca a lista dos grandes vilões do cinema. A figura marcante do arqui-inimigo de Laurie Strode, chamada também de A Sombra, foi desenvolvida a partir de uma visita de John Carpenter a uma clínica psiquiátrica quando ainda era adolescente. Enquanto estudava os pacientes do local, o jovem reparou em uma criança sem expressão e com os olhos negros, que ele encarou como uma personificação do mal. O trauma foi usado para explicar a personalidade e visual do antagonista de "Halloween". Michael Myers é um bicho-papão, uma força sobrenatural cujo único objetivo é assassinar quem aparece no caminho. Quando criança, o vilão matou a irmã, que tinha seis anos, em uma das cenas mais antológicas do terror. Preso por 15 anos em uma clínica, ele consegue escapar e volta para casa.

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O que difere Myers de outros ícones do gênero, como Jason Voorhees e Freddy Krueger, é que não há um senso de vingança no filme original. Não há motivação para perseguir Laurie e suas amigas, ele simplesmente o faz. Como resume o site geek CBR, é "a morte encarnada atrás de uma máscara barata do William Shatner". Alguns números curiosos: em sete filmes, Michael Myers fez 81 vítimas. Apenas no sexto capítulo da franquia, "A Última Vingança", o antagonista matou 19 pessoas, sendo metade com um machete cirúrgico. O vilão também é mestre em usar diferentes armas para concluir o trabalho. Além da faca tradicional, Myers usou uma arma (não para atirar, mas para empalar), bisturi, seringa, barras de metal, cabo, garras de jardim, cordão do telefone e, claro, as próprias mãos.

"Halloween", 40 anos: As melhores cenas do clássico do terror

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Mulheres fortes

"Halloween" foi revolucionário ao mostrar a força das mulheres no gênero terror.

Laurie Strode é uma heroína adolescente, muito diferente de Supergirl ou Miss Marvel, por exemplo. O único poder dela é tentar derrotar seu algoz, a personificação do mal Michael Myers.

A garota é muito mais fraca do que seu inimigo, mas ainda assim consegue corajosamente espetar o pescoço do vilão com uma agulha de costura, acertar o olho com um cabide e desferir várias facadas. Mesmo que ela seja socorrida na sequência pelo Dr. Loomis, a perseverança exibida em cena já era à frente de seu tempo, assim como Sigourney Weaver em "Alien", e Linda Hamilton em "Exterminador do Futuro".

Mas "Halloween" dá margem para diversas teorias. Alguns analistas veem no longa uma crítica aos valores americanos patriarcais, no qual as famílias não se preocupam com os filhos. Há ainda quem defenda que os roteiristas, Carpenter e Hill, foram conservadores ao mostrar como vítimas garotas que eram sexualmente ativas, ainda mais que a única sobrevivente era justamente uma virgem.

"Nunca foi uma decisão consciente", disse Debra Hill no livro "Reel Terror". "As pessoas que mencionaram isso em suas críticas aplicaram a própria moralidade. Acredito que eles foram ridiculamente introspectivos sobre um filme que foi criado para não ter declarações sociais". 

Carpenter concordou. "Não foi minha intenção criar um moral. As outras meninas estavam ocupadas com seus namorados ou outras coisas. Laurie percebeu a situação porque não estava distraída. Ela está sozinha olhando para a janela".

Trilha sonora

Além de dirigir e escrever "Halloween", John Carpenter ainda foi responsável pelo tema do filme, tão marcante quanto o próprio Michael Myers. Tocada a cada vez em que o assassino estivesse em cena para avisar que ele estava perto, a trilha tensa virou um personagem da franquia, assim como aconteceu em "Tubarão" (1975), de Steven Spielberg.

"Eu tinha o tema escrito há alguns anos", explicou o cineasta no livro "Reel Terror". "Era algo que eu brincava no piano. Eu não apliquei necessariamente em 'Halloween', estava apenas sentado e pensei: 'Olha, talvez eu use isso. Funciona bem'".

A ideia deu tão certo que foi fundamental para transmitir medo ao público, que chegava a tapar os ouvidos no cinema para diminuir a tensão de ver Myers pulando na tela. Debra Hill acreditava que Carpenter tinha o tema na cabeça durante as gravações, e bolou o filme inteiro no ritmo certo das notas musicais.

"Eu me lembro de uma famosa exibição em que eu consegui esperar do lado de fora e ouvia todos na sala de cinema gritando. Foi como uma sinfonia, foi a coisa mais bonita que já ouvi. E na hora pensei: 'Cara, isso é único'", disse o cineasta em entrevista para a CBS.

John Carpenter explica como foi gravar trilha sonora para novo "Halloween"

Os outros filmes

O que já rolou na franquia "Halloween"

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"Halloween 2: O Pesadelo Continua" (1981)

Carpenter e Hill voltaram para roteirizar a sequência do filme, além de Jamie Lee Curtis e Donald Pleasence. A trama continua a obsessão de Myers por Laurie, desta vez em um hospital. A heroína consegue acertar um tiro nos olhos do vilão, que por fim acaba lambido pelas chamas e, finalmente, cai morto no chão. A surpresa da sequência, porém, é a revelação que Laurie e Myers são irmãos.

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"Halloween 3: A Noite das Bruxas" (1982)

Tommy Lee Walace, o responsável por criar a icônica máscara de Myers, dirigiu e escreveu o terceiro filme da franquia, que não conta com nenhum personagem original, nem mesmo A Sombra. A trama mostra uma empresa que está tentando usar as forças místicas do famoso Stonehenge, na Inglaterra, para ressuscitar o antigo festival Samhain. O projeto ficou marcado por sair do gênero slasher e entrar para a ficção científica.

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"Halloween 4: O Retorno de Michael Myers" (1988)

A Sombra está novamente em Haddonfield, e acordou após os dez anos do massacre original, justamente na Noite das Bruxas. Laurie morreu em um acidente de carro, mas deixou uma filha, Jamie. A garota vira alvo de Myers e o mais impressionante é que começa a seguir os passos do tio psicopata, só que desta vez com uma máscara de palhaço.

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"Halloween 5: A Vingança de Michael Myers" (1989)

O incansável assassino volta (mais uma vez) para Haddonfield para matar (mais uma vez) a sobrinha. Jamie ficou muda desde os acontecimentos do filme anterior e segue internada em um hospital. Para melhorar, a menina e o tio possuem uma ligação telepática. Jamie consegue deter o vilão, que tem seu destino definido em uma prisão de segurança máxima. Mas escapa (mais uma vez) para dar continuidade à franquia.

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"Halloween 6: A Última Vingança" (1995)

O começo da história você já sabe: Michael escapou e está atrás de Jamie, que acabou de ter um filho. A novidade no sexto capítulo da franquia é a aparição de um misterioso culto em Haddonfield, além da volta de Tommy Doyle, aquele garoto que teve Laurie Strode como babá no filme original. O agora adulto Tommy ajuda a "matar" Myers, injetando uma substância corrosiva no sangue do inimigo. Mas o final é sempre o mesmo: Myers não morre.

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"Halloween H20: Vinte Anos Depois" (1998)

Marcando o retorno nostálgico de Jamie Lee Curtis, o filme apresenta Laurie como diretora de um colégio na Califórnia. Ela vive a vida perfeita e mudou de nome, mas os eventos da noite de Halloween em 1978 ainda a perseguem. A heroína decide enfrentar pela última vez o seu arqui-inimigo. Claro que ela consegue e, melhor ainda, arranca a cabeça de Myers com um machado para ter certeza de que o mal está morto.

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"Halloween: Ressurreição" (2002)

Pegadinha do Malandro! Laurie acabou matando outra pessoa no capítulo anterior, então o jogo de gato e rato continua. O filme, dirigido por Rick Rosenthal, ainda conta com o rapper Busta Rhymes e a modelo Tyra Banks no elenco. Myers, no final, é eletrocutado e acorda no necrotério. Quem se dá mal também é a própria Laurie, que é assassinada pelo irmão e jogada de um telhado.

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Os filmes de Rob Zombie

"Halloween: O Início" (2007) e "H2: Halloween 2" (2009) voltam ao tempo e funcionam como uma sequência e também um remake. Os acontecimentos lembram o filme original (apesar de o número de vítimas de Myers ser muito maior) e o vilão tenta de alguma forma mostrar para Laurie que eles são irmãos. Ainda assim, ela mata o serial killer e sai de cena usando a máscara de Myers.

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Legado

São 40 anos desde que Halloween estreou nos cinemas e, ainda hoje, é um dos melhores filmes de terror já produzidos. Muitos títulos atuais continuam usando a mesma fórmula do "menos é mais", como "Corra!", "A Bruxa" e "Um Lugar Silencioso". Ainda que cada um tenha características próprias e guardem temas complexos na linha fina, o que vemos na tela é a forma crua do cinema de horror, justamente o que dá mais medo.

Estes filmes também roubaram de "Halloween" como fazer uma produção de qualidade com baixo orçamento e com equipe pequena. Mesmo que a tecnologia tenha se aprimorado ao longo das décadas, é impressionante pensar que em Hollywood, que conta com filmes orçados em US$ 250 milhões, um grupo de profissionais talentosos consiga entregar material que impressione o Oscar com apenas US$ 4 milhões nas mãos.

Ainda na cultura pop, "Stranger Things" usou como inspiração o clima retrô e o sintetizador grave para criar uma das mais adoradas série das Netflix. A homenagem ficará mais completa com a terceira temporada, que terá "o espírito de John Carpenter e dos filmes de terror dos anos 80", conforme revelou o produtor Shawn Levy.

Carpenter e Hill também criaram um ícone: o vilão com a máscara. A ideia pode não ser tão original, mas ganhou popularidade após o sucesso de "Halloween". Sem Myers não haveria Jason Voorhees, de "Sexta-feira 13", Hannibal Lecter, de "O Silêncio dos Inocentes", e Jigsaw, da milionária franquia "Jogos Mortais". 

Outra técnica aperfeiçoada pelo criador de "Halloween" foi a câmera em primeira pessoa. A sequência inicial continua sendo uma das mais assustadoras do cinema, colocando o público na mente perturbada de um garoto de seis anos que assassinou a irmã com uma faca. 

A ideia de filmar a partir da visão de um personagem virou febre do terror dos anos 2000. "A Bruxa de Blair" (1999) usou a mesma técnica para fazer um filme inteiro, enquanto "Atividade Paranormal" (2008) fez fortuna aperfeiçoando a técnica com ainda mais criatividade.

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"Halloween" (2018)

O que esperar do novo filme?

Com produção executiva de Carpenter, o novo "Halloween" é uma sequência do que aconteceu no dia 31 de outubro de 1978 com Laurie Strode e Michael Myers. Ou seja, esqueça tudo o que viu dos anos de 1980 para cá.

No enredo, Laurie espera há 40 anos um novo embate com o serial killer, e está preparada para matar A Sombra de uma vez por todas.

Jamie Lee Curtis retorna para a produção dirigida com maestria por David Gordon Green. Tudo o que os fãs da saga esperam está na produção: sustos, momentos de tensão, combates emocionantes e homenagens ao filme de 1978.

"Halloween" segue a linha do "menos é mais", salientando alguns pontos interessantes na trama, mas sem tirar a nostalgia de ver um filme de qualidade com Myers. Laurie agora tem uma filha e uma neta, e os eventos daquela fatídica noite ainda a atormentam.

É interessante ver a construção da heroína, agora na casa dos 60 anos. Mesmo sendo forte o suficiente para criar um pequeno bunker em sua casa, ela demonstra medo ao pensar em enfrentar a personificação do mal. E esse medo agora é transmitido para a família.

Se "Halloween: A Noite das Bruxas" (1978) revolucionou o cinema de terror, seu novo capítulo é a atualização de um clássico com personagens marcantes, um dos melhores vilões do cinema ainda mais sanguinário e com a trilha sonora assustadora que não poderia faltar.

Trailer legendado de "Halloween"

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