Onde os monstros habitam

Favorito no Oscar 2018, "A Forma da Água" é uma ode à imperfeição

Eduardo Graça Colaboração para o UOL, de Nova York
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O caçador de monstros

Uma celebração do estranho, daquilo que está fora do lugar, de nossas imperfeições. É assim que o diretor mexicano Guillermo Del Toro define seu "A Forma da Água", indicado em 13 categorias do Oscar 2018 (incluindo as principais de melhor filme, direção, roteiro, atriz, atriz coadjuvante e ator coadjuvante).

A trama gira em torno da história de amor entre a faxineira muda Elisa Esposito (Sally Hawkins) e uma criatura aquática (Doug Jones) encontrada na Amazônia, aprisionada em um laboratório secreto nos Estados Unidos em 1962, no auge da Guerra Fria.

"Cresci em Guadalajara, indo à igreja. E as imagens católicas no México são especialmente assustadoras", diz o diretor em entrevista ao UOL. "Lembro de ver um Jesus no altar em cor violeta. Era criança e aquilo me fez pensar em como ele tinha um ar trágico, assim como Frankenstein. Os monstros, na minha fantasia, se transformaram em mártires das pessoas ditas normais".

Meus monstros são os santos da imperfeição. Rezo para eles todos os dias por conta da imperfeição deles. Não dá para viver eternamente com medo do imperfeito, em busca da perfeição, isso é uma ilusão infantil

Veja o trailer legendado

Os desajustados

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Elisa Esposito (Sally Hawkins)

Faxineira muda de um laboratório secreto do Pentágono. Seu sobrenome em espanhol significa, não por acaso, órfã. Del Toro escreveu o papel especialmente para Sally Hawkins, indicada ao Oscar de melhor atriz.

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Criatura (Doug Jones)

Ele é um ser mítico encontrado na Amazônia, mantido preso e maltratado em um laboratório experimental secreto do governo. Incapaz de falar com Elisa, ele se apaixona pela faxineira por conta de sua sensibilidade.

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Zelda (Octavia Spencer)

Melhor amiga de Elisa, a faxineira sofre com problemas no casamento e a discriminação racial nos Estados Unidos segregado. É a principal ajuda na libertação e fuga do monstro. Octavia está indicada ao Oscar de melhor atriz coadjuvante.

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Giles (Richard Jenkins)

É o vizinho mais velho de Elisa, seu melhor amigo. Gay apaixonado por um homem mais novo, sem ser correspondido, sofre com a impossibilidade de poder ser quem ele realmente é. Jenkins está indicado ao Oscar de melhor ator coadjuvante.

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De olho no passado para falar do presente

A fábula fantástica criada por Del Toro, esse mexicano radicado em Los Angeles, tem entre seus heróis duas faxineiras (uma hispânica e muda; a outra, negra em um Estados Unidos ainda segregado), um cinquentão gay impossibilitado de se assumir, e um ser anfíbio que parece ter vindo de outro planeta. O vilão, vivido por Michael Shannon, é um homem branco.

O filme se passa nos anos de 1960 porque trata do hoje e do agora.

"Eu queria falar de questões étnicas, de gênero, de preconceito de classe social, abuso de poder e ditadura de determinada estética", diz o diretor. "Mas se fosse uma história realista, passada nos dias de hoje, ficaria enfadonho. O que faz o espectador mergulhar nestes temas de forma menos cansativa e mais profunda é justamente o fato de eu estar filmando um conto de fadas".

Del Toro diz que considera "A Forma da Água" seu filme mais íntimo e, ao mesmo tempo, mais delicado. Se trata da solidão dos excluídos, é recheado de romance, delicadeza, e --não é spoiler!-- um final mais para feliz do que melancólico.

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Amores imperfeitos

Uma das cenas mais comentadas de "A Forma da Água" é a do sexo entre os dois protagonistas, de uma beleza estética e erotismo nada convencionais.

"É uma relação de sexo consensual entre dois seres adultos. O monstro sem nome é um Deus do Rio, não é um animal, não é zoofilia ou coisa assim. O que acho horrível no cinema é o sexo [perfeito] que chamo de 'Barbie com Ken'. Eu quis celebrar ali o diferente, e de uma forma mágica, naturalista, com Elisa contando sobre o sexo com o monstro em uma conversa aparentemente banal, durante o café. Não há perversão alguma aqui", diz o diretor.

Doug Jones, que encarnou o personagem central de "O Labirinto do Fauno" (2006) e o Abe Sapien de "Hellboy" (2004), ambos filmes de Del Toro, diz que caiu para trás quando o diretor lhe disse que seria o par romântico da mocinha.

'Oi? Mas isso é possível?'

Jones lembra que a direção foi simples. "Ele disse: 'Foque na conexão do monstro sem nome com Sally e deixe o encantamento entre os dois fluir'. Nunca havia feito um monstro assim e ele me fez lembrar de mim mesmo quando adolescente: eu era o mais alto do colégio, desengonçado, certo de não pertencer em grupo algum. Eu mesmo me sentia um monstro".

O ator pondera ainda que, embora seja possível estabelecer paralelos entre o filme e histórias fantásticas como "A Bela e a Fera", no universo de Del Toro os monstros jamais precisam se transformar fisicamente. "Ele não é como o sapo que um dia vira príncipe depois do beijo de amada. Ele não precisa se transformar para ser amado e aí é que está o centro deste filme: o monstro é aceito pelo que ele é".

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Sem medo do escuro

Del Toro gosta de brincar que ele também é um "monstro que vive nas margens de Hollywood".

"A Forma da Água" custou a bagatela (no que se trata de cinema americano) de US$ 19,5 milhões, com o diretor cortando seu próprio salário para fazer o filme do jeito que queria.

Só assim tive liberdade total. Como meus personagens centrais. Eu também sou um outsider. Não é que não me rendi aos padrões de Hollywood, veja bem, eu não me rendi a padrão algum

O diretor diz que não foi fácil vender o filme: a história de amor entre um monstro do rio e uma faxineira muda.

"Mas nunca é fácil para mim, para meus trabalhos. Imagina você ouvindo a proposta de um filme sobre um conto de fadas passado na Espanha fascista dos anos de 1940 com um fauno e um sapo gigante. Isso parece que vai estourar na bilheteria? Ninguém diz de primeira: 'Claaaaaro, Guillermo'. Mas também sei que ninguém está fazendo os filmes que eu faço.

E, segredo, não vou mudar nunca, viu?

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