Um ex-juiz na onda Bolsonaro

Wilson Witzel (PSC) é eleito governador do Rio de Janeiro com o desafio de reerguer um estado em crise

Gabriel Sabóia, Luis Kawaguti e Rodrigo Mattos Do UOL, no Rio
JORGE HELY/FRAMEPHOTO/FRAMEPHOTO/ESTADÃO CONTEÚDO

Um ex-juiz federal, considerado um outsider na política, é o novo governador do Rio de Janeiro. Filiado ao pouco expressivo PSC (Partido Social Cristão), Wilson Witzel derrotou o ex-prefeito carioca Eduardo Paes (DEM) com um discurso atrelado ao de Jair Bolsonaro (PSL) e propostas de endurecimento no combate ao crime organizado em favelas e à corrupção.

Aos 50 anos, casado e pai de quatro filhos, Wilson Witzel assumirá um Rio com altos índices de crimes contra a vida e recém-saído de uma intervenção federal na segurança pública comandada pelas Forças Armadas, que não foi capaz de reduzir a criminalidade de forma significativa.

No front da economia, o desafio de Witzel será gerir um estado sob regime de recuperação fiscal, com previsão de rombo nas contas de R$ 8 bilhões em 2019, pouco espaço para investimentos e ainda sob o trauma dos atrasos de salários de servidores ocorridos na gestão de Luiz Fernando Pezão (MDB) por mais de dois anos.

Após a eleição, Witzel disse que "não haverá férias" à frente do governo fluminense, pediu que o antagonismo de ideias se transforme em união em favor do estado e prometeu que a escolha de sua equipe não será atrelada a interesses políticos.

Meu único compromisso é com o povo que me elegeu. Não tenho compromisso com partidos e com políticos. Terei um secretariado técnico.

Wilson Witzel, governador eleito do Rio

Sem nunca ter exercido um cargo eletivo, Witzel surpreendeu ao terminar o primeiro turno à frente de Paes --o ex-juiz associou sua candidatura às propostas de Bolsonaro, que, por sua vez, permaneceu neutro na disputa eleitoral fluminense.

A eleição de Witzel, que acontece após crise política desencadeada pela prisão da cúpula do MDB fluminense no contexto da Lava Jato, põe fim à sucessão de três mandatos do partido à frente do Rio --Pezão e Cabral, detido desde novembro de 2016 e condenado a mais de 180 anos de prisão, foram os últimos a ocupar o Palácio Guanabara.

O MDB apoiou a candidatura de Paes. E foi justamente à relação de Paes com políticos presos por envolvimento em esquemas de corrupção que Witzel se apegou nos debates e propaganda eleitorais. "Você representa a política que o povo do Rio de Janeiro não quer mais", reiterava o adversário de Paes, ao mesmo tempo em que exaltava seus 17 anos de magistratura em varas criminais e fiscais no Espírito Santo e Rio de Janeiro.

Desconhecido do eleitorado, Witzel, que também foi defensor público e fuzileiro naval, enfrentou denúncias e teve de explicar condutas no segundo turno, quando abriu margem de mais de 1,6 milhão de votos em relação a Paes.

Ele apareceu em um vídeo orientando juízes sobre uma "engenharia" para acumular gratificações e também foi questionado pelo fato de ter imóvel próprio, mas receber auxílio-moradia do Judiciário. Paes também apontou dívida de IPTU da casa de Witzel, na zona norte carioca --segundo o governador eleito, ela foi renegociada após problemas financeiros.

O democrata também lembrou reiteradas vezes a participação do ex-juiz em ato de primeiro turno em que os então candidatos a deputado Rodrigo Amorim e Daniel Silveira (ambos do PSL) exibiram uma placa destruída em homenagem à vereadora assassinada Marielle Franco (PSOL). Witzel disse que "não comemorou a morte de ninguém".

Alianças e supostos apoios ao governador eleito do Rio também foram questionados. No primeiro turno, Romário (Podemos) afirmou que o empresário Mário Peixoto, que é fornecedor do governo, havia escrito o seu plano de campanha --o que Witzel nega.

Na segunda etapa, Paes também afirmou diversas vezes que o advogado Luiz Carlos Azenha --flagrado transportando o traficante Nem da Rocinha em tentativa de fuga da comunidade em 2011-- era amigo pessoal e conselheiro da sua campanha. Witzel também negou a acusação.

Witzel foi alvo de acusações e polêmicas durante o 2º turno

Acho que a minha derrota se deve ao fato de as pessoas quererem políticos novos, mas agradeço o apoio da população do meu estado, que me deu quase 3 milhões de votos.

Eduardo Paes, candidato derrotado no Rio

A palavra que marca essa eleição é uma só, é pequena, se chama fé. A fé na mudança de uma política que precisa novamente ser respeitada.

Wilson Witzel, governador eleito do Rio

O mapa do voto no Rio de Janeiro

Arte/UOL Arte/UOL

À semelhança de Messias

Escolas militares e proteção a policiais: a sintonia de Witzel com Jair Bolsonaro

Wilson Witzel marcava 1% das intenções de votos na primeira pesquisa Ibope, em agosto, quando declarou apoio à candidatura de Jair Messias Bolsonaro (PSL) à Presidência da República.

Desde o início da campanha, o ex-juiz federal se dizia alinhado às propostas de Bolsonaro, que arrebatou 59,8% dos votos no Rio de Janeiro no primeiro turno. Foi desse jeito que se apresentou aos eleitores: uma alternativa a velhos nomes da política fluminense, além de se mostrar conservador e religioso.

Apesar de nunca ter tido o apoio do presidenciável do PSL, Witzel contou com a presença do senador eleito mais votado do Rio, Flávio Bolsonaro (PSL), em atos de sua campanha. Apoiadores do presidenciável também pediram voto para Witzel em redes sociais e palanques, como foi o caso do deputado estadual eleito Rodrigo Amorim (PSL), o mais bem votado do Rio de Janeiro.

A campanha de Witzel chegou a pagar anúncio no Google que associava o ex-juiz ao sobrenome Bolsonaro. Quando se digitava "Bolsonaro" no buscador, encontrava-se um link com a chamada "Bolsonaro apoia Witzel". Somente ao clicar, o eleitor entendia que o apoio era de Flávio, e não do pai dele Jair Bolsonaro. Também foram distribuídos panfletos com imagens de Witzel e Jair.

As propostas e discursos de Witzel também buscam o máximo de proximidade com Bolsonaro. Se o capitão reformado defendia segurança jurídica para policiais em caso de mortes em confrontos, o candidato do PSC seguia a mesma linha e ia mais longe ao defender o "abate" de criminosos armados com fuzil.

Se Bolsonaro pregava a implantação de escolas militares pelo país, Witzel fazia a mesma promessa para o Rio. Se o capitão reformado falava em Deus, o candidato do PSC também recorria a perfil religioso.

O governador eleito prometeu ainda expandir o número de clubes de tiro como apoio à proposta de Bolsonaro de flexibilizar o Estatuto do Desarmamento com o propósito de facilitar a posse de arma à população. Até a proposta encampada por Bolsonaro Escola sem Partido foi citada no último debate Witzel x Paes, na TV Globo.

O discurso contra a corrupção foi outro ponto em comum, além da imagem de candidato de fora do sistema.

O apoio explícito de Witzel não foi capaz de convencer Bolsonaro a sair da neutralidade no Rio. Restou a Witzel fazer essa associação indireta. Deu certo: disparou na última semana do primeiro turno, liderou essa votação inicial e se consolidou para virar governador.

Propostas polêmicas para a Segurança Pública

  • Extinção da Secretaria de Segurança

    Witzel quer assumir diretamente a responsabilidade sobre a segurança pública por acreditar que a Secretaria de Segurança se tornou uma estrutura burocrática que dificulta o diálogo entre as polícias Civil e Militar. Sua proposta é dar status de secretaria para cada polícia e administrá-las pessoalmente através de um Gabinete de Segurança Pública. Críticos da proposta dizem que Witzel não terá tempo para acumular as tarefas de governador e ainda administrar as polícias diretamente. Ele diz que isso será possível pois terá secretários cuidando das outras áreas.

    Imagem: José Lucena/Futura Press/Estadão Conteúdo
  • Criar mais clubes de tiro

    A ideia do ex-juiz é criar estrutura no Rio para apoiar a proposta de Bolsonaro de rever o Estatuto do Desarmamento para facilitar o acesso da população às armas. Para isso, ele afirmou durante um debate que vai trabalhar para que o estado tenha mais clubes de tiro. Bolsonaro defende que as pessoas tenham acesso mais fácil a armas para se defender de criminosos. Críticos afirmam que o Estado tem que prover segurança e não delegar a tarefa para a população. É nos clubes de tiro que acontecem o treinamento e avaliação de pessoas interessadas em adquirir armas.

    Imagem: Rodrigo Capote/Folhapress
  • Autorizar "abate" de criminosos com fuzis

    Uma das principais propostas de Witzel é instruir policiais a "abater" criminosos que sejam vistos portando fuzis, mesmo que não estejam atirando contra a polícia. Ele diz que o artigo 25 do Código Penal, que trata de legítima defesa, permite esse tipo de ação. Na opinião dele, só o fato de um criminoso estar portando um fuzil já configura risco para a polícia e para a população. Mas juristas críticos da proposta dizem que não pode haver uma interpretação automática de que todos os casos configuram legítima defesa sem uma mudança na lei. Por enquanto, cada caso é julgado individualmente levando em conta suas peculiaridades. Witzel prometeu criar uma estrutura técnica para defender os policiais nos julgamentos e disse estar confiante de que policiais que matarem criminosos nessa situação serão absolvidos.

    Imagem: Daniel Marenco/Folhapress
  • Câmeras substituindo policiais

    Witzel disse durante debates que quer instalar uma rede de câmeras de segurança para melhorar a capacidade de patrulhamento da Polícia Militar. Segundo ele, aumentar o número de PMs nas ruas não seria suficiente para diminuir os índices de criminalidade. Ele defende que as câmeras tenham um software de reconhecimento facial que seja capaz de encontrar criminosos procurados em meio à população. Witzel afirma que sistema similar já funciona no Reino Unido. Contudo, esse sistema ainda está em teste pela polícia britânica e só é usado em eventos específicos, como grandes eventos e manifestações. Segundo relatório da organização não-governamental Big Brother Watch, em um dos testes, realizado no carnaval de Notting Hill, 95 pessoas inocentes teriam sido "reconhecidas" de forma errada.

    Imagem: Stock Images

Promessas de Witzel

Segurança

- Autorizar o "abate" de criminosos portando fuzis
- Substituir a Secretaria de Segurança Pública por gabinete gerido pelo governador
- Remodelar as UPPs
- Criar força-tarefa para investigar lavagem de dinheiro

Saúde

- Zerar em um ano a fila do Sisreg (que agenda atendimento médico)
- Construir 250 clínicas médicas ou contratar essa capacidade na rede privada
- Contratar médicos privados para suprir a demanda do SUS

Educação

- Criar uma rede estadual de escolas militares
- Criar a disciplina "Constituição e Cidadania"
- Fazer uma reforma pedagógica nas escolas estaduais
- Criar gratificações por desempenho para professores

Transportes

- Acabar com a vistoria anual veicular no Detran
- Expandir o metrô e construir nova linha entre Niterói e São Gonçalo
- Estimular o uso de bicicletas e mototaxis
- Tentar substituir BRTs por metrô de superfície

Meio ambiente

- Criar fundo para despoluir a Baía de Guanabara com 3% dos royalties do petróleo
- Despoluir o rio Paraíba do Sul
- Acelerar a emissão de licenças ambientais
- Taxar os poluidores

Contas públicas

- Renegociar o regime de recuperação fiscal para pagar dívida do Rio
- Reduzir a alíquota da carga tributária
- Criar programa de demissão voluntária de servidores
- Auditar as contas das autarquias

Eleitores de Witzel deram "voto de confiança" contra "velha política"

Turma do Witzel

Divisão da Alerj no governo Witzel

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