Legalizar ou combater?

Como os presidenciáveis pretendem lidar com as drogas: das leis ao tratamento de dependentes

Juliana Carpanez Do UOL, em São Paulo

Para saber como os presidenciáveis pretendem lidar com o uso e a (des)criminalização das drogas, além de tratamentos para dependentes, o UOL enviou três perguntas para todos os candidatos à Presidência da República:

1) Qual sua proposta de política em relação às drogas de forma geral? O usuário de drogas deve ser penalizado criminalmente?

2) Qual seu posicionamento sobre a legalização da maconha? Existe alguma política diferente, ainda sobre este tema, no uso de maconha para fins terapêuticos?

3) Existe alguma política de tratamento para pessoas que fazem uso problemático de drogas com alto potencial de causar adição, como crack e álcool?


Dos 13 presidenciáveis, cinco não responderam as questões: Cabo Daciolo (Patriota), Ciro Gomes (PDT), Fernando Haddad (PT), Jair Bolsonaro (PSL) e João Amoêdo (Novo). Nesses casos, a reportagem usou informações de seus programas de governo e também de entrevistas nas quais eles falaram sobre o tema. 

Pela lei atual, de 2006, quem for flagrado com droga para consumo pessoal pode ter de cumprir medida de comparecimento a programa ou curso educativo. Já aqueles que vendem, produzem ou transportam, por exemplo, podem pegar penas de cinco a 15 anos.

Depois de coletadas, as informações dos presidenciáveis foram enviadas a três especialistas vinculados a instituições que estudam políticas de drogas, para analisarem as propostas e os pareceres de todos os candidatos. Você pode clicar no nome de cada um dos candidatos para ir direto às suas propostas.

Os Especialistas

Zanone Fraissat/Folhapress Zanone Fraissat/Folhapress

Sidarta Ribeiro

Neurocientista, professor titular e vice-diretor do Instituto do Cérebro da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), membro do conselho consultivo e coordenador científico da PBPD (Plataforma Brasileira de Política de Drogas) e diretor da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência).

Arquivo Pessoal Arquivo Pessoal

Cláudio do P. Amaral

Mestre, doutor e livre-docente em direito. Professor associado da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto-USP. Coordenador do Gecap-USP (Grupo de Estudos Carcerários Aplicados da USP). Pesquisador do Observatório Nacional do Sistema Prisional, do Departamento Penitenciário Nacional, do Ministério da Justiça/UFMG.

Reprodução/ResearchGate Reprodução/ResearchGate

Renato Filev

Pós-doutorando no Proad (Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes) e pesquisador do Cebrid (Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas), ambos da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), e pesquisador no Neip (Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos).

Ricardo Borges/UOL Ricardo Borges/UOL

Lei atual é adequada

Alvaro Dias (Podemos)

A atual Lei Antidrogas nos parece razoável e adequada. O consumo pessoal não é punido com pena prisional. O usuário pode prestar serviços à comunidade e frequentar curso educativo, podendo o juiz encaminhá-lo para tratamento médico, se for o caso. Obviamente estou aberto a propostas de aperfeiçoamento da legislação. O modelo português é interessante e poderia ser mais discutido no Brasil.

Sou contra a legalização de drogas. A ciência já colhe muitas evidências de que as drogas produzem vários efeitos danosos para a saúde e o bem-estar. Por outro lado, a ciência também colhe evidências de que o canabidiol pode ter aspectos favoráveis em determinadas circunstâncias. Cabe à Anvisa estabelecer em quais situações tais medicamentos podem ser utilizados e autorizar quais pesquisas científicas são cabíveis e benéficas para as pessoas.

Não há receita única (para o tratamento de pessoas que fazem uso problemático das drogas). Os especialistas têm defendido abordagens médicas juntamente com psicossociais, com a participação da família, de grupos de apoio, cursos educativos e experiência comunitária. Apenas quando necessário, internação e uso de medicamentos. É um problema de saúde pública que precisa ser tratado com cautela e seriedade.

Apesar das boas intenções, a lei de 2006 é a principal responsável hoje em dia pelo superencarceramento de pessoas não perigosas. Ele diz que o consumo pessoal não é punido com pena prisional, mas isso não é verdade na prática. Algo positivo que falou foi sobre o modelo português, o que mostra um bom senso. Teve um tom mais humanista do que eu esperava.

Sidarta Ribeiro, coordenador científico da PBPD

Correto. A lei atual que dispõe sobre drogas é completa: institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas, prescreve medidas acertadas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes e trata da repressão ao tráfico. Basta que a atual lei seja cumprida pelo próximo governo, com a oferta regular das respectivas políticas públicas.

Cláudio do Prado Amaral, professor da USP

Estudo da Conectas diz que, de 2006 até 2016, a população carcerária cresceu 81% no país. Há uma evidente sistematização de quem vai preso por esta lei. Consumidores de classe média são criminalizados e cumprem penas mais brandas, enquanto usuários periféricos muitas vezes são coagidos com violência pelos operadores da segurança pública e podem ser presos mesmo sendo usuários.

Renato Filev, pesquisador do Cebrid

Nelson Almeida/AFP Nelson Almeida/AFP

Contra a liberação de drogas

Cabo Daciolo (Patriota)

O presidenciável não respondeu à solicitação do UOL: os contatos foram feitos via WhatsApp e telefone celular da assessoria de imprensa, todos sem sucesso. 

Em seu programa de governo, o candidato diz que vai focar no “combate ao tráfico de entorpecentes, pelo fato que drogas e armamentos são a base de sustentação do crime organizado no Brasil e a dependência química é o pano de fundo na motivação de infratores a cometerem delitos. Com isso, iremos combater o tráfico de drogas e de armas nos locais onde esses itens entram no território brasileiro, sendo os principais locais, as áreas de fronteira”.

No debate da Rede TV!, Cabo Daciolo disse ser contra a “liberação de drogas no Brasil”.

Grande falácia. Quanto mais combater, menos consumo? Mentira. Quanto mais combater, menos armamento? Mentira. Quanto mais combate, mais resistência. Se a polícia do Rio comprou um helicóptero, os caras foram lá com uma bazuca e o derrubaram. A ideia de que você vai vencer a guerra militarmente é muito atrasada e muitos pregam isso. É senso comum, soa bem, mas não funciona.

Sidarta Ribeiro, coordenador científico da PBPD

Proposta focada só na repressão não é suficiente. Muitos estudos demonstram que a ênfase à política repressiva é contraproducente devido aos seus efeitos criminógenos, sociais e econômicos. A proposta não faz referência às ações preventivas de saúde pública e educativas, ferramentas mais eficientes para o controle e diminuição do consumo de substâncias psicoativas ilícitas.

Cláudio do Prado Amaral, professor da USP

Mais do mesmo. Se estivesse preocupado com o sustento do crime organizado, advogaria pela regulação das substâncias ilícitas e pelo desarmamento maciço da população.

Renato Filev, pesquisador do Cebrid

Lucas Lima/UOL Lucas Lima/UOL

Alinhamento com especialistas

Ciro Gomes (PDT)

O presidenciável não respondeu à solicitação do UOL: a assessoria de imprensa informou que não conseguiria enviar as respostas a tempo. As informações no plano de governo sobre o tema estão associadas à segurança, mencionando o combate ao tráfico de drogas sempre associado ao de armas.

Em entrevista no Roda Viva, em maio de 2018, o candidato falou sobre o tema. Disse não ter uma proposta sobre a descriminalização das drogas e que o assunto está sendo estudado. 

"O Brasil é um país profundamente cristão. A Igreja Católica é contra. Os neopentecostais são contra ao quadrado. Não adianta nada a gente ser um déspota esclarecido, que vai impor a uma nação aquilo que você acha correto. O que nós precisamos fazer, generosamente, é trazer os especialistas e ponderar com todo o Brasil organizado, com as mediações que o povo respeita, se esse é o caminho. Até porque não há um precedente internacional que diga 'tá ali, ó. Eles fizeram isso e deu profundamente certo, nós precisamos imitar'. Não existe."

Os entrevistadores mencionaram o caso de Portugal. "Portugal fez um atalho hábil e é hoje a melhor ideia que eu acho. Portugal não descriminalizou. O que Portugal fez? Eu vou explicar, eu fui lá estudar. Fui lá duas vezes já estudar esse assunto. Portugal pegou especialistas e pediu aos especialistas que definissem a quantidade necessária e suficiente para um dependente químico, droga a droga, usar por uma semana. E estabeleceu sem lei, sem plebiscito, sem Constituição, sem nada... estabeleceu que, desta quantidade que o usuário dependente tem necessidade, e é bastante para ele por uma semana, é assunto de saúde pública e política de redução de danos. Que a propósito foi a política do Ceará, quando eu fui secretário de saúde [...]. A partir dessas quantidades que os especialistas definem, Portugal continua criminalizando. Então, é questão só de uma acertabilidade, que tangenciou o veto moral e religioso. Pode ser que, por aqui, a gente ache essa saída. Mas ela não está madura ainda, o suficiente, para você dizer: 'funcionou'", afirmou Ciro Gomes. 

Ainda sobre drogas, o presidenciável disse: "Isso é uma perplexidade. Não adianta nós, aqui do mundo letrado, que somos generosos, temos a melhor informação, achar que vamos empurrar goela abaixo de uma sociedade cristã, religiosa, moralista como a nossa, soluções dessa natureza”.

Questionado se, pessoalmente, o presidenciável é favorável à descriminalização, ele respondeu: "O que eu acho é que eu devo a obrigação de pôr isso em debate. E estou disposto a ir ao papa Francisco, que é uma figura santa, que tem revelado uma sensibilidade grande, para ver se ele nos ajuda a colocar em perspectiva essa discussão no Brasil. Porque o que não dá é ter 62 mil homicídios, quase todos jovens, quase todos pobres, quase todos negros, quase todos vinculados ao problema da droga, e a gente fazer de conta que vai resolver isso com moralismo de goela. Isso não dá".

O presidenciável afirmou que, de 760 mil pessoas presas no país, 260 mil são jovens "detidos em flagrante para produzir estatísticas com pequeniníssimas quantidades de droga. E, no dia seguinte, recrutados por facções criminosas, viram soldados perigosíssimos da pior e mais banalizada violência no país."

Acho que o Ciro já entendeu a questão, mas não fala com clareza, porque seu eleitorado não entendeu. Não dá para esperar todos concordarem e só então fazer algo. É positivo quando ele fala de trazer especialistas e até o papa, para ajudá-lo. Tecnicamente, Portugal descriminalizou, criou regras. É como dirigir no Brasil: é legal, mas o motorista será penalizado se ultrapassar a velocidade.

Sidarta Ribeiro, coordenador científico da PBPD

A proposta é focada nas políticas de repressão ao tráfico. Repressão, por si só, não é eficiente. Diz que um dos entraves à solução é uma 'sociedade religiosa, moralista'. Todavia, a problemática das drogas é eminentemente pragmática e guarda fraca relação com o perfil moral ou religioso da sociedade. Experiências mundiais revelam que, diante de ações bem-sucedidas, a tendência é de aceitação.

Cláudio do Prado Amaral, professor da USP

Portugal descriminalizou o porte e consumo de todas as drogas. O candidato afirma que religiosos são contra a descriminalização. Mas a atual política de drogas é iatrogênica, gera mais danos do que aqueles que ela visa combater, que são os efeitos das substâncias na saúde do indivíduo e na saúde pública.

Renato Filev, Pesquisador do Cebrid

Nelson Antoine/UOL Nelson Antoine/UOL

Atual política de repressão é equivocada

Fernando Haddad (PT)

O presidenciável não respondeu à solicitação do UOL: a assessoria de imprensa não enviou as respostas a tempo. Abaixo, as informações sobre drogas divulgadas no plano de governo.

A atual política de repressão às drogas é equivocada, injusta e ineficaz, no Brasil e no mundo. É o grande nó a ser desatado em favor do presente e do futuro de nossas crianças e jovens. Hoje, o país prende mais pessoas não violentas, não organizadas e desarmadas, envolvidas no varejo disperso do comércio de substâncias ilícitas, do que homicidas, traficantes de armas e lideranças do crime organizado que já se transnacionalizou. Com isso, agrava a já desumana condição dos presídios e funciona como recrutamento em massa para facções criminosas.

É premente alterar a política de drogas, para combater o que de fato é prioritário, o poder local armado despótico exercido sobre territórios e comunidades vulneráveis. É preciso enfrentar a rede de negócios ilegais que o tráfico internacional promove. O dinheiro decorrente do tráfico alimenta várias esferas da economia, viabiliza o acesso a armas em grande quantidade – que favorecem a violência letal --e financia a corrupção e outras atividades criminosas.

O país precisa olhar atentamente para as experiências internacionais que já colhem resultado positivos com a descriminalização e a regulação do comércio. É urgente promover políticas consistentes de prevenção da violência, evitando o recrutamento de jovens vulneráveis pelo crime. Para isso, é fundamental o Poder Público assegurar perspectivas de futuro para as juventudes, oferecendo-lhes educação, cultura, valorização e alternativas atraentes de integração à vida pacífica e ao mercado de trabalho. [...]

A proposta na área de segurança pública deve estar vinculada a medidas de prevenção ao uso de drogas nas áreas de saúde e educação. No âmbito da saúde, é preciso incentivar a abordagem científica e atualizada à luz dos protocolos reconhecidos internacionalmente como mais avançados e eficazes, fortalecer a rede de atenção psicossocial, permitir políticas de redução de danos e atuar com sensibilidade para abordar de diferentes e flexíveis formas a prevenção em relação a grupos sociais distintos.

Na educação, é preciso garantir que a comunicação com os adolescentes e jovens seja eficiente e não geradora de mitos e mentiras. Priorizar a dimensão do ensino que dialoga com a vida real do estudante é fundamental, de modo que a abordagem científica deve partir dos problemas experimentados no cotidiano. A prevenção passa pelo estabelecimento de políticas voltadas à primeira infância e de formação continuada na área de prevenção do uso indevido de drogas para profissionais de educação nos três níveis de ensino e de projetos pedagógicos de prevenção do uso indevido de drogas alinhados às diretrizes curriculares nacionais e aos conhecimentos relacionados a drogas.

Discurso muito bom, muita coisa positiva. Faço uma ressalva quando ele fala em 'enfrentar' negócios ilegais. Verbos bélicos levam à ideia de que a repressão resolve. Mas o tráfico cresce há décadas muito por causa da repressão: o mercado se ajusta, o preço sobe, o produto se torna escasso, a procura aumenta. Temos de olhar para o que os EUA fizeram com o álcool no início da década de 1930: regulamentar e cobrar impostos.

Sidarta Ribeiro, coordenador científico da PBPD

A proposta é vaga em tema de políticas repressivas. Afirma que a atual política de repressão às drogas é equivocada, mas não indica as alternativas nem as estratégias pretendidas. A proposta acerta ao sugerir o uso das experiências internacionais bem-sucedidas, medidas de prevenção ao uso de drogas nas áreas de saúde e educação, as quais são comprovadamente eficientes.

Cláudio do Prado Amaral, professor da USP

É fundamental a participação da sociedade na construção de uma política inclusiva e pautada nos direitos humanos. Será importante conhecermos as propostas do candidato sobre a abolição do delito de tráfico àqueles hoje presos; a reparação às comunidades prejudicadas pela política de guerra; uma regulação mais adequada para substâncias lícitas como o álcool. E compreender quais os indicadores utilizados para avaliar essa futura política.

Renato Filev, pesquisador do Cebrid

Lucas Lima/UOL Lucas Lima/UOL

Legalizar maconha não diminui violência

Geraldo Alckmin (PSDB)

De acordo com a lei vigente, o ato de consumir drogas por si só não é um crime. O que a Lei 11.343, de 2006, pune são as condutas de guardar, adquirir, portar, transportar, plantar e semear, para o consumo pessoal. Defendemos a manutenção da lei atual e as penalidades estabelecidas para punir essas condutas.

Somos contra alterações da lei antidrogas que possam levar à legalização da maconha. O Brasil vive uma enorme crise na segurança pública, com mais de 60 mil assassinatos por ano, e boa parte desses crimes tem relação direta com o tráfico e a distribuição de crack e cocaína. É irresponsável e superficial vender a ilusão de que legalizar a maconha irá ajudar a diminuir a violência no país. A defesa da maconha para fins terapêuticos é feita pelos grupos narcoativistas com o objetivo de criar uma zona de confusão no marco regulatório sobre as drogas. A maconha não é um medicamento importante e existem drogas legais que podem substituí-la. Apenas em casos específicos pode haver uma justificativa médica para o uso de derivados da maconha. Nessas situações, a Anvisa e o corpo técnico do Ministério da Saúde terão a última palavra. Esse assunto não deve ser tratado com ideologia, mas com pragmatismo e ciência.

Vamos trabalhar para nacionalizar o projeto Recomeço, desenvolvido em São Paulo, e criar uma rede pública de atendimento aos pacientes com problemas com o consumo de álcool e drogas. É preciso oferecer pelo SUS um atendimento multiprofissional, capaz de respeitar as diferentes necessidades dos pacientes e buscar a reinserção social destes. No Recomeço, durante um período inicial, os pacientes ficam em uma moradia especializada, enquanto equipes de saúde tentam restabelecer os laços familiares dos pacientes. Não é internação compulsória. Todos têm liberdade para sair e são incentivados a procurar emprego.

Enquanto permanecem na unidade, os agentes de saúde irão ajudá-los a conseguir documentos, encaminhar para empregos e cursos de capacitação profissional. Acreditamos que o mais importante é dar autonomia para as pessoas e proporcionar os meios para que elas possam viver com os próprios recursos e livres da dependência. Esse é o modelo que queremos disseminar pelo país.

A proposta é um desastre. Na prática, se for pobre e negro, consumir drogas é crime. E pode fumar, mas não pode adquirir, portar... é totalmente contraditório. Quando fala sobre a maconha como remédio, mostra que, como médico, ele está 30 anos atrasado. É um remédio incrível, está promovendo uma revolução médica nos EUA, Europa e Israel. Concordo com o que diz sobre o atendimento no SUS.

Sidarta Ribeiro, coordenador científico da PBPD

Está certo quanto a manter a atual lei de drogas e ao não confundir a controvertida legalização da maconha com a pouco controvertida prescrição médica de derivados, atualmente já regulada. Diferentemente dos outros, enfrentou o tema do tratamento, cuja resposta diz muito sobre o que um candidato pensa sobre liberdades individuais e, nesse tema, posicionou-se pela não compulsoriedade.

Cláudio do Prado Amaral, professor da USP

Assim como na lei, há uma incongruência na argumentação do candidato que compreende que consumir não é crime, mas portar para consumo é. A proibição das drogas pretende tutelar a saúde pública, que paradoxalmente é a maior afetada por esta política. A política de guerra afeta toda a população e não apenas os envolvidos com as drogas.

Renato Filev, pesquisador do Cebrid

Thiago Bernardes/Estadão Conteúdo Thiago Bernardes/Estadão Conteúdo

Dinheiro da repressão na prevenção e educação

Guilherme Boulos (PSOL)

Nossa proposta parte da constatação de que a guerra às drogas que embasou a política até agora não funcionou. Muito pelo contrário, enquanto as organizações criminosas se fortaleceram, foram inúmeros os danos causados à sociedade com a alta taxa de encarceramento e morte da juventude, sobretudo, a pobre, negra e periférica. O Brasil tem mais mortes relacionadas ao comércio do que ao consumo de drogas. Hoje, nossos presídios estão superlotados com gente pega por causa de 36 gramas de maconha ou uma pedra de crack.

Vamos tomar como modelos de revisão desta política os casos internacionais de sucesso, como por exemplo o de Portugal, que descriminalizou as drogas. A criminalidade e violência diminuíram, bem como os casos de abuso de substância nos países que realizaram essa política. Além disso, a legalização e regulamentação do comércio de maconha aumenta a arrecadação de impostos, como mostra um estudo encomendado pelo Congresso. Somos favoráveis a legalização da maconha para uso recreativo e para fins medicinais.

Não se trata de incentivar o uso, mas de canalizar os bilhões investidos em um aparato bélico e repressivo para programas de prevenção, educação e saúde, com um Estado preocupado em atender àqueles que, por qualquer razão, abusem do consumo de psicoativos. É um tema de saúde pública e não do Código Penal.

Outro passo fundamental é pararmos de olhar para a questão do consumo de drogas sob uma ótica moralizante e preconceituosa. Hoje, conseguir uma receita para Rivotril é tão fácil quanto a de um antibiótico pra dor de ouvido. Além disso, segundo uma pesquisa da IMS Health, de 2016, a venda de antidepressivos e estabilizadores de humor cresceu 18,2% no Brasil. É urgente discutir a saúde da população em sua totalidade, sem pudores.

Finalmente, vamos também dar anistia e reparação às comunidades afetadas. Num país desigual e com histórico permanente de racismo como o Brasil, é fundamental aplicar, junto com a legalização, uma política de reparação para comunidades e pessoas afetadas prioritariamente pela política de guerra às drogas, que são negros e pobres.

Ao invés de investir bilhões de reais em operações militarizadas fracassadas contra o tráfico, que resultam na morte de jovens e agentes da segurança em serviço, e na manutenção de presídios superlotados, vamos canalizar esses recursos para um programa nacional de prevenção ao consumo problemático de drogas, envolvendo a juventude, movimentos sociais, entidades não-governamentais e a comunidade científica na elaboração.

Com a descriminalização do uso de drogas, os usuários poderão ser encaminhados para programas de saúde ao invés de uma cela. Nesse sentido, vamos priorizar políticas de redução de danos, pois, conforme as experiências internacionais mostram, são muito mais efetivas do que internações.

Discurso é excelente, concordo com tudo. Ele entra na discussão das drogas lícitas, que no Brasil são as drogas do bem, celebradas. O que fizemos para diminuir o consumo do tabaco temos de fazer com o álcool, com os tarja preta. As pessoas estão viciadas em Rivotril, que causa dependência. Precisamos ficar adultos em relação a isso: toda substância pode ser perigosa, depende da dose, de quem consome e de como consome.

Sidarta Ribeiro, coordenador científico da PBPD

Erra ao ignorar políticas públicas de repressão. Embora as políticas preventivas sejam as mais importantes, não podem existir sozinhas. Claramente se posiciona pela legalização da maconha, enquanto os demais são contra. Diz que haverá descriminalização, mas não especifica as diretrizes para esse fim. Essa é uma pretensão muito arriscada quando afirmada sem parâmetros de ação definidos.

Cláudio do Prado Amaral, professor da USP

Gostaria de ouvir as propostas sobre abolição do delito de tráfico àqueles hoje presos, além de políticas de restrição à propaganda do álcool. Investimentos em programas de saúde devem ser feitos no fortalecimento da Raps (Rede de Atenção Psicossocial), prioritária para quem apresentar o desejo de mudar a sua relação com as substâncias, preservando suas autonomias.

Renato Filev, pesquisador do Cebrid

Nilton Fukuda/Estadão Conteúdo Nilton Fukuda/Estadão Conteúdo

Penas alternativas e programas de recuperação

Henrique Meirelles (MDB)

O tráfico de drogas é um flagelo para o país e precisa ser combatido com firmeza. Agora, no caso do consumo, existe uma lei de 2006 que deve ser seguida. Uma pessoa não pode ser presa por consumo. É preciso haver penas alternativas e programas de recuperação. Porque se um jovem pego consumindo, por exemplo, maconha vai para a prisão, sai de lá pior. Em muitos casos, deixa de ser o consumidor e passa a ser o traficante.

Sou contra a legalização da maconha. Como já dito, o consumidor de maconha não deve ser punido da mesma forma que o traficante. Já o eventual uso da droga para fins terapêuticos deve ser avaliado de forma criteriosa pelos órgãos competentes, como a Anvisa e o Ministério da Saúde, em alinhamento com as práticas adotados em países desenvolvidos.

É possível e necessário fortalecer os programas de recuperação de dependentes químicos. Temos de usar como base as experiências bem-sucedidas de ONGs e igrejas.

Esperava mais dele, pois o ouvi dizendo que queria legalizar, mas aqui ele nega. É um flagelo, mas não é combatendo que vai resolver: vamos olhar para o caso do tabaco. Tem um raciocínio correto quando fala de jovens presos, mas depois diz ser contra a legalização. É contraditório. E termina com uma pérola negativa sobre a experiência das igrejas.

Sidarta Ribeiro, coordenador científico da PBPD

Acerta ao responder que a atual lei deve ser cumprida. Poucos candidatos parecem ter prestado atenção ao conteúdo dela que, se cumprida, resolveria grande parte da problemática. A resposta é genérica quanto ao tratamento para pessoas que fazem uso problemático de drogas. Parece não saber que a prescrição medicinal de canabidiol já é regulada pelo Conselho Federal de Medicina desde 2014.

Cláudio do Prado Amaral, professor da USP

Devemos reformar a lei de drogas trazendo as substâncias consideradas ilícitas para o cenário legal. Assim será possível desvincular a violência do consumo, informar aos usuários sobre o que estão consumindo, promover campanhas de informação e prevenção de riscos e danos, tratar usuários problemáticos sem estigma e discriminação, além de desarmar a população.

Renato Filev, pesquisador do Cebrid

Nilton Fukuda/Estadão Conteúdo Nilton Fukuda/Estadão Conteúdo

Punição de rigor ao traficante

Jair Bolsonaro (PSL)

O presidenciável não respondeu à solicitação do UOL: os contatos foram feitos via email, WhatsApp e telefone celular da assessoria de imprensa, todos sem sucesso. 

Em seu plano de governo, em referência a drogas, o candidato diz que "Rio Grande do Norte, Maranhão, Pará, Bahia e Ceará são regiões que passaram a ser governadas pela esquerda ou seus aliados e onde a 'epidemia' de drogas não foi coincidentemente introduzida. [...] A verdade é que o número de homicídios no Brasil passou a crescer de forma consistente a partir do 1º Foro de SP, no início dos anos 1990. Houve até 'bolsa crack' em cidades administradas pela esquerda, como por exemplo em São Paulo."

No programa Mariana Godoy Entrevista, em outubro de 2017, Bolsonaro se disse contra o uso recreativo de drogas. Ele não confirmou ser a favor do uso medicinal, mas declarou: "Você usa certas drogas em combate. A morfina, por exemplo, para aliviar uma dor. A preocupação do pessoal é que, após a liberação do uso medicinal, simplesmente ela sair de controle". Na ocasião, afirmou ainda: "Não sou favorável a você punir o usuário. Tem que punir, com muito, rigor o traficante."

Em entrevista ao canal do YouTube Na Lata, em janeiro de 2018, Bolsonaro afirmou que "a questão [da descriminalização] de drogas passa pelo Parlamento. Se passar pelo Parlamento e chegar às minhas mãos, como presidente, eu veto. Se o Parlamento derrubar o veto, aí você é obrigado a respeitar o que foi decidido pelo Parlamento".

Na mesma entrevista, continuou: "Se você legalizar, você vai ter CLT na cadeia produtiva da maconha final. Você vai ter impostos. Ou seja: vai chegar uma maconha cara para o consumidor. Vai continuar, então, o tráfico. Você pode ver. O próprio cigarro é comum, no Brasil, ter um percentual acima de 40% vindo de contrabando para cá. E [o cigarro] é legal. Então, é uma utopia [que a descriminalização acabe com o tráfico]."

Só observações negativas. Ao falar de 'bolsa crack', ele critica o programa que oferecia moradia e emprego para usuários. Se é contra o uso recreativo de droga, imagino que não beba cerveja: para muita gente, droga é aquilo que os outros gostam. Ele quer manter a maconha ilegal para não ficar mais cara? Não faz sentido. O contrabando de cigarro é marginal: as pessoas compram na padaria, pagam impostos.

Sidarta Ribeiro, coordenador científico da PBPD

Não respondeu sobre o tratamento para adictos: esta questão revela muito do que o candidato pensa sobre liberdades individuais. Acerta ao posicionar-se em não punir o usuário e ao afirmar que não é correto descriminalizar a produção e venda de drogas: isso requer ações preparatórias e mantenedoras de alta complexidade, para as quais o Brasil ainda não está minimamente preparado.

Cláudio do Prado Amaral, professor da USP

Nada do que está escrito no plano de governo, em relação às drogas, faz sentido. Sobre as declarações, não é porque a morfina é legalizada para uso médico que vemos epidemia de pessoas desviando morfina terapêutica para outras finalidades. Gostaria de saber se o candidato também é contra o uso recreativo de álcool e tabaco e se ele pretende equiparar as políticas das drogas lícitas e ilícitas.

Renato Filev, pesquisador do Cebrid

Matheus Reche/Estadão Conteúdo Matheus Reche/Estadão Conteúdo

Esperar e observar outros países

João Amoêdo (Novo)

O presidenciável não respondeu à solicitação do UOL: sua assessoria de imprensa disse que ele já havia falado sobre o assunto em outras entrevistas. Nada consta sobre drogas em seu plano de governo.

Em entrevista no Roda Viva, em maio de 2018, o presidenciável afirmou: "No primeiro momento, eu sou contra a descriminalização e explico por quê. O Brasil tem um problema grave de segurança. Certamente, o combate às drogas, da forma como está, não está funcionando. Eu acho que a gente deveria fazer, no primeiro momento, programas mais educativos, mas eu gostaria de aguardar um pouco mais o desenvolvimento de experiencias fora [do país]. Gostaria de ver um pouco mais esses casos amadurecerem para a gente trazer a um país do tamanho do Brasil. Não gostaria de trazer uma nova variável agora. Minha posição seria esperar um pouco, ver o desenvolvimento disso e, depois, indo bem, importar esse modelo. Mas, sem dúvida, é uma discussão que tem que ser aberta na sociedade."

O paciente está com febre alta, com convulsão, mas ele acha perigoso mexer no remédio. Como se a gente tivesse muito tempo. Se não quer propor uma variável, não se candidate, pois temos um problema grave. Sem mexer nas variáveis, teremos o mesmo resultado. Algumas experiências de fora já têm décadas e não haverá um modelo pronto para importar, pois nenhum país é igual ao Brasil.

Sidarta Ribeiro, coordenador científico da PBPD

A ausência de proposta para a problemática das drogas é uma falha grave. Pode revelar despreparo ou pouco interesse sobre o tema, que afeta negativamente milhões de brasileiros. Questões ligadas ao tema revelam sua compreensão sobre a relação do Estado e da sociedade com substâncias psicoativas, além de permitir aos eleitores projetar expectativas justas sobre o futuro.

Cláudio do Prado Amaral, professor da USP

Ele se define como liberal economicamente, mas se apresenta conservador nos costumes. Deveria estudar a regulação canadense posta em prática por um governo liberal.

Renato Filev, pesquisador do Cebrid

Sergio Lima/Folhapress Sergio Lima/Folhapress

Atuação de caráter multidisciplinar

João Goulart Filho (PPL)

Encarar o problema da dependência das drogas como um problema de saúde pública e o problema do tráfico de drogas como um problema de segurança nacional. O usuário de drogas não deve ser tratado como criminoso, mas sim como um doente.

Não sou favorável à legalização da maconha. Sobre o uso de substâncias controladas em estudos terapêuticos, sou a favor.

A drogadição é um problema de saúde pública gravíssimo, que deve ser encarado como tal. O sistema de saúde deve prever e dispor das terapias adequadas para enfrentar esse problema, assim como deve fazê-lo para outras moléstias. Reforço a visão de que a atuação nesta área tem um caráter muito mais multidisciplinar do que outras.

Dependência é saúde pública, tráfico é segurança. Isso é totalmente contraditório. Se o usuário deve ser tratado como doente, todo mundo que bebe cerveja e toma café deve ser tratado assim? Porque todos usam drogas de algum tipo. E existe essa confusão entre uso não problemático e problemático (abuso). Eu o acho bem-intencionado, mas as ideias não encaixam. Soa como um progressista desinformado.

Sidarta Ribeiro, coordenador científico da PBPD

A resposta é muito genérica. Não é possível saber o que se esperar do candidato nesse tema. Todavia, é correta a resposta -- e acerta muito, aí -- ao 'reforçar sua visão de que a atuação nesta área tem um caráter muito mais multidisciplinar do que outras', o que também pode explicar suas respostas genéricas, mas não as justifica enquanto candidato à Presidência da República.

Cláudio do Prado Amaral, professor da USP

Não há comprovação científica de que a proibição funciona, pelo contrário. O tabaco, que é legal, é um bom exemplo de regulação para uma droga que causa danos à saúde. Com políticas de restrição do consumo e a permissão de propaganda apenas nos pontos de venda, o consumo de tabaco foi reduzido pela metade nos últimos 15 anos.

Renato Filev, pesquisador do Cebrid

Bruno Rocha/Estadão Conteúdo Bruno Rocha/Estadão Conteúdo

Tolerância zero com narcotráfico

José Maria Eymael (DC)

Tolerância zero com o narcotráfico, fronteiras fiscalizadas e policiadas para prevenir a entrada de armas e drogas e uma política humanizada com os dependentes.

Sou contra legalização. Uso terapêutico com prescrição médica.

Aparelhar com competência o sistema de saúde para receber, tratar e recuperar os dependentes químicos.

É como se alguém falasse: vamos combater a epidemia de HIV na África proibindo o sexo. Ele repete o que todo mundo fala e ninguém consegue fazer, porque é inviável. Quanto mais coloca dinheiro na economia da repressão, mais dinheiro haverá do outro lado. A política humanizada com os dependentes é algo positivo e, sobre o sistema de saúde, faltam os detalhes. Como vai fazer isso?

Sidarta Ribeiro, coordenador científico da PBPD

Respostas genéricas e imprecisas, focadas na repressão e sem qualquer referência a políticas preventivas nos territórios, reconhecidamente mais eficientes para inibir o uso e abuso. Como pretende alavancar as pesquisas já em andamento? O que quer dizer com 'aparelhar com competência o sistema de saúde'? Não faz referência à atual lei de drogas, que só é cumprida na parte repressiva.

Cláudio do Prado Amaral, professor da USP

Esta rede já existe e é a Raps (Rede de Atenção Psicossocial), que deve ser estudada e aperfeiçoada pelo presidente eleito.

Renato Filev, pesquisador do Cebrid

Lucas Lima/UOL Lucas Lima/UOL

Combate ao crime e política integrada

Marina Silva (Rede)

Nossa política em relação às drogas tem duas frentes. De um lado, envolve o combate sem tréguas ao crime organizado, de outro, uma política integrada, envolvendo educação, saúde, esportes e cultura.

Adotaremos as mais modernas ferramentas e metodologias de inteligência para a redução da criminalidade, priorizando o policiamento de manchas criminais e de fronteiras, com uso de tecnologia. O combate ao tráfico de drogas utilizará as técnicas de monitoramento da circulação e lavagem de dinheiro.

O enfrentamento da economia do crime implica, também, o oferecimento de oportunidades a milhares de jovens que, por não encontrarem espaço no mercado de trabalho, sofrem violência crescente e são facilmente atraídos pelo crime organizado, em especial o tráfico de drogas. Reverter esta situação é um compromisso que assumimos.

Quanto à penalização do usuário, a legislação vigente já não prevê reclusão ou detenção, mas, sim, advertência sobre os efeitos das drogas; prestação de serviços à comunidade; ou medida educativa. Dessa forma, em nosso governo iremos cumprir o que está na lei, com amplo apoio e tratamento aos dependentes.

Não sou favorável à legalização da maconha para uso recreativo, porém, para o uso terapêutico, apoio aquilo que a ciência já demostrou que tem efetividade, acompanhando os estudos que são feitos no Brasil e internacionalmente.

Combateremos o estigma do usuário e incentivaremos a prevenção, o diagnóstico e o tratamento multiprofissional para os transtornos mentais, o uso de álcool e outras drogas.

Ampliaremos as ações de combate ao uso do tabaco e apoiaremos os fumantes que queiram deixar de fumar. Reforçaremos campanhas de orientação de crianças e adolescentes sobre os malefícios do tabaco e do álcool.

Ampliaremos também a rede de atenção psicossocial e promoveremos uma melhor integração da saúde mental com a atenção básica, evitando duplicidade de sistemas e colaborando com a formação de mais profissionais. Por fim, daremos apoio às famílias que sofrem junto com a drogadição.

Me explica como vai ganhar essa guerra? Ela vai para a lei de 2006, que dá porrada no traficante e alivia com o usuário. Mas vem sendo usada para um genocídio étnico e social. Na maior parte dos casos, o usuário não está doente, o pequeno traficante é um brasileiro ou brasileira que precisa de ajuda. O grande problema são os barões do tráfico, que nem sabemos quem são. Parece bem-intencionada, mas tem uma preguiça nas ideias sobre esses assuntos.

Sidarta Ribeiro, coordenador científico da PBPD

Respostas poderiam ser mais específicas sobre como dar efetividade às ações, mas acerta ao privilegiar as políticas preventivas, o diagnóstico e o tratamento multiprofissional. Acerta ao perceber o tráfico como alternativa ilícita para jovens ociosos e sem perspectiva. Posicionou-se contra a legalização da maconha para uso recreativo, alinhando-se a grande parte dos pesquisadores.

Cláudio do Prado Amaral, professor da USP

O crime relacionado a drogas está impetrado em diferentes esferas do governo e, através do respaldo institucional, lava dinheiro, financia campanhas, corrompe e onera o Estado, alimenta a insegurança pública etc. A maioria que faz o consumo de drogas não desenvolve problemas relacionados ao uso. É preciso fortalecer o SUS para que acolha aqueles que precisarem, sem estigma ou preconceito.

Renato Filev, pesquisador do Cebrid

Marlene Bergamo/FolhaPress Marlene Bergamo/FolhaPress

Descriminalização do consumo

Vera Lúcia (PSTU)

Uma política coerente deve começar pela despenalização do consumo. Os países que passaram a tratar o usuário como um problema de saúde pública diminuíram o consumo. Este é o caso de Portugal e também da Holanda, onde o consumo da substância é menor do que na França, onde prevalece a criminalização. A Lei Federal 11.343, de 2006, do governo Lula, aumentou a população carcerária no país presa por tráfico em mais de 300%, de 31 mil presos para 138 mil em 2013. Em sua maioria, jovens e negros (as) das periferias.

Usuários estão sendo presos como traficantes, uma porta de entrada para a criminalidade. Toda verba do Estado investida na repressão deveria ser deslocada para o tratamento de usuários. O Estado deveria assumir o controle das vendas das substâncias, garantindo o controle e a regulamentação do consumo. Com isso, pouparíamos milhares de vidas.

Se estamos falando de segurança pública, não temos a menor dúvida da necessidade de não criminalizar o consumo. E, uma vez mais, reafirmamos: o custo para tratar a dependência dos indivíduos, econômico e social, é qualitativamente inferior ao de manter a política repressiva, que, além de não diminuir o consumo, tira a vida de milhares de pessoas, quando não as introduz na criminalidade. A descriminalização do consumo significa também retirar toda e qualquer proibição das pesquisas para fins terapêuticos.

A descriminalização do uso de drogas consideradas ilícitas centra o combate no tratamento dos indivíduos. Os países que consideraram esse caminho, como é o caso de Portugal, obtiveram resultados significativos no combate à dependência. Esse deve ser o mesmo critério para encarar o combate à dependência das chamadas drogas lícitas como o álcool, em que pese o consumo ser socialmente aceito, não é menor as consequências sociais que causa a dependência.

Mas, para isso, é necessário fortalecer o SUS (Sistema Único de Saúde) – as experiências bem-sucedidas indicam que, para um tratamento eficaz, é necessária uma equipe de profissionais. O grau de desmantelamento do SUS pelos governos que vem sistematicamente retirando verbas da seguridade social para o pagamento da dívida pública condena, não somente os dependentes químicos, mas a maioria dos que necessitam da saúde pública a conviver com a barbárie nos hospitais e centros de atendimento.

Ela fala muita coisa pertinente, mostra conhecimento na questão do encarceramento de jovens negros. E trata de uma questão econômica, que é importante. Estamos enxugando gelo a um custo muito alto. Quando passamos a tratar como questão de saúde somente quem tem uso problemático, passamos a investir melhor o dinheiro do contribuinte. Tem mais eficácia.

Sidarta Ribeiro, coordenador científico da PBPD

Acerta ao propor a despenalização do consumo. Hoje, o porte para consumo pessoal é crime, mas não é punido com pena detentiva. Há erro grave ao afirmar que 'toda verba investida na repressão deveria ser deslocada para o tratamento', pois isso deixaria o poder público sem recursos para a repressão. A referência ao programa português é positiva e acena para uma proposta realizável.

Cláudio do Prado Amaral, professor da USP

A legalização dos processos de produção, distribuição e consumo da maconha deve ser o início, não o fim. Para pôr fim às mazelas sociais provocadas pela política de guerra, é preciso levar em conta a reforma ampla da política de drogas, considerando regular cadeias produtivas e de consumo de todas as substâncias hoje consideradas ilícitas.

Renato Filev , pesquisador do Cebrid

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