Num instante em que a presença de uma chapa militar na liderança das pesquisas instila no cenário político a suspeita de que o Brasil flerta com o retrocesso democrático, o economista Antonio Delfim Netto, 90, faz uma avaliação peremptória:
As Forças Armadas jamais voltarão a administrar o Brasil. Digo isso como quem tem experiência nesse negócio
Delfim afirma que os militares têm uma razão adicional para tomar distância da política. Além do “compromisso inabalável com o regime democrático”, a farda não tomaria partido numa disputa que dividiu a sociedade em “duas tribos antropófagas, que ameaçam se comer.”
Há no Brasil uma tendência dos presidentes da República de recorrer a generais da reserva para ocupar cargos em pastas civis. Bolsonaro já sinalizou que, se vencer a eleição, deve exacerbar a prática.
Delfim vê vantagens onde outros enxergam problemas. Depois de passar para a reserva, um general não é senão um “ex-general”, apto a exercer funções públicas como qualquer cidadão.
Delfim conhece, por exemplo, o general Oswaldo Pereira, um dos “quatro estrelas” que integram a equipe que planeja as ações de um hipotético governo Bolsonaro. Responsável pelos programas da área de infraestrutura, Oswaldo está cotado para assumir um ministério a ser batizado com o mesmo nome. Delfim aplaude a escolha, pois, segundo diz, o general é um “especialista”. Com a vantagem de que não admitirá interferência política no setor.
Nenhum outro economista vivo desfrutou de tanta proximidade com o poder como Delfim Netto. Czar da economia em diferentes períodos do regime militar, ele rubricou em 1968 o Ato Institucional número 5, que suspendeu o habeas corpus e fechou o Congresso. Vinte anos depois, como deputado Constituinte, eleito por São Paulo, assinou a Constituição que Ulysses Guimarães apelidou de cidadã.
Execrado pelo PT durante a ditadura, Delfim tornou-se um conselheiro econômico de Lula nos dois mandatos do petista na Presidência da República. Afirma que “Lula é a única alma democrática do PT”. Sustenta que o partido “parasita” seu grande líder, preso em Curitiba desde abril.
Lula é um animal político da melhor qualidade, muito maior do que o PT
Sondado para retornar à pasta da Fazenda sob Dilma Rousseff, Delfim refugou a oferta. A despeito disso, desfrutou de bom trânsito também com a criatura de Lula, a quem critica severamente.
“Com Dilma, o caldo entornou de vez. Crescemos 0,4%, em média, contra 3,6% do mundo. A partir de 2012, tivemos o pior quinquênio do século em matéria de crescimento. Do segundo trimestre de 2014 ao quarto trimestre de 2016, nosso PIB per capita caiu mais de 9%.”
Hoje, Michel Temer consulta Delfim amiúde. “O Temer começou a encaminhar as coisas na direção certa”, afirma, antes de recobrir a equipe econômica de elogios: “Nos últimos anos, não houve um time tão competente na Fazenda e no Banco Central. Por infelicidade enorme, o Temer teve um problema político insolúvel: a delação da JBS.”
Delfim acrescenta: “Se o candidato vencedor tiver um mínimo de inteligência, vai manter os técnicos da atual equipe econômica. Estamos na mão de gente muito competente. A maioria é servidor público, sem ideologia. Não há razão para deixar de aproveitá-los —na Fazenda, no Tesouro, no Banco Central.”