O que está em jogo?

Como o julgamento de Lula no TRF-4 pode refletir na carreira dele, no PT, na eleição, na Lava Jato e em Moro

Leandro Prazeres Do UOL, em Brasília
Adriano Machado/Reuters

Nesta quarta-feira (24), três desembargadores federais julgam, em segunda instância, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Reunidos em Porto Alegre, os integrantes da 8ª turma do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) vão julgar os recursos à condenação de Lula pelo juiz federal Sergio Moro pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. O UOL transmitirá a sessão ao vivo.

Em julho de 2017, o petista foi condenado a nove anos e seis meses de prisão no caso envolvendo um apartamento tríplex que, segundo a acusação do MPF (Ministério Público Federal), foi reformado pela construtora OAS e destinado a Lula como parte de pagamento de propina por contratos firmados com a Petrobras.

O julgamento de Lula pelo TRF-4 já vem sendo avaliado como o ponto mais importante da Operação Lava Jato, que está prestes a completar quatro anos. Especialistas ouvidos pelo UOL dizem que não é só o destino de Lula que está em jogo. Para eles, as consequências da sessão desta quarta se estenderão pelos campos político, jurídico e social.

Jorge Araujo/Folhapress Jorge Araujo/Folhapress

Lula

Isolamento, sim. Morte política, não

Para André Borges, professor do Departamento de Ciência Política da UnB, uma nova condenação de Lula, agora em segunda instância, deverá isolar politicamente o petista ainda mais em 2018.

"Não vou entrar no mérito do processo, mas se antes mesmo de uma eventual condenação, Lula já estava isolado dentro da esquerda, acho que se ele for condenado em segunda instância, esse isolamento tende a aumentar ainda mais", afirmou.

Borges acredita que esse isolamento tende a se consolidar mesmo que Lula consiga registrar sua candidatura à Presidência da República por conta da instabilidade da sua situação jurídica. "Que partido vai querer apoiar um candidato que terá que ficar, o tempo todo, explicando sua situação?", indagou.

O professor disse, no entanto, que não é possível dizer que uma nova condenação decretaria o fim da carreira política de Lula. "O Brasil tem um histórico de políticos que já tiveram problemas jurídicos e, mesmo assim, voltaram à arena política, então Lula não seria o primeiro. Mas, talvez, Lula não vá ter a mesma força política no futuro que ele tem hoje", disse.

O professor de Ciência Política da UFMG Fábio Wanderley Reis também acha temerário imaginar que uma nova condenação decrete a morte política de Lula.

"Essa seria uma análise muito precária. Mesmo que ele seja condenado, mesmo que esteja na prisão, Lula tem condições de influenciar não apenas nas eleições de 2018, mas no cenário político para além deste ano", afirmou.

Reis disse que se Lula vier a ser inocentado pelo TRF-4, isso daria ainda mais combustível para a sua candidatura em 2018. "Se ele for inocentado, isso vai jogar muita potência na candidatura dele. O efeito negativo disso seria um aumento da polarização política que na qual o país vive atualmente", explicou.

Lula pode ser preso se condenação for mantida?

WALTERSON ROSA/FRAMEPHOTO/FRAMEPHOTO/ESTADÃO CONTEÚDO WALTERSON ROSA/FRAMEPHOTO/FRAMEPHOTO/ESTADÃO CONTEÚDO

PT

Partido abalado, estratégia arriscada

Um PT menor em 2018 que em 2016. É assim que o professor de Ciência Política da UnB David Fleischer vê o futuro do partido de Lula após o julgamento desta quarta-feira. Independentemente de qual será o resultado.

"O impacto desse julgamento no PT já está dado. Acho que o processo de diminuição do PT vai continuar depois desse julgamento. Em 2016, já houve uma redução drástica do número de prefeitos e vereadores eleitos e acho que o mesmo vai acontecer ainda que o Lula tenha o direito de candidatar. O impacto de ter o Lula no banco dos réus é muito grande para o partido", afirmou o professor.

Para André Borges, o julgamento de Lula oferece uma oportunidade ao PT para que repense seu futuro. "Uma eventual condenação do Lula pode abrir uma janela para que o partido lance uma nova liderança, mesmo que com o apoio do Lula", explicou.

No entanto, Borges diz perceber que, apesar dessa janela de oportunidade, o PT parece seguir uma estratégia "suicida" ao insistir na candidatura de Lula.

"É uma estratégia suicida porque, ainda que o Lula consiga se eleger, nada garante que ele consiga, efetivamente, governar. O PT está fazendo uma jogada muito arriscada para a sua sobrevivência", disse.

Reprodução Reprodução

Eleição presidencial

Polarização ampliada, cenário fragmentado

A eleição presidencial de 2018 pode ser a esfera mais impactada pelo julgamento desta quarta-feira. O cientista político David Fleischer acredita que se Lula for condenado e, posteriormente, impedido de se candidatar, o pleito deste ano ficará imprevisível e completamente aberto.

"Se Lula for eliminado da disputa, isso pode provocar o aparecimento de outros candidatos. Gente como Luciano Huck ou mesmo o João Doria (PSDB). Sem Lula na disputa, a eleição vira de pernas pro ar", afirmou.

O cientista político Sergio Abranches concorda com Fleischer. "Hoje, o que se desenha é uma disputa entre Lula, de um lado, e [Geraldo, PSDB] Alckmin de outro. A mesma polarização entre PT e PSDB. Sem Lula, o cenário fica mais fragmentado e competitivo para o primeiro turno", afirmou.

Abranches cita uma consequência negativa do julgamento que, segundo ele, será inevitável qualquer que seja o resultado: o aumento da polarização política.

"Se Lula for condenado e impedido de disputar, os setores da sociedade que o apoiam vão se sentir preteridos e isso aumenta a polarização. Por outro lado, se ele mantiver o direito de se candidatar, os setores que são contrários ao PT e ao Lula vão ficar ainda mais hostis a ele. Ou seja: em qualquer cenário, a polarização vai aumentar", diz.

Lula pode ser candidato se condenação for mantida?

Rodrigo Félix Leal/Futura Press/Estadão Conteúdo Rodrigo Félix Leal/Futura Press/Estadão Conteúdo

Lava Jato

Novos condenados na mira

Para os especialistas ouvidos pelo UOL, o julgamento desta quarta-feira também representa um ponto crucial para o futuro da Operação Lava Jato.

Fábio Kerche é doutor em Ciência Política e especializado no papel do Ministério Público. Para ele, o julgamento de Lula é "o começo do fim da Operação Lava Jato".

"O julgamento de Lula é a joia da coroa dessa operação. Acho que veremos, a partir de agora, uma operação com bem menos ímpeto até pelo enorme volume de informações que já foram coletadas. Todas as operações têm uma certa duração", afirmou.

O jurista Lênio Streck destaca outro ponto sobre a importância do julgamento de hoje. Ele diz que, se a decisão do juiz Sergio Moro for mantida pelo TRF-4, isso pode facilitar a condenação de outros políticos envolvidos no caso.

A tese de Streck é de que, na medida em que Moro condenou Lula mesmo sem que houvesse a indicação clara da contrapartida de Lula à empreiteira OAS nos autos, isso deverá facilitar o trabalho do Ministério Público nos processos oriundos de delações como as da Odebrecht ou JBS.

"Se a Justiça entender que não é mais necessário indicar qual a contrapartida pelas vantagens recebidas para condenar alguém por corrupção passiva, isso pode aumentar as condenações. A grande dificuldade dos investigadores até agora tem sido relacionar os recursos recebidos às contrapartidas", disse Streck.

Marcelo Chello/CJPress/Estadão Conteúdo Marcelo Chello/CJPress/Estadão Conteúdo

Sergio Moro

Questionado com ou sem condenação

Fábio Kerche e Lênio Streck avaliam que o julgamento de Lula também é, em grande medida, um julgamento sobre o trabalho de Sergio Moro.

"Se a sentença de Moro for mantida pelo TRF-4, Moro sai fortalecido. Se a decisão for um 2 a 1 ou mesmo, em um cenário mais remoto, se for derrubada, aí o Moro vai ficar enfraquecido e terá que se explicar à sociedade porque a decisão dele foi muito controversa. Como ele se tornou uma figura pública, entrou na arena política, ele acaba tendo esse ônus", afirmou.

Lênio Streck concorda com Kerche e aponta para o que ele classificou como um paradoxo: Moro tem que torcer contra o MPF. Isso porque o juiz condenou Lula, mas não considerou que o dinheiro usado pela OAS na reforma do tríplex atribuído ao ex-presidente teria tido origem em contratos da Petrobras.

Para Streck, isso colocou Moro em uma posição delicada porque, em tese, o que mantinha o caso nas mãos do magistrado de Curitiba era, justamente, o fato de o processo se tratar de desvios na Petrobras.

O MPF, por sua vez, pede o aumento da pena de Lula e insiste na tese de que o dinheiro da reforma teve origem em contratos da empreiteira com a Petrobras.

Para Streck, se o TRF-4 acatar a tese do MPF e aumentar a pena de Lula, o resultado é ruim para Moro.

Curtiu? Compartilhe.

Topo